Tenho inegável simpatia pela ideia da QUERCUS se reunir com o Procurador Geral da República para lhe apresentar os seus pontos de vista sobre a legalidade de muitas decisões em matéria de ordenamento do território.
De acordo com o site da QUERCUS a reunião tinha a seguinte agenda:
- A existência de acordos publico-privados na definição do ordenamento do território, nomeadamente ao nível dos Planos de Pormenor;
- A aplicação dos procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental na escolha da localização do Novo Aeroporto de Lisboa;
- O não cumprimento da legislação relativa aos sítios da Rede Natura 2000;
- O uso abusivo de excepções previstas na Lei no âmbito do desenvolvimento dos projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN);
- A interpretação abusiva do conceito de utilidade pública.
Infelizmente acho que a boa ideia foi, masi uma vez, mal gerida pela ânsia mediática da QUERCUS.
Devo dizer que não tenho nenhuma objecção a uma gestão mediática das agendas das ONGAs, bem pelo contrário, acho uma questão fundamental. O que me preocupa é quando o mediatismo se assume como a questão central face às questões de fundo.
Neste caso concreto acho que a QUERCUS deveria ser muito sólida nos aspectos que pretenderia levar ao Sr. Procurador e na transmissão para o exterior do conteúdo da diligência.
A questão da promiscuidade entre os interesses dos privados e a actividade de ordenamento do território, que é um exclusivo do Estado, por enquanto, é muito bem colocada e deveria de facto constar da agenda. Por aí, nada a apontar.
Já a questão do aeroporto e, mais em geral, da obrigatoriedade de discussão de alternativas me parece mal equacionada pela QUERCUS há já bastante tempo.
Ou eu estou a ver mal a fundamentação legal ou a QUERCUS está errada quando diz que a lei obriga à discussão de alternativas.
Eu não sei onde a QUERCUS findamenta essa obrigatoriedade. Conheço um diploma que contém essa obrigatoriedade mas não para a generalidade dos processos. Essa obrigatoriedade existe no contexto de excepção de aprovação de projectos que têm impactos significativos sobre valores protegidos pelas directivas aves e habitats. Ou seja, é perfeitamente legal não discutir alternativas para projectos cuja avaliação de impacte ambiental não detecta impactos significativos. Se é de boa técnica de decisão ou não é outra história. Mas discutir a legalidade dos actos é uma questão jurídica, discutir a melhor forma de tomar decisões dentro da lei é uma questão política que não tem de ser discutida com o Sr. Procurador Geral da República.
Por maioria de razão o uso abusivo das excepções previstas na lei é uma matéria de natureza política. A menos que se entenda que esse abuso violou a lei e então não se está perante o uso das excepções previstas na lei mas sim perante o incumprimento da lei. Mas não é isso o que a QUERCUS diz.
Finalmente a questão do interesse público. A definição do interesse público é matéria claramente política. Pode estar consagrada na lei a limitação dessa definição (e até está em algumas circunstâncias, como bem tem dito a QUERCUS a propósito de alguns empreendimentos que afectam valores da rede natura) mas não me parece que seja ao Procurador que se deva ir pedir para definir o que é interesse público. Pode pedir-se que explicite o seu entendimento do que são os limites legais para a sua definição (e acho muito bem que isso seja pedido ao Procurador) mas não que o defina. É certo que a agenda da reunião refere o uso abusivo do conceito, o que remete para o que estou a dizer, mas parece-me que não foi bem isso que vi nos jornais e rádios que fui ouvindo e lendo sobre a matéria.
Fora da agenda ficou a questão das mais-valias, embora tenha sido referida depois no contexto das notícias sobre a reunião. É pena, porque era na investigação da ligação mais-valias urbanísticas - corrupção que a acção do procurador poderia ser mais interessante. E para mim essa deveria ser a trave mestra da discussão jurídica sobre a aplicação das excepções em matéria de ordenamento do território. Para agravar o presidente da QUERCUS (ou pelo menos o jornalista que o cita, que nem sempre é a mesma coisa) vem dar como exemplo de mais-valias os projectos da Pescanova e do IKEA o que me parece um tiro claramente ao lado: as mais valias não resultam de projectos industriais em que o solo não é revendido mas de projectos urbano-turísticos em que o solo é revendido incorporado (ou não, às vezes nem isso) no preço final de venda de casas.
Um comentário final para dizer que apoio inteiramente o combate jurídico das ONGAs a acções que lhes pareçam ilegais. Mas reprovo inteiramente o combate jurídico em acções de que se discorda mas cuja legalidade só muito arrevezadamente se pode questionar. Temo que a fúria jurídica associado às providências cautelares sempre e em qualquer projecto de que as ONGAs discordem acabe por levar o poder a considerar que a situação de excepção em que as ONGAs nunca pagam custas do tribunal, mesmo quando perdem, conduza na prática a uma litigância de má-fé e isso leve a acabar com esta situação, o que claramente enfraquecerá a possibilidade de acção jurídica das ONGAs que dá agora passos mais seguros que no passado.
O que é pena.
henrique pereira dos santos
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2 comentários:
Dois comentários:
"Para agravar o presidente da QUERCUS (ou pelo menos o jornalista que o cita, que nem sempre é a mesma coisa)"
Pois não! Pois não! Infelizmente o que "o jornalista cita" é cada vez menos a realidade dos factos.
"as mais valias não resultam de projectos industriais em que o solo não é revendido"
As mais-valias ganham-se logo desta forma explicada neste blog, por exemplo.
Não é preciso construir nem sequer remover uma palha do chão.
O nível de refinamento mafioso do negócio está neste nível hoje em dia.
Até mais.
Se a esse link acima juntar este interessante artigo até se fica impressionado como é que isto acontece tão às claras e como a tal Lei da REN e RAN é tripodiada de forma tão simples e eficaz.
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