domingo, dezembro 02, 2007

A miopia de Nunes Correia?

Uma das conclusões do IV relatório do IPCC é de que o potencial hidro-eléctrico da Europa será reduzido nas próximas décadas, i.e., por cada euro gasto em investimentos hidro-eléctricos o retorno económico será menor:

"The hydropower potential of Europe is expected to decline on average by 6% but by 20 to 50% around the Mediterranean by the 2070s (capítulo 12, p. 543)

É, pois, de estranhar que a grande aposta do Governo em termos energéticos, consista num "Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico", onde se prevê a construção de 10 novas barragens para, segundo valores oficiais, "assegurar valores de potência instalada adicional na ordem dos 2000 MW, para que Portugal atinja em 2020 uma capacidade hidroeléctrica superior a 7000 MW".

Interrogado sobre a pertinência deste plano, o actual Ministro do Ambiente, Nunes Correia, responde a um jornalista do Público da seguinte forma:

"A percepção global, por parte dos especialistas na matéria, é a de que [haverá] um regime de maior incerteza climática, onde pode haver mais secas, e mais frequentes, mas intercaladas por períodos de grande pluviosidade. Criar reservas de armazenamento de água é a primeira resposta a isso. É claro que havendo mais secas, mais temperatura, há mais evapotranspiração, também há maiores perdas."

Como a resposta é omissa de argumentos energéticos (e essa é supostamente a razão para a construção das barragens) o jornalista insiste: "E há menos produção de electricidade..."

A que se segue a segunda parte da resposta do Ministro: "Mas a questão essencial não é essa. É o extremar do clima. Há mais secas e há mais cheias. As barragens são justamente a resposta à irregularidade do clima. As barragens são uma resposta à alteração climática."

Portanto ficamos a saber que o essencial do "Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico" não é a produção de energia eléctrica mas sim a constituição de reservas de água.

Outro aspecto curioso da entrevista do Ministro é a afirmação de que estas barragens serão pagas com fundos privados: "Quem vai fazer essas barragens não é o Estado. Vão ser investidores privados.", diz o Ministro.

Ora se, como apontam as projecções do IPCC, a capacidade de produção de energia hidro-eléctrica irá reduzir-se em 23% até 2020, 20-30% até 2050, e 50% até 2070, sendo que o interesse fundamental destas barragens, segundo as palavras do ministro, é a constituição de reservas de água (um objectivo de interesse público mas de duvidoso interesse económico) é lícito perguntar:

- Porque estariam aos investidores privados interessados em investir em tal negócio?

- Estamos a falar de investimentos privados ou de obras privadas patrocinadas pelo Estado?

- Se é verdade que são os investidores privados a suportar a totalidade dos custos da construção destas barragens, qual é o verdadeiro negócio por trás destes empreendimentos?

Há qualquer coisa que não bate certo na argumentação do Ministro mas é certo que o impacte ambiental destas barragens será grande. Também parece ser certo que as alterações climáticas estão a ser usadas, uma vez mais, como argumento para justificar obras muito pouco amigas para o ambiente.

2 comentários:

EcoTretas disse...

Sou um grande defensor das barragens, mas este Ministro realmente tem que ser demitido. Acho que ainda não foi porque o primeiro está longe...http://ecotretas.blogspot.com

Manuel Rocha disse...

Oh Miguel..mas que conclusão ingénua, desculpe que lhe diga !

Então o nouvel Nobel não está farto de clamar que "as alterações climáticas são uma janela de novas opertunidades "?

Então, aí as tem....e durma tranquila que mais virão, garanto-lhe. Espere pelo fim de Bali e logo verá...

Diga-me: tem relido Marx
ultimamente ?

Cumprimentos.