quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O lobo dos milhões

Com a cortesia do Paulo Barros que me mandou as fotografias volto aos lobos de Vila Pouca para dois comentários:

Basta olhar para estas fotografias para perceber que só quem nunca foi ver o que é o ecoduto da A24 pode achar que se poderiam gastar 100 milhões de euros nessa passagem (nem pavimentada a pedras preciosas).

O segundo comentário responde a um comentário feito numa mensagem anterior e que tem sido recorrente: foram fazer a passagem no pior sítio, cheio de pedreiras, onde não há lobos, etc..

Convém contrariar esta ideia que tem dois erros.

O primeiro é o de considerar que por haver pedreiras de certeza que não há lobos. É uma ideia errada, os lobos usam a área, o que se compreende já que muita da actividade dos lobos é feita de noite, quando as pedreiras estão paradas. Como dizia Robert de Moura ontem ou anteontem, os homens trabalham de dia e o lobo trabalha de noite. De qualquer maneira a questão não é a de saber se aquela área é a mais favorável para a instalação de alcateias, criação, etc., mas se serve como zona de passagem.

O segundo erro parte do princípio de que a passagem específica para fauna, o tal ecoduto, foi feita porque não existem outros pontos de atravessamento da estrada.

Ora tal não é verdade. Há dezenas de pontos de passagem da estrada pela fauna e a passagem específica existe naquele ponto porque havia um troço demasiado extenso de estrada sem qualquer outro tipo de passagem. Por exemplo, na fotografia em baixo podemos ver uma passagem inferior, projectada em função das necessidades de circulação humana mas que foi adaptada, no seu desenho e no tratamento que terá na envolvente, a passagem para grande fauna.

Sobre estas fotografias apenas a chamada de atenção para o facto de precisarem ainda de trabalho e tempo para estarem totalmente maduras para a sua função, já que a vegetação desempenha um papel relevante na sua funcionalidade.

henrique pereira dos santos

13 comentários:

Zé Bonito disse...

Três dúvidas: imaginando a estrada em pleno funcionamento, não será a passagem excessivamente exposta? Há dados concretos sobre os fluxos de tráfego que garantam haver pouco movimento durante a noite? Mesmo assim, não se arrisca a ser uma espécie de armadilha para quem não seja um admirador confesso dos animais?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Zé Bonito,
A passagem tem tapumes e tem terra vegetal por cima e terá vegtação, incluindo de encaminhamento, portanto a fauna (lobos ou não) não vê a estrada, nem é vista da estrada. Tem alguma exposição, como tem qualquer atravessamento de uma auto-estrada mas penso que bastante minimizada.
O pouco movimento durante a noite a que me referi é o que está associado às pedreiras da zona e a ausência de trabalho nas pedreiras durante a noite é um facto incontestável. A estrada em si também tem menos movimento mas é irrelevante para o caso exactamente porque foram tomadas medidas para diminuir a exposição da passagem.
Se alguém quiser ir caçar lobos, o que é aliás um crime, bem pode esperar sentado. Eu sei que nas passagens para peixes nos rios alguns pescadores aproveitam a relativa concentração de indivíduos para pescar mas essa situação não é aplicável a um animal como o lobo. Provavelmente na grande maioria dos dias não passará aqui nem um lobo.
henrique pereira dos santos

aeloy disse...

Claro que estas fotos ao distorcerem o produto final, que será adequadamente vegetado dão uma falsa ideia do projecto, embora no post isso tenha sido bem explicado.
Seia útil ter umas fotos já no quadro do processo de re-naturalização.
Claro que esta acção além do impacto positivo que pode ter noutras espécies que não unicamente o lobo também tem um impacto não dispiciendo nos donos do projecto, que assim ganham consciência da necessidade de limites e de compensações e deveria ter também na opinião publica, que não é a publicada.
cc
António Eloy

Anónimo disse...

As passagens foram desenhadas por engenheiros nos sítios em que lhes pareceu melhor encaixá-las. Nenhum técnico (biólogo...) foi dito ou achado sobre a sua localização. Como a monitorização tem mostrado, têm sido pouco utilizadas pelos animais(excepção feita a cães vadios e raposas. Quanto aos processos de naturalização das passagens, não foram feitos.

Respeito as vossas opiniões, mas neste caso concreto estão mal informados.

cumprimentos

Anónimo disse...

Caro João,

Tem toda a razão, o desenho (estética) das passagens não foi acompanhado por nenhum técnico (biólogo ….), contudo a localização das passagens existentes na A24 foram todas acompanhadas por técnicos (da empresa construtora e externos) que localizaram estas passagens em função dos corredores ecológicos conhecidos (e os possíveis) e a tipologia da rodovia (aterro/escavação, orientação, inclinação, …), que influencia muito a tipologia da passagem e a sua própria funcionalidade.

Paulo Barros

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro João,
Acho graça à forma como em Portugal as pessoas desprezam a informação objectiva para tomarem como verdade absoluta a última conversa que ouviram.
Até a podem ter ouvido dos responsáveis pela monitorização que não foram ouvidos no processo de construção (aliás até foram na discussão pública mas adiante) e acham isso inaceitável só que isso não deixa de ser um ponto de vista parcial da questão que convém confrontar com os factos (tal como o que aqui escrevo eu, claro).
Então faço eu aqui vários posts sobre o assunto em que claramente demonstro conhecer o processo (cito factos, refiro documentos consultáveis por qualquer pessoa), como aliás digo explicitamente, é público e notório que os projectos foram sujeitos a AIA (incluindo participação pública), é público e notório que a autoridade nacional de conservação da natureza acompanhou o processo e as passagens foram feitas por engenheiros onde bem lhes apeteceu?
Caro João, o Paulo Barros já respondeu embora pouco, porque inclusivamente a obra teve acompanhamento ambiental. O que explica que mesmo depois de construída tenha sido detectado o famoso problema (impossível de prever em projecto) do vizinho que resolveu pôr uma vedação que tirava funcionalidade à passagem e que entretanto foi resolvido.
O facto de até hoje não ter sido detectado nenhum lobo a passar nesta passagem não nega a sua utilidade: não só é preciso tempo para que as novidades se integrem em sistemas dinâmicos como sobretudo a questão central é garantir uma elevada permeabilidade em toda a linha da estrada para que se possa garantir que há possibilidade de atravessamento, mesmo em muito baixas frequências.
Já agora, pode descrever-me a monitorização que está a ser feita? É para ter a noção se há registo em contínuo para afirmar com tanta segurança que até hoje só passaram cães e raposas. Não digo que tal não tenha acontecido (o que já justificaria a passagem, dado o risco de segurança rodoviária que estes animais representam para os condutores se forem obrigados a procurar alternativas a distâncias razoáveis), mas gostava de aferir a segurança de uma afirmação tão taxativa sabendo nós como o lobo é um animal de difícil detecção.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alguns esclarecimentos adicionais.
O desenho da passagem não foi acompanhado por nenhum biólogo, queixa-se João.
É uma questão meramente corporativa: os técnidos que acompanharam todo o processo de AIA em representação da autoridade nacional de conservação são engenheiros de ambiente e engenheiros florestais, com largos anos de trabalho em conservação.
Aliás o engenheiro florestal que acompanhou o projecto deve ser das pessoas que mais sabem sobre as alcateias da região mas para algumas pessoas comete o enorme pecado de não ser biólogo, ou seja, um rematado ignorante na matéria.
De qualquer maneira mesmo com estes factos a afirmação é falsa porque estes técnicos foram suportados por um conjunto muito alargado de outros técnicos dentro do ICNB, vários deles biólogos, claro.
Não tenho informação neste momento para saber se todo o projecto, incluindo sementeiras e plantações está já executado mas se não está estará com certeza daqui a algum tempo visto que quer por fiscalização directa do ICNB, quer pela obrigaçao legal dos relatórios de monitorização haverá com certeza indicação das correcções a fazer.
Já agora, a título de informação para confrontar com leviandade dos comentários feitos a propósito da matéria (incluindo a discussão da qualificação académica em detrimento do conhecimento dos problemas tão característico em Portugal) os técnicos envolvidos participaram numa visita de estudo a várias estradas com ecodutos em França antes de tomar as decisões finais sobre as características a que deveria obedecer esta passagem (bem como as inúmeras adaptações doutro tipo de passagens).
Portugal é um país estranho onde qualquer acção de conservação tem mais probabilidades de dar problemas a quem a faz que a completa inacção. É um país que oscila entre a exigência da perfeição à primeira e a defesa da mais extravagante solução teórica para o problema mais comezinho.
Bem se fartou o professor Osório de defender a sacralidade do direito à asneira mas pregou no deserto.
E neste caso em concreto ainda seria preciso demonstrar a asneira.
Mas como dá muito trabalho discutir coisas concretas com informações objectivas o melhor mesmo é questionar custos fantasiosos, qualificações académicas, levantar teorias de conspiração quando não apostar forte e feio na difamação.
É fácil, é barato e dá milhões.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caros,

Acontece que, ao contrários dos senhores, tenho conhecimento dos resultados da monitorizaçâo que está a decorrer. Sim, foi feita em contínuo e como deve ser. Portanto dispenso acusaçôes de leviandade.

Parece que feri susceptibilidades ao referir a falta de biólogos na avaliaçâo da localizaçâo das pssagens. Sim, de certeza absoluta que um especialista (biólogo) em lobos sabe muito mais sobre o assunto que engenheiro florestal ou do ambiente que se interesse pela matéria à muito ou pouco tempo.

Que eu saiba não há registo de biólgos a desenharem planos de ordenamento florestal ou a coordenarem planos de gestâo de resíduos. O inverso é que não é infelizmente verdade. E com os resultados que se têm visto por aí.

Não quero com isto afirmar que se devam separar os feudos, mas sim que a integraçâo de biólogos em assuntos do foro biológico é crucial, caso contrário sai asneira.

Analisar a conectividade da paisagem é um assunto da maior complexidade, por isso perdoem-me se não fico satisfeito com a falta de colegas meus na análise que foi feita das características da paisagem...

As passagens estâo lá, não são inúteis, já foram usadas por lobos (pouco...), por isso importa melhorá-las. Quem sabe, construir mais ou melhorar outras. Temos a sorte de lidar com animais de grande inteligência e adaptabilidade que acabarâo por se adaptar à situaçâo. Mas que eu saiba, as passagens não são destinadas apenas a estes animais. Ou são os únicos animais dignos de atençâo? Detectá-los é difícil, porque têm pegadas praticamente iguais às dos cães. Mas a monitorização também se faz através da procura de dejectos a uma certa distância da passagem, os quais permitem identificar a espécie em causa.

Termino sublinhando que não considero as passagens inúteis. Mas que podiam ter sido melhor desenhadas, lá isso podiam.

Espero que este assunto sirva de liçâo para a construçâo de outras daqui para a frente.

Termino por saudar o D.Henrique Pereira dos Santos pela frontalidade e disponibilidade com que debate estes (e outros)assuntos. Fossem todas as pessoas da área do ambiente assim e estaríamos bem melhor.

Peço desde já desculpa pelo facto de não poder continuar envolvido nesta discussão, mas por motivos profissionais vou ter de me ausentar. Deixo votos de que a discussão continue com vitalidade e elevação.

Cumprimentos a todos

João Saraiva

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro João Saraiva,
Ora ainda bem que começamos a perceber o que estamos a discutir.
Primeiro a questão corporativa.
Não é verdade, volto a repetir para não haver dúvidas, não é verdade que não tenha havido biólogos envolvidos em toda esta questão por parte do ICNB. As pessoas que representaram o ICNB foram suportadas por biólogos (e muitos outras pessoas com diversas formações) nas suas análises. Já agora esqueci-me de referir outro engenheiro mais directamente envolvido, um engenheiro zootécnico. Concluindo, não é verdadeira a afirmação de que nenhum biólogo esteve envolvido do lado do ICNB.
Para além disso como por certo saberá as empresas trabalham com consultores nestas matérias, incluindo biólogos.
Só para lhe dar um exemplo, o grupo lobo foi contratado pelos promotores do projecto na fase de caracterização da situação de referência e é hoje, ao que sei, responsável pela monitorização. E como penso que saberá há a obrigação legal dos relatórios de monitorização identificarem os problemas que existam e proporem novas soluções. Até hoje, incluindo na participação do grupo lobo na discussão pública (por mim fico confuso com os diferentes chapéus destes grupos que ora são grupos de investigação, ora são ONGs, ora são prestadores de serviços, mas isso não é matéria que me diga respeito), não me lembro de ter visto uma única proposta deste grupo (ou de outros, como a ordem dos biólogos) sobre as passagens para a fauna.
Independentemente da afirmação de que não há biólogos envolvidos a verdade é que essa é uma questão menor. A questão é saber se há pessoas com competência e conhecimento na matéria.
Só para não sair dos vários bloggers que aqui escrevem poderia citar o Miguel Araújo que deve ser o português que mais publica em matéria de biodiversidade e altrações cimáticas e é geógrafo ou o Carlos Aguiar que indiscutivelmente é um dos botânicos de topo do país e é agrónomo. Não falo sequer dos especialistas do país em ecologia da paisagem (onde a questão da conectividade claramente se encaixa) que na maioria não são biólogos.
Estas discussões corporativas são uma perda de tempo para o país.
Agora a questão de substância.
Claro que é difícil discutir com quem tem uma informação que não disponibiliza. Portanto estou claramente em desvantagem por não saber os resultados da monitorização que está a ser feita.
Mas como o João diz que as passagens já foram usadas por lobos, que precisam de ser melhoradas (o que aliás eu disse logo de início), que estamos a lidar com animais de grande inteligência que se adaptarão à situação não percebo então qual é a questão que levanta.
É só o facto de que as passagens poderiam ter sido mais bem desenhadas? Sim, é um facto. Mas até hoje apenas a empresa promotora e o os técnicos do ICNB tiveram a coragem de fazer propostas concretas.
Os outros, os que agora criticam limitaram-se ao papel de treinadores de bancada, à espera de ter dados de monitorização para então propor melhorias ao que existe e criticar os que tomaram as decisões difíceis e assumiram os riscos de decidir face à evidente dificuldade de suportar a discussão sobre os recursos que são gastos nestas matérias e a discussão conexa sobre a utilidade desse gasto.
É tão bom não ter de correr riscos e falar de cátedra.
Eu tiro o chapéu aos meus colegas do ICNB que responsavelmente e com dificuldades brutais decorrentes da pressão criada por uma estúpida decisão de concessão antes de estudos ambientais não cederam ao doce conforto de alijar responsabilidades para terceiros e estudaram, avaliaram, discutiram, fizeram propostas de decisão que inegavelmente constituem um avanço significativo na forma como são construídas estradas em Portugal do ponto de vista da conservação.
Terão tomado algumas decisões que poderiam ter sido melhores? Sim, com certeza. E daí?
É nestas alturas que me lembro sempre do letreiro à porta de uma oficina de automóveis a que fui quando vivia nas Caldas da Rainha: "aqui não se aceitam conselhos de quem diz que sabe fazer melhor mas apenas de quem já fez melhor".
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

João disse:

“Como a monitorização tem mostrado, têm sido pouco utilizadas pelos animais (excepção feita a cães vadios e raposas).”

“As passagens estão lá, não são inúteis, já foram usadas por lobos (pouco...), por isso importa melhorá-las.”

Em que ficamos, a auto-estrada é ou não permeável aos lobos?

Anónimo disse...

Já percebi que perdem pouco tempo a tentar compreender o que lêem.

Vou tentar, outra vez, mas com frases mais curtas.

A passagem é pouco usada pelos animais. Dos poucos que a utilizam, a maior parte são cães vadios e raposas. Uma percentagem pequena dos POUCOS animais que a utilizam são lobos.

Não falo do alto de nenhuma cátedra, nem tenho ligaçôes de quaisquer espécie ao Grupo Lobo.

Em relação ao comportamento do Grupo Lobo, até concordo consigo. Mas apesar da inoperância e paralisia do dito grupo, a responsabilidade de solicitar o desenvolvimento de soluções pertence ao ICNB e à empresa promotora. Peçam-nos e exijam medidas concretas.

Se os resultados da monitorização, quando estiverem prontos,não saíram cá para fora, façam o vosso trabalho e exijam-nos.

De facto, não há nada como melhorar aquilo que está mal. Fiquei satisfeito por ver o post que se segue a este. Que se criem condições para que sejam usadas por carnivoros, micromamiferos, ungulados etc e contribuam para reestabelecer a conectividade da paisagem.

E mais, que se construam mais passagens e noutras estradas.

Que em estradas a construir, se introduzam as passagens na fase de projecto.

Se por acaso a situação não melhorar, cá estaremos todos para apurar responsabilidades.

Cumprimentos

João Saraiva

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro João Saraiva,
De facto tive dificuldade em perceber à primeira que quando disse: "Como a monitorização tem mostrado, têm sido pouco utilizadas pelos animais(excepção feita a cães vadios e raposas." estava verdadeiramente a dizer: "A passagem é pouco usada pelos animais. Dos poucos que a utilizam, a maior parte são cães vadios e raposas. Uma percentagem pequena dos POUCOS animais que a utilizam são lobos."
É que escusávamos de ter discutido tanto porque este resultado é exactamente o expectável.
Sendo assim fica resolvida a questão que levantou da qualificação das pessoas e da sua relação com a qualidade das passagens: se as passagens cumprem as funções para que foram desenhadas é porque provavelmente as pessoas que as acompanharam sabiam o que estavam a fazer. E é bem provável que muitos biólogos tivessem muito mais a ganhar em aprender com estas pessoas que em brandir os seus certificados de habilitações.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Parabéns por seu Blog, muito bem feito: bem distribuído e também com ótimo e interessante texto. Meus Parabéns!