terça-feira, janeiro 01, 2008

O fundamentalismo bacoco e Montesinho

"Mota Andrade recorda que o Portugal é altamente dependente em termos energéticos e tem necessidade de produzir energias limpas, como é o caso da solar, hídrica e eólica. “Seria absurdo continuar a ver os aerogeradores espanhóis a partir da cidade de Bragança e de imensas zonas do PNM, e do nosso lado não existirem. Isso é de um fundamentalismo bacoco”, dispara o dirigente ."
Mota Andrade é um deputado da nação pelo Distrito de Brgança, para quem não saiba.
Eu por acaso até estive envolvido neste processo de discussão do Plano de Ordenamento de Montezinho, que é do que trata a notícia do Jornal do Nordeste de onde tirei esta tirada irada.
E fui a todas as sessões de discussão pública que houve. Não me lembro de lá ter visto o Sr. Deputado, mas percebo que discutir com as pessoas e os técnicos envolvidos não seja suficientemente importante para o Sr. Deputado, que talvez só discuta de Ministro para cima.
E tenho pena.
Não tenho nenhuma dificuldade em concordar com o Sr. Deputado que talvez eu seja pacóvio (sinónimo de bacoco) demais para perceber a argumentação de que se se vêem aerogeradores espanhóis de Bragança só por fundamentalismo pacóvio se pode admitir restrições do lado de Portugal. Suponho até que o Sr. Deputado achará que se um dia em Espanha se fizer uma central nuclear que se veja de Portugal, como esteve para acontecer, só por fundamentalismo pacóvio se recusará outra central ao pé da porta.
Mas tenho pena que o Sr. Deputado não tenha aparecido nas discussões públicas por outra razão: teria tido oportunidade de saber que as razões que motivaram a norma de interdição de implantação de parques eólicos são, pasme-se, razões de desenvolvimento económico.
Podem estar erradas, é perfeitamente razoável admitir essa hipótese, mas não deixam de ser razões de desenvolvimento económico que continuo a achar que vale a pena explicar.
Há uma profunda crise do mundo rural, em especial das áreas com menos capacidades de produção de produtos competitivos no mercado tal como o conhecemos hoje (é outra história admitir-se que com outros preços de petróleo a coisa se altera).
Essa crise é sobretudo uma crise de emprego, essa é a pedra de toque. Até vai havendo emprego, mas não o que as pessoas pretendem e por isso abalam.
Ora Montezinho é hoje uma marca com nome feito em Portugal, uma marca que motiva visitantes e que suporta um ainda incipiente sector turístico. Essa marca vive da ideia, certa ou errada, de que Monstezinho tem paisagens únicas que vale a pena visitar.
Ao trocar essa marca por parques eólicos corre-se o sério risco de desvalorizar a marca que existe.
Pode dizer-se que se troca por outra riqueza.
É certo. Só que os parques eólicos motivam transferências financeiras para o mundo rural, mas não criam emprego. Não deve desvalorizar-se o benefício decorrente destas transferências, mas a discussão deve fazer-se:
é o aumento de transferências financeiras (para entidades públicas e não directamente para os agentes económicos) sem criação de emprego directa mais importante que o risco para um sector com números financeiros mais modestos mas fortemente criador de emprego?
Fundamentalismo, discutir isto? Ou fundamentalismo não o querer discutir para maximizar transferências para entidades públicas, mesmo que à custa de um sector económico frágil mas emergente?
É pena de facto que em Portugal se opte sistematicamente por fugir da discussão indo directamente recorrer ao Governo e ao Estado para resolver qualquer problema que surja.
Se é assim com o BCP como não seria para uma situação muito mais desesperada como a da derrocada do mundo rural a que assitimos.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Manuel Rocha disse...

Absolunamente !

Mas, meu caro, para uma visão assim macroscópica do que nos rodeia não basta o formato de funil pensante que se tem reproduzido por aí, desde logo dentro das próprias universidades.

Quanto á "crise profunda do mundo rural", eu acho que está a ser generoso. Deve ser da quadra. A crise é de paradigma civilizacional. O que se passa no mundo rural é disso espelho e consequência, como o são as nefastas cristes de desordenamento urbano. Certo ?

Saudações !