O jornal Expresso publicou uma peça sobre o escândalo das imposições ambientais que teriam custado milhões de euros aos contribuintes por causa de meia dúzia de lobos.
Na semana seguinte o seu comentador residente Miguel Sousa Tavares comentou indignado o assalto que lhe estava a ser feito na sua qualidade de contribuinte.
Durante esse tempo e nas duas ou três semanas seguintes o assunto foi repetido e comentado em jornais e blogs.
Desde a semana em que publicou o comentário do seu comentador residente que o Expresso e a direcção do Expresso tem em seu poder o texto abaixo.
Na semana seguinte não o publicou por ter sido muito em cima do fecho do jornal a sua recepção. Na segunda semana não publicou por ser o número comemorativo dos seus trinta e cinco anos. E esta semana não publicou por qualquer razão que desconheço.
O Expresso sabe que o valor da informação depende muito do tempo em que é disponibilizada.
E o texto parece-me estar a ficar fora do tempo.
Fica pois aqui para quem o quiser ler, ficando eu a esperar que o Expresso o queira publicar quando tiver espaço.
"Por estes dias tem aparecido uma nova história do lobo mau que cansado de frágeis avozinhas agora atacaria contribuintes.
A história contar-se-ia em poucas palavras: uma alcateia de lobos teria sido o pérfido motivo usado pelos lobistas dos estudos e assessorias para sacar 100 milhões de euros aos contribuintes, imputados ao sobre-custo de uma estrada.
Para os que acreditam em histórias da carochinha esta nova versão da história do lobo mau tem sido motivo de deleite e prazer por trás de uma justicialista indignação de contribuintes. Para esses o que se segue não merece ser lido.
Para os outros, os que acham que histórias absurdas podem ter explicações mais simples que histórias normais, aqui fica alguma informação para escolherem a moral da história que lhes convier.
Era uma vez um governo que resolveu que era importante dotar o país de uma nova rede de estradas o mais rapidamente possível. Resolução que aliás não foi especialmente contestada por ninguém.
Como não havia dinheiro suficiente nos cofres públicos para o ritmo de construção que se pretendia, o governo adoptou um modelo de parceria público/ privado. Modelo que aliás também não foi especialmente contestado na altura.
Nos modelos de parcerias público/ privado os custos para o sector público são mais altos que no financiamento directo pelo Estado porque o financiamento é de maneira geral mais caro (o risco de emprestar a privados é de maneira geral mais elevado que o de emprestar aos Estados) e é preciso remunerar os capitais privados investidos (o que não acontece no investimento público directo).
O modelo compensa quando os ganhos de eficiência são maiores que os sobre-custos referidos. Relacionados com estes ganhos de eficiência estão os riscos do negócio, que devem estar inteiramente no lado dos privados.
No caso concreto destas adjudicações o Estado optou por fazer as concessões antes dos estudos ambientais, assumindo implicitamente os riscos inerentes a alterações de projecto decorrentes dos imperativos legais ligados às Avaliações de Impacte Ambiental.
Apesar das complicações ambientais do precedente processo da Ponte Vasco da Gama, que custaram ao Estado Português milhões não contabilizados de forma sistemática, e da Auto-Estrada do Sul em que Portugal perdeu um processo no Tribunal Europeu por violação da legislação comunitária, cujos custos também não estão inteiramente sistematizados, o Estado Português assumiu que as condicionantes ambientais de um conjunto significativo de estradas que cruzavam áreas importantes do ponto de vista do património natural, incluindo áreas da Rede Natura, eram questões que se resolveriam sem grandes complicações para os traçados que serviam de base às concessões.
Este erro de análise compreende-se à luz da relativamente pouca experiência quer do modelo de parcerias publico/ privado aplicado às obras públicas (em Portugal o modelo tinha sido usado uma vez, na construção da Ponte Vasco da Gama), quer da gestão da rede Natura que dava nessa altura os seus primeiros passos.
Sobre todos estes aspectos pode ter-se uma visão abrangente lendo os documentos do Tribunal de Contas sobre esta matéria.
No caso em concreto das estradas que entroncam em Vila Pouca de Aguiar (A7 e A24) optou-se por avançar mais rapidamente com os troços com menores condicionantes ambientais, deixando para o fim os troços ambientalmente mais complicados – na auto-estrada paralela à A1, na zona de Estarreja, dez anos depois da concessão ainda hoje está por construir o troço mais problemático em termos ambientais.
Esta opção, se permitiu um avanço mais rápido na construção dos troços com menores impactos ambientais, implicou um muito menor grau de liberdade na definição dos traçados mais problemáticos na medida em que fixou, irremediavelmente, os pontos de amarração dos relativamente pequenos troços com maiores condicionantes ambientais.
As comissões de Avaliação de Impacte Ambiental não projectam estradas: escolhem num processo totalmente público, traçados entre os propostos por quem sabe de estradas.
O que significa que todos os traçados postos à avaliação ambiental (e nos troços com condicionantes de conservação significativas a discussão das alternativas é central na decisão ambiental) são da responsabilidade das entidades que tutelam o sector e são, à partida, exequíveis e servindo os objectivos do projecto.
No processo de Avaliação do Impacte Ambiental da A24 foi escolhido o traçado com menos impactos ambientais, nomeadamente sobre as populações de lobos, mas também sobre vários outros valores ambientais significativos.
Exactamente pela pouca experiência do país na gestão de construção de infra-estruturas em áreas de sensibilidade ambiental elevada, o traçado escolhido foi uma surpresa para o proponente, que logo de imediato referiu um conjunto de contra-indicações do ponto de vista rodoviário e financeiro, incluindo alguns aspectos de segurança rodoviária significativos: em Trás-os-Montes o traçado desenvolvia-se acima dos 1200 metros de altitude durante alguns quilómetros, o que colocava problemas relacionados quer com as geadas (e a neve) quer com os nevoeiros frequentes.
Por esta razão o proponente acabou por pedir a reapreciação do processo apresentando uma nova solução de traçado, substancialmente mais barata mas implicando o atravessamento da veiga de Vila Pouca de Aguiar num viaduto que tem motivado os comentários sobre o custo por lobo da referida estrada.
Este viaduto não tem nada a ver com o ecoduto construído para diminuir o efeito de barreira representado por uma estrada totalmente vedada, como é o caso. Ecoduto que é apenas uma das muitas passagens para a fauna projectadas, sendo que muitas delas coincidem com passagens superiores e inferiores que servem a circulação local, também afectada pela barreira constituída pela estrada.
O sobre-custo da auto-estrada não decorre do ecoduto para os lobos, uma técnica de minimização do efeito de barreira provocado pelas estradas usada correntemente em todos os países desenvolvidos e com um custo marginal na construção da estrada.
O sobre-custo que vem sendo referido resulta das dificuldades em encontrar uma solução que partindo dos pontos de amarração já fixados por decisões anteriores garantisse que o Estado Português não teria de novo processos no Tribunal Europeu com custos brutais quer no processo propriamente dito, incluindo nas consultorias jurídicas inerentes, quer nas suspensões de financiamento, quer nas medidas posteriores de compensação, quer ainda na credibilidade do Estado Português.
O terreno acidentado em que se desenvolve a estrada dificulta a solução técnica. Mas o custo final da obra foi provavelmente inflacionado pelo o facto de o concessionário estar numa posição negocial fortíssima por o Estado Português ter alterado o traçado da estrada após a concessão.
Trágico seria se ao conjunto de erros identificados neste processo não se seguissem alterações de procedimento para evitar outros no futuro.
Mas todos os intervenientes no processo têm demonstrado uma capacidade de aprendizagem que permite que hoje os traçados das estradas sejam discutidos em fases prévias, com grande margem para encontrar soluções que integrem quer as condicionantes técnicas e económicas da construção e exploração da estrada, quer as condicionantes ambientais que constituem imperativos a que legalmente o Estado Português está vinculado.
Aos lobos, que não sabem de finanças nem de estradas, é que nunca deveria ter sido vestida a pele de bode expiatório dos erros dos decisores, começando pelo erro crasso de minimizar as questões de conservação no processo decisório.
Erro em que, pelos vistos, são acompanhados pela demagogia dos putativos defensores dos contribuintes."
henrique pereira dos santos
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3 comentários:
O texto não publicado pelo Expresso não será novidade para o Sr. Miguel Sousa Tavares, pois tem inteligência suficiente para perceber que um ecoduto não teria tal custo. O Sr. MST publicou um texto imbecil que distorce a verdade e que em nada contribui para o esclarecimento dos cidadãos. Um momento muito infeliz!
Um abraço,
Helder Ribeiro
www.trilhosemarcas.blogspot.com
Parabens aos autores de blog e em especial ao Henrique Pereira Santos que sendo presidente do ICNB, toma aqui também o papel activo de esclarecer a sociedade, tenho a certeza que está no lugar certo.
Estou convicto que os portugueses aprendiam mais e o país desenvolvia-se mais se em vez de lerem esses jornalecos que só querem números, lessem antes este blog.
Só para esclarecer que não sou Presidente do ICNB: temporariamente (como se está sempre em lugares de chefia) sou chefe de departamento.
henrique pereira dos santos
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