Neste comentário no estrago da nação Pedro Vieira pergunta-se "A questão essencial é saber se as medidas de minimização acabam por atenuar os impactes negativos de um projecto ou servem apenas para dar mais obra pública aos empreiteiros."
E com base nesta questão conclui: "Se não conseguimos preservar razoavelmente 20% do território, pelo menos que se conserve bem digamos aí uns 5%.".
Estas duas frases (aliás todo o comentário do Pedro Vieira) abrem várias discussões interessantes.
A primeira questão é razoavelmente retórica mas vale a pena colocá-la: admitamos que 100 milhões de euros é muito dinheiro por sete lobos (claro que eu discordo desta formulação, como já expliquei noutros posts, mas voluntariamente estou a adoptar o ponto de vista de muitos dos comentadores que li por aí fora). Então e cinquenta milhões? Já é razoável? Ou cinco milhões? Ou... para abreviar, quanto estamos dispostos a achar razoável o sobre-custo de uma infra-estrutura por razões de conservação? Mas deixemos esta questão, que tem ramificações interessantes quando se sai da conservação para as radiações electro-magnéticas ou as obras de defesa costeira e avancemos para outro ponto de discussão.
Admitamos agora que afinal só temos recursos para conservar 5% do país. Quais são os 15 a 20% de áreas classificadas que desclassificamos? O que é óbvio, como o Centro Histórico de Coruche que é uma área protegida da Rede Nacional de Áreas Protegidas, nunca se conseguiu desclassificar quanto mais o resto.
A Comissão Europeia tem várias discussões com Portugal por designação insuficiente de áreas da rede natura, como é o caso das ZPEs para a avifauna estepária, processo sobre o qual o Tribunal Europeu já se pronunciou condenando Portugal e dando razão à Comissão Europeia.
E tecnicamente seria possível ter nos 5% do território todos os valores de conservação que queremos manter? O Miguel Araújo tem escrito e publicado sobre isto dizendo claramente que não.
As obrigações de conservação custam dinheiro. Como custa a segurança alimentar, a rede de ensino, os hospitais, a segurança no trabalho, etc.
Que o dinheiro gasto em cada uma deva ser escrutinado e avaliado, sem dúvida.
O que não entendo é por que razão se considera que fazer uma estrada que afecta negativamente património de todos (incluindo das gerações futuras) se justifica mas onerar essa estrada com soluções que a tornam compatível com a conservação desse património é um crime de lesa orçamento.
Alguém perguntou qual foi o custo total da estrada? Alguém pergunta quanto euros por carro que passa em cada estrada gastámos nós? Alguém sabe explicar por que razão as estradas em Portugal têm de ter sempre standards elevados mesmo para circulações relativamente reduzidas (e todos conhecemos auto-estradas com movimento reduzido). Alguém pergunta por que razão temos auto-estradas sem portagem paralelas a auto-estradas com portagem na zona mais rica do país?
Só para se ter uma ordem de grandeza, as rendas anuais, repito, anuais, das scuts andam pelos 700 milhões de euros, ou seja sete vezes o sobrecusto da estrada que é um custo único. O mais curioso é ver-se notícias de que o aumento dos combustíveis e etc. estão a fazer reduzir o tráfego nas scuts ao ponto de haver uma quebra de tráfego em relaçãoao previsto de 26% o que significa menos 180 milhões ano ou coisa do género nas rendas a pagar. Ou se quisermos, só a introdução de portagens das três scuts que o governo decidiu portajar há tanto tempo que já ninguém se lembra poupariam cerca de 200 milhões anuais de acordo com as contas então feitas pelo governo.
Justificam-se todas as estradas e todos os gastos das estradas com excepção dos que dizem respeito aos valores de conservação? Ressalve-se que não sou especialista e acredito que muita da informação que está neste post é razoavelmente pouco rigorosa mas é suficiente para termos a ordem de grandeza do que estamos a discutir.
O mais estranho é que ninguém pergunte de onde vem esse mítico número de 100 milhões de euros porque a informação disponível é a de que "o último troço da A24. 18, 1 quilómetros (de um total de 156,5) entre Vila Pouca de Aguiar e Fortunho, que custaram 54 milhões de euros".
Eu tenderia a dizer que os famosos 100 milhões são o que o concessionário pretende a mais na renegociação da concessão (que vai de Viseu a Chaves), mas se tivermos em atenção que pelo menos no troço que passa em Castro Daire parece que alguém se tinha esquecido das expropriações antes da concessão, talvez as coisas passem a ser menos evidentes.
E os lobos são o óptimo pretexto para não se discutirem as opções das estradas (e doutras infra-estruturas, já agora).
henrique pereira dos santos
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2 comentários:
Este problemática da construção das estradas e seus impactos no meio ambiente só vem realçar que Portugal continua a ser teimoso que nem uma porta. Aliás, o que interessa é arranjar maneiras de fazer mais dinheiro, nem que seja, através dos coitados lobos.
Infelizmente, a minha dúvida surge do facto de ir-se contruir um túnel, quando na verdade existem melhores sugestões. Aconselho que leiam este relatório http://dnr.wi.gov/org/es/science/publications/wolf_rept_2000.pdf e vejam que afinal ainda se pode poupar alguns milhões de euros.
Caro Romeu Gerardo,
Muito obrigado pela referência inegavelmente interessante no contexto desta discussão.
Mas ao contrário do que diz não vejo nada nela que contradiga as decisões tomadas em relação à A24, bem pelo contrário.
O que está em causa é um desvio da estrada das zonas com valores naturais mais significativos, que é exactamente a principal recomendação feita no estudo (e é consensual para espécies com relativamente baixa densidade populacional, grandes territórios vitais e necessidade de deslocação para manter a conectividade de grupos, como é o caso do lobo).
Depois refere as passagens aéreas especificamente desenhadas para a fauna e usadas na Europa como uma boa solução, que foi a que foi adoptada no caso da passagem específica e não um túnel (que repito, não é o que custa dinheiro significativo na obra).
Fala num outro tipo de soluções que não são tecnicamente adequadas a uma estrada de montanha (se reparar diz explicitamente que são particularmente interessantes nas lowlands homogéneas) e que eventualmente são interessantes.
Há por fim uma questão interessante que é a de saber se as estradas devem ou não ter vedações para redução da mortalidade, mas em territórios densamente povoados e com muito gado, como é o caso (sobretudo comparando com os EUA) essa solução é inaceitável por razões de segurança rodoviária.
Agradeço pois a referência, não só pelo seu interesse intrínseco como pelo facto de suportar integralmente o que foi defendido para a A24.
henrique pereira dos santos
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