Numa altura em que se discute muito o processo de decisão e os problemas criados ao desenvolvimento pelo fundamentalismo ambiental achei por bem comentar duas notícias que vi na imprensa, penso que até no mesmo dia: a aprovação do plano de pormenor (ou de urbanização, não me lembro do detalhe) do Corte Velho e a aprovação da Declaração de Impacte Ambiental da plataforma logística de Castanheira do Ribatejo.
A primeira história conheço-a bem porque acompanhei o projecto.
A segunda história conheço-a mal e por isso a informação de que disponho é limitada.
As duas histórias têm semelhanças: ambas têm decisões à priori, ambas são PIN, ambas têm avaliações de impacte ambiental mas diferem na racionalidade da decisão final.
Corte Velho é um projecto turístico que foi declarado PIN. Apesar disso a Avaliação de Impacte Ambiental posterior chumbou o projecto.
Depois de muito choro e ranger de dentes o promotor não desiste do projecto: remodela profundamente a equipa de consultoria, avalia profundamente as razões para o chumbo do projecto, em consequência avalia profundamente os valores de conservação presentes na área, reformula o projecto em função desses valores e apresenta o novo projecto para nova avaliação ambiental.
Estritamente do ponto de vista de conservação, sem ponderação de interesses, seria melhor a não existência do projecto. Mas o novo projecto responde efectivamente às questões essenciais de conservação levantadas anteriormente e o projecto é aprovado.
Pelo meio perdeu-se dinheiro e muito tempo.
De quem é a responsabilidade? De quem chumbou o projecto ou do promotor e parte da administração que desvalorizou desde o início o conjunto de valores de conservação referenciados para a área defendendo um projecto que se impõe a esses valores em vez de, como fez da segunda vez, modelar o projecto em função desses valores?
E quem é o beneficiário das mais valias, quer de qualidade intrínseca do projecto, quer de posicionamento do mercado do empreendimento, decorrentes da séria consideração dos valores de conservação no seu desenvolvimento impostas?
Valia a pena fazer o balanço e saber afinal quem defende o desenvolvimento do país no longo prazo e quem, criando riqueza de base especulativa, põe o futuro da economia do país em risco.
Segunda história, infelizmente menos edificante.
Uma plataforma logística é, no essencial, um conjunto de armazéns associados a uma rede de transportes e suportada por um conjunto de serviços que permita ganhar eficiência na circulação de mercadorias (dir-se-á, que é mais chique, para criar valor para as mercadorias).
A plataforma de Castanheira do Ribatejo pretende ser uma plataforma multimodal de apoio à área metropolitana de Lisboa e ao Porto de Lisboa implicando o alargamento do hinterland portuário através da oferta de actividades logísticas complementares às portuárias.
Para além dos 100 ha de área disponível inclui-se no conceito estratégico mais 50 de expansão.
Quem conhece a margem ribeirinha entre a Expo e Vila Franca de Xira pode ter uma pálida ideia do que é um serviço razoavelmente ineficiente de gestão de mercadorias, assente sobretudo no transporte rodoviário, ou se quisermos, na ligação portuário/ rodoviário com pouca ligação à ferrovia que lhe passa à ilharga.
De acordo com Mário Lino, na apresentação desta plataforma em Julho de 2006, "Quando este Governo tomou posse, a análise da pretensão da Abertis para promover esta plataforma estava bloqueada por questões processuais e opiniões sectoriais distintas sobre a valia do projecto.
Estarmos hoje aqui, só foi possível porque existiu uma verdadeira cooperação interministerial, no caso entre o MOPTC, MEI e MAOTDR, onde foi avaliada a mais valia global do projecto, tendo em devida conta os aspectos ambientais, económicos e logísticos. Foi esta análise, feita conjuntamente com o investidor que permitiu reconfigurar o projecto e chegar a uma solução adequada. Ganhamos para o plano do Portugal Logístico uma empresa de referência e um investidor comprometido com o desenvolvimento do País." (fonte: portal do governo de 7/ 7/ 2006).
Já agora refira-se o horizonte de três anos para a conclusão do projecto também referido por Mário Lino nessa intervenção (qualquer coincidência entre esse horizonte e as eleições de 2009 é evidentemente coincidência).
Ou seja, a plataforma surge naquele local para se ganhar um operador de referência na logística.
Não há nenhuma razão concreta, para além da proposta do operador, para a plataforma se localizar naquele sítio em concreto. Pelo contrário, dois meses antes a opinião do governo era a de que o segundo polo da plaforma Norte de Lisboa se devia situar no Sobralinho e não em Castanheira (o primeiro é em Alverca onde já estão instalados vários operadores).
A questão é pois de fundo: faz sentido alargar a urbanização e impermeabilização dos solos da lezíria até Castanheira do Ribatejo?
Para a Câmara Municipal faz: associado ao projecto está a urbanização de toda a área a Norte de Vila Franca. Para o operador faz, compra terrenos por dez reis de mel coado, dadas as restrições de uso, e vende-os a retalho a preço de área de armazenamento com bons acessos. Para o Portugal logístico faz, por não perder tempo em concursos e em encontrar quem queira construir e operar no Sobralinho e avança rapidamente no processo (ou seja, cumprindo os tais três anos pretendidos).
Mas para nós, os que aqui estamos, é este o sentido em que queremos gerir o nosso território?
Eu preferiria um processo sério de requalificação do que já existe e pode ser construído entre a Expo e Vila Franca, o que é evidentemente mais difícil e demorado.
Entre outras razões porque este processo é um exemplo paradigmático do paraíso do capitalismo: a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos.
Construir em leito de cheia é sempre um risco. Destruir mais de 150 hectares dos melhores solos do país (um dos bens mais escassos em Portugal, a par de decisores qualificados) para ganhar armazéns eficientes é um negócio de risco para o futuro.
Não significa que nunca se possa construir em leito de cheia, nem que nunca se possam destruir solos agrícolas.
Mas que deveria ser o último dos recursos e especialmente bem fundamentado, parece-me óbvio.
Ou será o operador que suportará as consequências financeiras e sociais de alguma coisa correr mal na gestão das cheias? Nunca vi tal acontecer e por isso suspeito que seremos nós, os contribuintes, a suportar esses custos.
Que significado tem a Declaração de Impacte Ambienta positiva neste processo? Muito pouco: não só as decisões do Governo estavam há muito tomadas como sobretudo não é no processo de fim de linha como a AIA que questões deste tipo podem ser resolvidas, excepto quando há violação flagrante da lei, como acontecia na primeira história exemplar que contei.
Na verdade desde os avos ilegais para construção das quintinhas, passando pelos empreendimentos turísticos estruturantes, chegando agora às plataformas logísticas o negócio base em Portugal continua a ser o mesmo: comprar terreno barato em função de condicionamentos administrativos, remover esses condicionamentos e, finalmente, vender ao preço do terreno urbanizado.
Por isso considero um erro brutal de quem discorda deste modelo de negócio a crítica radical a processos como o IKEA e a Pescanova, que são efectivamente projectos produtivos e não processos de inflacionamento administrativo do preço do solo.
Portugal pagará muito caro a forma como, há muitos anos, vem disfarçando em regulamentos cada vez mais rígidos e irracionais e em processos pesados e inúteis como o do PNPOT o verdadeiro abandono de qualquer política de ordenamento do território séria.
henrique pereira dos santos
domingo, janeiro 13, 2008
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