domingo, março 30, 2008

Estranho mundo

Li ontem no público que o Sr. Ministro da Agricultura pretende diminuir o peso dos funcionários do ministério em Lisboa para 20% como contributo para a diminuição da desertificação do mundo rural e do interior do país.
Primeiro nem estranhei porque há coisas a que não ligo nenhuma se não me explicarem como se fazem.
Mas depois involuntariamente a minha cabeça começou a trabalhar sozinha, fora da minha vontade.
E lembrei-me de que este Ministro é o mesmo que tem na sua mão a responsabilidade de formatar o apoio das políticas públicas ao mundo rural através da definição da regras de aplicação das formidáveis verbas que a política agrícola comum canaliza.
Lembrei-me das discussões havidas na altura da definição destas regras. O Sr. Ministro preferiu apoiar os sectores competitivos da produção agrícola e agro-industrial com essas políticas públicas, deixando para a floresta o resto do país (que é muito mais que 50% do território, a grande maioria do qual nem sequer suporta uma floresta competitiva).
Este Ministro preferiu alocar cerca de 11% dessas verbas ao projecto de Alqueva (ou seja, ao apoio ao turismo e olival intensivo, cuja importância económica não desprezo mas me parecem ser sectores que dispensam as ajudas públicas).
Este ministro preferiu não ter um programa sólido de apoio às componentes sociais da produção do mundo rural que não podem sr convenientemente remunerados pelo mercado (como a produção de biodiversidade e a gestão de combustíveis, por exemplo).
Isto é, este ministro preferiu apoiar os sectores mais dinâmicos e mais aptos a sobreviver no mercado abandonando todos os sectores para so quais as falhas de mercado não permitem ter soluções sem políticas públicas mas cujos benefícios sociais são mais que reconhecidos.
E agora diz que transfere uns funcionários de Lisboa para o mundo rural.
Ou seja, dará um chouriço a quem lhe der um porco.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Manuel Rocha disse...

Faltou uma última questão, a meu ver: e que vão esses funcionários para lá fazer ?! O mesmo que os que já lá estão, ou seja, "ocupar espaço", ou há novos projectos que justificam esse reforço ?

Miguel B. Araujo disse...

Olá Henrique,

Fiquei sem perceber se achas bem ou mal que os funcionários do ministério da agricultira vivam preferencialmente onde há mundo rural, ou se preferes que vivam na capital do País.

Cumprimentos,

Miguel

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Essa é uma pergunta que não tem resposta a não ser que queiramos entrar numa discussão demagógica.
Se quisermos ir pela demagogia perguntamos de imediato se é melhor o ministro da agricultura estar em Lisboa ou onde há mundo rural.
Ou seja, dependendo das funções atribuídas poderá ser melhor uma ou outra opção. Se quiseres, as funções de planeamento, comando e controlo estão tipicamente no centro, as funções executivas devem estar o mais perto possível dos destinatários.
Mas essa foi a matéria que com que nem me preocupei: não sabendo o que se pretende transferir, como e com que objectivos não há discussão possível.
Se por acaso o senhor ministro tivesse dito que iria reestruturar os serviços desta e daquela forma e que isso implicaria uma maior proximidade dos funcionários que desempenham estas e aquelas funções o que implicaria a diminuição dos funcionários de Lisboa em x por cento, provavelmente eu estaria de acordo.
Agora adoptar uma política de abandono de apoios a tudo o que são as funções sociais do mundo rural (as que não podem ser eficientemente remuneradas pelo mercado) e depois dizer que se transferem uns funcionários para combater a desertificação é para mim muito difícil de engolir.
Se a questão central é a do combate à desertificação do mundo rural o sr. ministro tem ao seu dispor um conjunto de instrumentos muito mais eficientes que a transferência de funcionários (que volto a dizer, não especificou).
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Concordo contigo que sem mais informação podemos estar a discutir o sexo dos anjos. Estamos de acordo que o Ministro é vago nas sua declarações. Estamos de acordo que a transferência de funcionários da capital para o mundo rural, só por si, não resolve problemas de desertificação do mundo rural (whatever that means). Estamos de acordo que deveria haver um plano estratégico de revitalização do mundo rural por trás destas movimentações de pessoal funcionário. Penso que estamos de acordo em tudo ou quase tudo.

Porém, há um dado que não referes. É que tem pouca lógica ter a maior parte dos funcionários do Ministério da Agricultura em Lisboa. Um punhado de funcionários bem qualificados é suficiente para as funções de concepção e programação de políticas e muitos mais funcionários serão necessários para as aplicar no terreno.

É verdade que temos poucos dados para avaliar se a medida terá os efeitos desejáveis mas o seu oposto, i.e., que a manutenção de um contingente alargado de funcionários do ministério da agricultura no local do País que menos agricultura possui também queda por demonstrar.

Em Madrid, por exemplo, o contingente do Ministério da Agricultura representa uma amostra infima do contingente que está espalhado pelo País. O mesmo se passa com o Ministério do Ambiente. Parece-me natural que assim seja.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
A distribuição territorial dos funcionários decorre de opções sobre a natureza do Estado, estamos de acordo.
Para discutir as diferenças entre Portugal e Espanha dever-se-ia entrar com as percentagens nas capitais das autonomias e não apenas em Madrid, como suponho que concordas comigo.
Mas insisto que me parecem lágrimas de crocodilo optar por abandonar o mundo rural que o mercado não suporta na definição de políticas públicas e, ao mesmo tempo, vir falar da deslocalização de funcionários para diminuir o despovoamento do interior.
Aliás é curioso que em todo o processo de colocação em situação de mobilidade dos funcionários eu nunca tenha ouvido falar desta preocupação territorial que agora aparece.
E suspeito que aparece agora porque Sócrates fez uma opção inteligente: remodelou o governo limitando-se a remodelar as políticas sem remodelar os ministros.
henrique pereira dos santos

Zé Bonito disse...

O que menos interessa (a não ser para os próprios) é onde vão fixar-se esses funcionários. No que diz respeito ao "mundo rural", sempre pode vender mais umas bicas e umas refeições, caso esses funcionários continuem a receber ordenado.
Agora, importante mesmo é percebermos que a famosa promessa de luta contra a desertificação do interior, não passou disso mesmo- de promessa.Como muito bem diz o texto, privilegiou-se a agricultura intensiva de resultados de médio prazo (e futuro mais do que duvidoso)e o "turismo verde" das margens do Alqueva. O resto do território foi ignorado e a função social e ambiental que pode desempenhar, não consta da agenda deste ministro/governo.