quarta-feira, janeiro 10, 2007

Abaixo este movimento ambientalista

Diz a QUERCUS num seu comunicado recente:

"O parecer do Ministério Público, no âmbito do processo judicial que a QUERCUS e o GEOTA instauraram contra a atribuição de interesse público ao projecto de Loteamento Costa Terra na Rede Natura 2000 no Litoral Alentejano, levanta questões que põem em causa os procedimentos adoptados por parte do governo.
- Sublinha o parecer do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) que considera ocorrer uma afectação significativa de habitats prioritários e não prioritários e da espécie prioritária Armeria rouyana."

Diz o Ministério Público, citando a acção interposta pela QUERCUS e pelo GEOTA:

"o ICN havia considerado ocorrer, além do mais, "uma afectação significativa de habitates prioritários (sobretudo 2250) e não prioritários (sobretudo 2260 e 4030)", bem como da espécie prioritária Armeria Rouyana."

Diz o parecer do ICN

"Tomando em consideração somente o estado actual do território pode afirmar-se que ocorrerá uma afectação significativa de habitates não prioritários (2260 e 4030). Já considerando o elevado potencial de recuperação dos habitates no território, se sob uma gestão adequada, pode afirmar-se que ocorreria uma afectação significativa de habitates prioritários (sobretudo do habitat 2250*, subtipo "Paleodunas com matagais de Juniperus navicularis") e não prioritários (sobretudo 2260 e 4030)."

Talvez numa leitura apressada e de um leigo se admita que o ICN diz que ocorre uma afectação significativa de habitates prioritários. Mas numa leitura aprofundada e necessariamente técnica como a que terá suportado a acção interposta pelas duas associações ambientalistas não pode haver qualquer dúvida de que o ICN diz uma coisa (ocorre afectação significativa de habitates não prioritários, e ocorreria afectação significativa de habitates prioritários se se considerasse o potencial de conservação da área) e as duas associações ambientalistas pretendem que diz outra.

Dir-se-á: é uma diferença irrelevante.

Não, não é: a lei protege os valores existentes mas não a potencialidade de existência desses valores, e daqui decorrem consequências legais completamente diversas.

Mas a maior diferença é mesmo entre a defesa séria de uma posição de oposição ao despacho que permite aprovar os dois projectos que, citando este parecer poderia defender,entre outras coisas, a posição de que esta potencialidade deveria ser tida em atenção na decisão e o chico espertismo desonesto de truncar uma citação com o objectivo de pôr terceiros a dizer o que não dizem.

Eu defendo um movimento ambientalista forte, mas a prazo só a confiança na sua natureza séria e indepedente o permite criar.

Infelizmente não consigo confiar em quem conscientemente usa este tipo de procedimento.

henrique pereira dos santos

17 comentários:

Anónimo disse...

Nunca é demais exigir rigor e respeito pelos autores e leitores. Parabéns pela chamada de atenção.

Anónimo disse...

Seria interessante vermos aqui publicado na íntegra o parecer do ICN para sermos nós, os leitores, a fazer o nosso próprio juízo de valor. Quem nos garante a nós que não é o autor deste post a truncar o parecer?
Manuel Silva

Pedro Almeida Vieira disse...

Caro Henrique, obrigado pela chamada de atenção que fizeste no meu Estrago da Nação. Em todo o caso, confesso-te que, na minha opinião, o conceito de habitat prioritário e não prioritário permite sempre interpretações muito sui generis. Na minha modesta opinião, um habitat não prioritário poderia eventualmente ser «sacrificado» nas situações em que não existisse alternativa de localização. Ora, num projecto turístico, isso dificilmente se aplica. A questão está sobretudo no interesse do promotor que já tem os terrenos e, portanto, ser-lhe-ia «chato» estar a mudar de localização.
Em todo o caso, este processo dos projectos do litoral alentejano são uma triste novela em que o ICN tem metido, desde há anos, os pés pelas mãos. Recordo-me que há cerca de 4-5 anos, o ICN autorizou a construção de uma ETAR e da desafectação da REN para um projecto turístico que nem sequer tinha sido aprovado. A ETAR lá está...
Por fim, a actual credibilidade institucional do ICN é, nas circunstâncias que vivemos, nula! O ICN é um organismo que só não é moribundo porque já está morto. E é pena que não seja enterrado, porque o que tem saído de lá, nos últimos tempos, em termos de pareceres (a dizer amen à voz do dono), cheira muito mal.
Sem ofensa para os técnicos do ICN, que não devem, por certo, andar muito felizes com o rumo desta entidade.
Cumprimentos

Mário da Silva disse...

Só questionar alguns pontos:

1. "o ICN diz que ocorre uma afectação significativa de habitates prioritários"

Está escrito que ocorrerá ou que ocorreria? É que em "legalês" as questões que podem parecer ser uma "diferença irrelevante" não o são de todo e já não é o primeiro processo que se perde por uma virgúla mal colocada. Picuinhices, dirá você, mas a jurisprudência está cheia dessas "irrelevâncias".

É que entre "ocorre" e "ocorrerá" a diferença é quase nula -- tempo presente e futuro do indicativo -- e entre qualquer uma das anteriores formas verbais e "ocorreria" -- presente condicional -- já existe uma diferença substancial. Acho que entenderá isto, certo?

2. "Eu defendo um movimento ambientalista forte, mas a prazo só a confiança na sua natureza séria e indepedente o permite criar."

Esta critica a quem, muitas vezes com grave prejuízo da sua vida pessoal e profissional, tenta fazer alguma coisa mais do que somente falar é um bocado infeliz.

Só poderemos ter um movimento ambientalista forte se...

a) tiver gente que trabalha verdadeiramente e não se limita a mandar bitates
b) houver financiamento para permitir uma maior profissionalização das mesmas (e com isto não quero dizer empregos) à semelhança do que ocorre em todas as congéneres estrangeiras que têm impacto na opinião pública
c) houver pressão sobre o governo para não "amputar as pernas" de quem os critica
d) houver um ICN verdadeiramente independente, financeira e tutelarmente, para que os pareceres são se pareçam cada vez mais com uma vã tentativa de garantir os empregos que vão sobrar após os cortes já prometidos
e) a tão apregoada Sociedade Civil não ficar sentadinha à espera que os outros dêm a cara e façam algo, mesmo que mal.

3. "ICN diz uma coisa (...) e as duas associações ambientalistas pretendem que diz outra."

Para dirimir essa diferença de opinião é que *ainda* existem os Tribunais em Portugal, mas com os constantes atropelos e Leis de excepção feitas à medida não sei se os teremos muito mais tempo com capacidade de fazer algo útil.

4. "Não, não é: a lei protege os valores existentes mas não a potencialidade de existência desses valores, e daqui decorrem consequências legais completamente diversas."

Isto é que torna o seu discurso confuso? Você quer dizer o mesmo que eu? Não me parece.

Para si a "grande" diferença de fundo está entre "ocorre" e "ocorreria" (1) e para mim a grande diferença é entre "ocorreria" e "ocorrerá" (2)

Em (1) a acção está ou vai ocorrer sem sombra de dúvida e em (2) existe a dúvida se chegará a ocorrer ou não.

No último caso o resultado Legal é completamente diferente como você apontou e bem.

6. Convém mencionar que o ICN cometer gafes que venham sequer a permitir mais uma delapidação do nosso património é imperdoável já que são pagos com o nosso dinheiro para nos defender e para serem profissionais e as ONGAs não são nem fundações nem são lá muito, e até cada vez menos, financiadas pelo erário público.


7. Quem é que definiu e aprovou as zonas da Rede Natura 2000? Não me parece que tenham sido as ONGAs, mas posso estar errado.

Se as mesmas estão afinal mal definidas não deveria haver alguém responsável a ser punido, e exemplarmente, pela asneira cometida?

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Tenho gostado de lêr o seu blog mas acho que este ataque agora foi um bocado despropositado, ainda mais vindo de alguém que não me parece estar engajado em nenhuma associação sem fins lucrativos de defesa do ambiente, mas posso estar enganado.

Espero não ter sido muito assertivo.

Até mais.



PS: Eu não sou o Mário Silva anterior.

Mário da Silva disse...

Ooopps! É Manuel Silva. Lapso visual da minha parte.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Meus caros comentadores,
Apenas chamei a atenção para um método de actuação, não para a substância.
O que citei são os parágrafos integrais de onde é retirada uma frase que pretende demonstrar que o parecer diz o contrário do que efectivamente diz.
A questão central não é o ocorre, ocorrá ou ocorreria, porque em qualquer caso essa ocorrência é sobre uma potencialidade e não sobre valores presentes.
Essa é a distinção essencial que fundamenta o parecer do ICN.
Quanto ao resto, devo dizer que a QUERCUS e o GEOTA nem sequer estão a questionar o parecer do ICN, mas sim o despacho dos senhores ministros, o que tem sentido e está correcto.
Quem declara o interesse público dos projectos e que não há alternativa não é o ICN, mas o Governo.
O processo aí está para se ver quem tem razão ou não e com que fundamentos.
Não percebo é qual é a necessidade de citar partes de frases para forçar o sentido do parecer de uma entidade: o parecer do ICN pode ser contestado, como faz o Pedro Vieira no seu comentário, até pode ser que as duas ONGAs tenham razão, veremos no fim do processo, mas rigorosamente nada justifica a falta de seriedade dessa citação, que se vira contra a credibilidade do movimento ambientalista.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Seria interessante que explicasse o que se pretende dizer, num parecer emitido no âmbito de um AIA, com: "ocorreria afectação significativa de habitates prioritários se se considerasse o potencial de conservação da área".

Henrique Pereira dos Santos disse...

Carlos Maia faz a pergunta central na interpretação do parecer do ICN.
E tem uma resposta cristalina: se se considerar o potencial de conservação do local, isto é, os valores naturais que seria possível obter com uma gestão orientada no sentido da conservação, o projecto representa uma afectação significativa, incluindo dos valores prioritários que resultariam dessa gestão.
O que o parecer do ICN diz é que essa potencialidade não é coberta pela protecção da legislação nacional e comunitária de conservação.
E diz mais, que no estado actual do local, com a gestão que ele hoje tem e pode legalmente manter-se sem problema, esse potencial de conservação também não se realiza.
Se alguém contestar este ponto de vista, dizendo, por exemplo, que o ICN deveria no seu parecer dar mais relevo a este potencial, eu, discordando, não contesto que seja defensável o ponto de vista alternativo, sobretudo técnicamente, visto parecer-me que o não há base legal para a sua aplicação.
Reafirmo o que muitas vezes já disse: a administração assenta a sua actuação no princípio da legalidade e não nas convicções técnicas dos seus funcionários e dirigentes, portanto, por muito que os técnicos ou dirigentes do ICN preferissem poder emitir outro parecer noutro sentido, não podem emitir se não o que a lei lhes permite emitir.
Espero ter respondido de forma clara ao Carlos Maia, mas acho que se subsistirem dúvidas, vale a pena aprofundar o assunto.
Mas reafirmo, nada desta discussão motiva o meu post, apenas a utilização descontextualizada de uma frase para criar a convicção de que o que o ICN disse foi uma coisa diferente do que efectivamente disse.
henrique pereira dos santos

Mário da Silva disse...

Se se olhasse em roda e se visse o que lá está não se colocava nada em cima pois ia estragar completamente um habitat.

Mas como está é melhor pois não diz nada e diz tudo... deixando o Ministro -- que não é um técnico -- decidir se ocorreria ou não.

É evidente que um texto destes é mesmo a pedir que o Ministro "visualize" a não ocorrência de nada que estrague o "negócio".

Um parecer técnico destes é tão interessante que quase que oiço o general americano a dizer algo semelhante antes de mandar bombardear ontem várias aldeias na Somália onde havia a "estavam presumíveis suspeitos de pertencer à Al-Qaeda". O estilo é quase o mesmo: se estiverem lá os suspeitos tinham razão, se não também fica díficil confirmar depois de estar toda a gente reduzida a pedaços.

A ciência, julgava eu, deveria ser mais precisa: ou há habitat a conservar -- que poderia ocorrer se deixassem as coisas sossegadinhas -- ou não há. Ponto.

Em todo o caso depois do seu último comentário ainda fiquei mais confuso pois tinha-me parecido que ao dizer algo tão radical como "Abaixo este movimento ambientalista" queria dizer mesmo isto e não algo que ficaria no mesmo patamar do "ocorreria se..."

Pronto. Não bato mais.

Uma ressalva: não sou sócio nem da QUERCUS nem da GEOTA nem de nenhum partido político nem tenho interesses imobiliários ou outros que pudessem ser beneficiados/prejudicados com estas PINadas que temos vindo a assistir últimamente.

Até mais.

Pedro Bingre do Amaral disse...

Diz Mário da Silva que

"A ciência, julgava eu, deveria ser mais precisa: ou há habitat a conservar -- que poderia ocorrer se deixassem as coisas sossegadinhas -- ou não há. Ponto."

Quem dera que fosse possível simplificar desse modo.

Segundo os manuais de interpretação dos habitates Natura 2000, praticamente toda a vegetação autóctone potencial climácica portuguesa deveria ser protegida. Por outras palavras: em *todo* o país poderiam ocorrer habitates a conservar se se "deixassem as coisas sossegadinhas". Consoante os biotas, seriam bosques de Querci, formações de Juniperus ou galerias ripícolas de Alnus, Salix, Populus e Fraxinus. Para além disso, também são protegidas boa parte das etapas pré-climácicas das sucessões ecológicas autóctones.

Que quer isto dizer? Que se a RN2000 quiser proteger todos os locais onde poderiam ocorrer os habitates que descreve, o país inteiro teria de passar à categoria de área protegida.

Anónimo disse...

Finalmente fiquei a saber que há os ambientalistas ... e a sociedade civil. Já suspeitava que a Quercus e quejandos são uma minoria esclarecida ... que não fazem parte da sociedade civil.
Pois, ... também os bolcheviques eram...

Mário da Silva disse...

Pedro Bingre Disse...

"Quem dera que fosse possível simplificar desse modo."

Eu estava a ironizar...

A minha questão é em relação a "ocorre" e "ocorrerá" e "ocorreria". As duas primeiras parece-me que indiciam uma certeza científica e a última uma mera hipótese a testar.

Eu nem sou cientista dessa área e por isso até posso estar a dizer uma grossa asneira.

As minhas preocupações ambientais de momento, infelizmente, centram-se noutras coisas mais comezinhas e prosaicas.

Até mais.

Mário da Silva disse...

E concordo com o que diz, em caso de ser deixada sossegadinha, a Natureza tem a possibilidade de fazer com que todos os habitats pudessem vir a ocorrer, mas isso não deve ter sido a ideia do legislador.

Agora tenho de voltar a trabalhar no que me pagam para fazer e que não é isto :)

Até mais.

Pedro Bingre do Amaral disse...

Parabéns pelo seu blogue de denúncia da corrupção urbanística na Moita. Enquanto a opinião pública pensar que o desordenamento do território se deve somente ao desrespeito pelas normas ambientais como a REN e a RN2000, distrai-se e deixa passar impunes os fulanos que buscam enriquecer à custa de licenças e alvarás de loteamento.

A apropriação privada de mais-valias urbanísticas é a causa; o efeito é o desmantelamento da Rede Natura 2000.

O móbil destes ataques à RN2000 é o enriquecimento privado *sem causa produtiva* (portanto substancialmente ilícito) gerado pela reclassificação urbanística e administrativa de solos rústicos. E é Isso que deveria ser discutido: o crime económico que motiva o crime ecológico.

Pedro Bingre do Amaral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Creio que o Henrique está, a cada linha que escreve, a caír no vício de que acusa as associações.

1- Antes de mais, estive a ler o parecer do ICN e a frase que o Henrique apresenta, entre aspas, como se de uma citação ipsis verbis se tratasse não consta desse parecer. Poderá ser a sua interpretação, a sua ideia do que lá consta, mas não é uma citação. E se rigor se pede aos outros, rigoroso se deve ser.
O que se alcança do comunicado é uma interpretação dum parecer do ICN, não é uma citação inventada, como a que faz. A interpretação pode ser contestada tecnicamente, mas vê-se bem, a cada linha que escreve, que o parecer não é claro no sentido de afirmar aquilo que o Henrique afirma que ele afirma. E que o mesmo admite interpretações diferentes da sua.
2 - No seu post ataca as associações mas não ataca o Ministério Público que, pelo vistos, fez a mesma leitura desse parecer do ICN. O Ministério Público não é uma maria vai com as outras, não escreveu o que escreveu porque as associações disseram, mas porque o magistrado leu e interpretou o parecer do ICN. Ou seja, uma entidade isenta e independente, com reputada credibilidade e rigor faz a mesma leitura de um parecer que duas associações. O Henrique verbera contra a falta de rigor destas, mas não daquele. É esta a sua ideia de rigor?
3 - Creio que o problema donde radica esta polémica é claro: o Henrique entende que o ICN deve elaborar pareceres sobre a solução legal que entende ser a correcta e não sobre as questões técnicas respeitantes à conservação da natureza. Não compete ao ICN afirmar "que essa potencialidade não é coberta pela protecção da legislação nacional e comunitária de conservação". Não cabe ao ICN decidir. Donde não se percebe que diga que "a administração assenta a sua actuação no princípio da legalidade e não nas convicções técnicas dos seus funcionários e dirigentes, portanto, por muito que os técnicos ou dirigentes do ICN preferissem poder emitir outro parecer noutro sentido, não podem emitir se não o que a lei lhes permite emitir". O ICN deve emitir os pareceres técnicos sem qualquer auto-censura do que entende que será a mais correcta e legal decisão. Para isso existe o poder político.
Aliás, é curioso que o Henrique ataque as associações por causa de um comunicado, mas não ataque o ICN por, por negligencia sua, por ter deixado passar um prazo, não tenha integrado a comissão de avaliação deste procedimento de avaliação de impacte ambiental. Este sim é um facto merecedor de um comentário do jaez do seu: "abaixo este ICN".

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro António Vieira,
Fui verificar e as citações exactas são:
1. Para o caso do projecto de loteamento da Costa Terra
"Tomando em consideração o estado actual do território pode afirmar-se que ocorre uma afectação significativa de habitats não prioritários (2260 e 4030).
Considerando a elevada potencialidade de recuperação dos habitats no território, pode afirmar-se que ocorre uma afectação significativa de habittes prioritáros (sobretudo 2250) e não prioritários (sobretudo 2260 e 4030)"
2. Para o caso do campo de golfe da Costa Terra
"Tomando em consideração somente o estado actual do território pode afirmar-se que ocorrerá uma afectação significativa de habitats não prioritários (2260 e 4030).
Já considerando o elevado potencial de recuperação dos habitates no território, se sob uma gestão adequada, pode afirmar-se que ocorreria uma afectação significativa de habitates prioritários (sobretudo do habitat 2250*, subtipo "Paleodunas com matagais de Juniperus Naviculares) e não prioritários (sobretudo 2260 e 4030)".
Não sei se é a esta discrepância que se refere, e que não decorre da citação mas de haver dois pareceres semelhantes sobre dois processos no mesmo local, mas convenhamos que a ideia é exactamente a mesma: a afectação do que existe é uma coisa, a afectação do potencial é outra. Se não é a esta discrepância que se refere agradecia que me dissesse onde está o meu erro de citação.
O que critiquei nas ONGAs foi apenas a truncagem da citação para pretender que o ICN disse uma coisa diferente do que disse, não critiquei mais nada na sua actuação.
Se têm razão ou não, é coisa que se verá no tribunal e com que fundamentação (como sabe as ONGAs estão a contestar outros aspectos do despacho conjunto, alguns deles sem qualquer relação com o ICN).
Tanto quanto sei o Ministério Público limitou-se a pedir um esclarecimento sobre o parecer do ICN, mas em qualquer caso o que contará é o que o Juíz decide e não o que diz o Ministério Público.
Não estive a fazer, nem vou fazer, qualquer análise comparativa dos erros das diferentes entidades que participaram nestes processos (por exemplo, não perguntei pelos pareceres do movimento ambientalista a contestar estes projectos, quer no PROTALI, quer nos PDM, quer nos Planos de Pormenor, todos documentos já anteriormente sujeitos a discussão pública) porque entendo perfeitamente que se cometam erros e omissões desde que se assumam as respectivas responsabilidades.
O que não aceito, e critiquei, é que conscientemente se deturpe a verdade para se atingir um objectivo, por mais nobre que seja esse objectivo.
Não percebo a sua dúvida sobre o carácter técnico ou jurídico do parecer do ICN pelo que faço mais uma citação sobre a fundamentação dos actos administrativos (de que o parecer é uma peça):
"Artigo 125.º
Requisitos da fundamentação
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto."
Ou seja o Código do Procedimento Administrativo não distingue entre pareceres técnicos e pareceres jurídicos, todos têm de estar fundamentados em razões de facto e em razões de direito (uma das vantagens é que assim é possível contestar essa fundamentação).
A discussão sobre o âmbito do parecer decorrente da legislação referente à Rede Natura, nomeadamente esta questão da sua aplicação a áreas potenciais de conservação para valores protegidos, não é nova.
Se for suscitada (e não sei se foi ou será) era muito útil que fosse dirimida de vez em tribunal.
No dia em que a jurisprudência contrariar o que até agora é o entendimento consensual do ICN, da Comissão Europeia e de toda a gente que teve de decidir sobre essa questão, naturalmente acatar-se-á essa interpretação e muitos pareceres seguirão um curso diferente.
henrique pereira dos santos