Com o que se vai escrevendo por aí sobre o custo dos lobos na A24 acabei por ter de dar uma volta por blogs e companhia.
A quantidade de opiniões que ouvi sobre a deseconomia provocada pelo fundamentalismo ambiental e sua irracionalidade fez-me confusão.
Já com certeza me terei referido à hipótese Porter, caracterizada em artigos por Michael Porter e Class van der Linde. No essencial estes economistas dizem que a regulamentação ambiental é um factor de inovação e competitividade desde que a regulamentação cumpra dois requisitos: seja estritamente aplicada a toda a gente sem contemplações; seja orientada para os resultados e não para as tecnologias (por exemplo, os carros terem de cumprir normas de emissão e não serem obrigados a ter catalizador).
É importante ter a noção de que esta hipótese foi desenvolvida para processos industriais (ou pelo menos com uma lógica de produção industrial, como a produção de flores na Holanda) onde é válido o princípio de que os resíduos são resultado do mau uso dos recursos o que implica que a regulamentação ambiental, ao obrigar a olhar para o recurso com mais acuidade, possa ser uma poderosa alavanca para garantir ganhos de eficiência.
Ainda assim o modelo conceptual é interessante para a conservação de espécies e habitats, matéria bem mais abstracta para a grande maioria das empresas. A ligação do negócio com a biodiversidade não parece ser óbvia para muita gente.
Mas a verdade é que os negócios dependem, na sua esmagadora maioria, da biodiversidade, de forma directa ou indirecta.
Tomemos um exemplo óbvio.
A cortiça, um dos poucos sectores em que Portugal é líder mundial, tem uma forte ameaça nos vedantes sintécticos. O primeiro ataque sério que o sector sofreu foi através de uma campanha em mercados sensiveis, como o inglês e do Norte da Europa, dizendo que para fazer rolhas de cortiça era necessário abater sobreiros, pelo que comprar vinho com rolhas de cortiça era contribuir para a desertificação do Sul da Europa.
O sector respondeu muito rapidamente, com um forte apoio de organizações conservacionistas internacionais (e nacionais, evidentemente) demonstrando, pelo contrário, que o sector da cortiça era responsável por garantir a sustentabilidade de um ecossistema riquíssimo do ponto de vista da biodiversidade.
Mas evidentemente deu trabalho, teve custos elevados e acarretou perdas entretanto.
Imaginemos que a campanha era desenvolvida não contra um produto do Sul mal comportado ambientalmente mas contra um produto Nórdico. Teria o mesmo impacto? Custaria tanto reverter a opinião pública? Duvido. A maioria das pessoas imediatamente duvidaria que uma barbaridade dessas se passasse num país Nórdico.
Ora o que a maioria das pessoas que opinam (a maior parte das vezes sem sequer corresponderem aos factos, mas em Portugal é chique criticar o poder oculto do fundamentalismo ambiental) sobre o custo excessivo de algumas medidas ambientais não fazem é avaliar o custo real das opções de desvalorização das questões de conservação da biodiversidade no processo decisório.
Tal como no processo industrial a maioria dos sobre-custos ambientais de obras públicas e privadas não advém do fundamentalismo ambiental (embora por vezes aconteça) mas sim da falta de eficiência no uso dos recursos por parte das políticas sectoriais que as leva a considerar, à partida, como tontices todas as acções de conservação que possam ter implicações nas decisões que entendem ser fundamentais para o desenvolvimento (como se alguma vez alguém tomasse uma decisão e admitisse que não é importante para o desenvolvimento da economia, do país, da sociedade ou da empresa).
Para quem acha que isto são manias de país atrasado e desperdiçador é bom que leiam aqui os números do sobrecusto de um viaduto por causa de um caracol, na rigorosa e poupada Inglaterra.
O que está em causa não é demonstrar que todos os custos com a conservação são justificados e justificáveis, o que está em causa é perceber que a deseconomia está em desvalorizar a conservação no processo de decisão, com argumentos patetas do género "são só sete lobos" em vez de procurar compreender, estudar e decidir com conhecimento de causa, mesmo que seja para decidir depois que os benefícios públicos ultrapassam os prejuízos da afectação de uma determinada alcateia em concreto por uma obra em concreto.
Mas quando à partida se compreende que este é um factor de decisão como os outros a considerar deste o início e no mesmo pé (a segurança, a economia, o valor social, etc.) raramente se chega à fase do tudo ou nada.
henrique pereira dos santos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
Meu caro HPS:
É como diz, na essência...de acordo.
Cumprimentos
JM Ferreira de Almeida
The Story of Stuff
É a minha proposta de Ano Novo para ouvir e pensar.
Até mais.
Pertinente !
Mas teremos que sempre justificar tudo e o seu contrário com a lógica intrinseca do capitalismo?
Caro Manuel Rocha,
Julgo que há muita coisa que não se justificará com a lógica intrinseca do capitalismo mas eu seguramente estou do lado do capitalismo liberal. O que tem aparecido por aí não é melhor, mesmo reconhecendo muitos dos aspectos negativos do capitalismo.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique :
Gostei do desassombro.
Riposto apenas para lhe deixar nota que não sou apologista das alternativas que temos visto "por aí". Mas nem por isso deixo de considerar que não nos ficaria nada mal pensar um paradigma diferente. Este já provou que não é por não ser pior que deixa de ser mau. Certo ?
Saudações.
Caro Manuel Rocha,
Embora estejamos a sair do que é o âmbito deste blog apenasmais um comentário:
não tenho nada contra a procura de alternativas ao capitalismo.
O que quero mesmo é ver o guião porque as últimas tentativas tiveram custos demasiado elevados para que aceitemos ser cobaias de laboratório.
Não tenho dúvida de que não foram só custos, houve também proveito, mas só com o guião da alternativa em concreto é que é possível discutir.
henrique pereira dos santos
Um artigo interessante sobre opções ambientalistas pode ser lido aqui.
Enviar um comentário