terça-feira, agosto 26, 2008

A Estrela e a erosão

Comenta-se na caixa de comentários de um post anterior:

"Refere que não lhe parece que haja agora mais erosão na serra da Estrela que no passado, mas se a área ardida foi maior nestes últimos anos não lhe parece que dai tenha resultado um aumento da erosão?"

Este comentário é um pouco tautológico na medida em que para demonstrar que agora há mais erosão por causa dos fogos se argumenta que havendo mais área ardida daí resultará aumento de erosão.

Ora o que tenho procurado dizer é que não há mais área ardida, há incêndios mais severos e extensos, o que é bastante diferente. E por que razão daí não resulta mais área ardida? Porque os fogos são muito mais espaçados e é dessa diminuição de frequência (para além da diminuição das roças do mato e do pastoreio) que resulta o aumento do grau de cobertura do solo com combustível que alimenta os fogos mais severos.

Vejamos o que é dito sobre a área em 1868:

"...onde os pendores das montanhas e os flancos dos valles são mais abruptos e fragrosos, é ahi principalmente que o solo se acha mais inculto.... torna-se necessária esta arborização para evitar que a cultura que existe nos vales correspondentes a esta zona, seja destruída pela desnudação da serra. A inclinação das vertentes é tão fórte que as aguas pluviaes, que nellas correm, adquirem uma tal velocidade que arrastam numerosos fragmentos de rocha de grandes dimensões. Foi isto que notei ha pouco tempo, quando visitei esta provincia, vindo no conhecimento de que, por esta causa, se acham extremamente arruinadas quatro pontes da antiga estrada Covilhã à Guarda.... São tão aridos os seus terrenos e tão pouco ferteis, que aquella mesma cultura (centeio) sómente se faz de tres em tres anos, ficando as terras dois annos de poisio.... Toda esta montanha é quasi desprovida de cultura, excepto algumas ravinas onde se semeia milho, trigo e centeio. De espaço a espaço vê-se por acaso um castanheiro, um freixo ou um carvalho; poucos em numero, mas sufficientes para demonstrarem a sua gigantesca estatura, que este terreno é muito próprio para arvoredo em que taes arvores se produzam.... aproveitando-se para estas sementeiras uma zona de um ou dois kilometros junto á peripheria, e conservando inculto o interior, já porque o arvoredo ahi pouca utilidade prestaria, por não haver caminhos por onde possam conduzir-se madeiras e lenhas, já porque seria muito prejudicial extinguir as pastagens que no Verão alimentam grande quantidade de rebanhos de gado lanigero, que não tendo no Alentejo e campo de Coimbra que comer, vêm procurar sustento n'estas paragens.... Pede-se a área a arborisar em terrenos que não tenham cultura alguma? Se é, nada dou, porque todo este terreno tem alguma cultura, todo elle produz centeio, o que aqui chamam pão: é verdade que é um pão de sangue, porque estes terrenos, na maior parte, por causa da sua magreza, só produzem de três em três annos, havendo muitas colheitas que mal dão a semente, quando a dão. Se é pedida a área a arborisar em terreno que tenha alguma cultura, então digo que, com pequenas excepções, a área é quasi todo o distrito (da Guarda)...Todoso estes altos ou cumiadas devem ser arborisados...não serão os terrenos marginaes inundados de areias, como tão amiudadas vezes são... Citarei... as duas serras que de um e outro lado se estendem ao longo da ribeira de Teixeira, no valle de Santo Antão, cujas margens sendo d'uma productividade admirável... se tornam, n'uma grande parte, estereis, em virtude das areias que, arrastadas pelas aguas de inverno ou das trovoadas, cobrem o solo cultivável... É de grande vantagem, e direi mesmo de instante necessidade, a arborização de toda a cordilheira que se estende desde a proximidade de Gouveia até Ceia....Uma immensidade de ribeiras caem do alto da serra da Estrela...na grande baixa de Ceia , onde a única ribeira que depois ali corre se acha já inteiramente nivellada com o solo adjacente, resultado do arrastamento das terras das montanhas... "

Penso que não vale a pena citar mais para se ver a enorme diferença entre o quadro descrito na segunda metade do século XIX, onde a erosão é verdadeiramente um problema, do quadro que hoje encontramos, caracterizado por problemas pontuais perfeitamente geriveis num quadro de correcção torrencial muito mais barato e eficaz que a tentativa de reduzir os fogos à custa de recursos que nunca serão suficientes.

Para ser mais claro: há problemas a resolver que se relacionam com a gestão do fogo mas o fogo em si não é o problema, não se justificando qualquer política que vise a sua supressão.

henrique pereira dos santos

12 comentários:

Anónimo disse...

O texto que cita apenas reforça a ideia que estas já eram áreas de desastre ambiental no séc. XIX. Se tal na altura se podia justificar com a pobreza das populações rurais, agora já não se compreende tão facilmente.

Anónimo disse...

Perigosa esta última frase "gestão do fogo mas o fogo em si não é o problema, não se justificando qualquer política que vise a sua supressão."

são necessárias políticas de prevenção (ordenamento florestal e territorial) e de combate, pois naturais ou de origem humana, os fogos vão continuar a exitisr e os danos materias e patrimoniais também.

quanto à ignições dos fogos... os principais fogos que me lembro no Algarve foram todos fogo posto (Monchique, Caldeirão, Amendoeira, Vila Sol, MonteGordo, Azinhal).. o vento leste deve ajudar a propagá-los, mas a origem...

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Sim, é certo que hoje boa parte do território nacional (Estrela incluída) tem uma cobertura vegetal do solo muito maior do que no passado, nomeadamente relativamente ao início do século XX; incluindo por espécies arbóreas altamente inflamáveis, muitas delas em povoamentos desordenados e deixados ao abandono (e sim, isso potencia, em muito, os efeitos dos incêndios relativamente ao passado).

E também não contesto que muito antes deste regime cíclico de incêndios florestais*, já existiriam problemas bastante graves de erosão e assoreamento dos rios (ver, por exemplo, algumas imagens bastante elucidativas no 1º volume da colecção "Árvores e Florestas" do "Público").

(* Um país que tem predominantemente um clima de tipo mediterrânico, mesmo nas zonas de macro-clima atlântico existe um período seco, a presença do fogo sempre terá sido uma constante, embora me pareça inquestionável que as florestações extensivas com pinheiro-bravo e eucalipto, incluindo muitos outros factores físicos e sociais, tenham potenciado a ocorrência de grandes fogos nas últimas décadas).

No entanto, e aqui discordo do autor, reconhecendo que me estou a basear em literatura generalista sobre o assunto (ainda que escrita por especialistas) e não em nenhum estudo científico em particular, não me parece que se deva menosprezar o efeito dos incêndios neste processo. E porquê?

Porque estamos a falar de incêndios que ocorrem periodicamente nas mesmas áreas, o que tem efeitos práticos não apenas nas taxas de erosão na época chuvosa seguinte, mas a médio e longo prazo pois vão diminuindo a capacidade de regeneração da vegetação dos solos (isto já para não falar de os incêndios estarem a favorecer o alastramento imparável de espécies invasoras, como as acácias australianas, as quais também são parte do problema pois impedem o desenvolvimento da vegetação autóctone ; além de que algumas espécies invasoras também têm efeitos directos na erosão, tal como é referido no projecto "Invader" coordenada pea U.C.).

E é a isso precisamente que se refere o "anónimo"; temos áreas na Estrela e noutras zonas da Beira Interior, com taxas de precipitação elevadas, e que são autênticos desertos de pedra pois perderam totalmente o solo ou este perdeu a capacidade de regenerar a vegetação arbustiva característica da zona. E isto acontece ao fim de essas áreas terem ardido sistematicamente ao longo das 3 últimas décadas.

E é aqui que o fogo se torna um factor decisivo ao condicionar a regeneração da vegetação autóctone, primeiro a arbustiva e posteriormente a arbórea, que pudesse suster os processos de degradação e erosão.
Isto é, o problema não está no fogo em si, mas na sua frequência que impede os solos de se proteger contra os mecanismos que provocam a erosão.

Portugal é um dos países da União Europeia com maiores problemas de desertificação. Esta não depende apenas dos incêndios. Depende e muito de outros factores, como a própria ocupação do território.

Num país como o nosso, teremos sempre que conviver com os incêndos. Mas se não controlarmos dramaticamente este factor, impedindo que as mesmas áreas ardam uma e outra vez no espaço de poucos anos, estaremos condenados a desertos de pedra e mimosas, como poderá verificar se se deslocar a muitas zonas da Beira Interior.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro Henrique,

Regresso porque temo que as minhas ideias não tenham ficado claras no texto anterior. Correndo o sério risco de ser repetitivo e redundante:

1º) Concordo consigo quando refere que o fogo, por si só, não é um factor determinante para surgimento de processos de erosão, nomeadamente quando alude ao que acontecia em séculos passados onde, apesar de não termos este regime cíclico de grandes incêndios florestais, tínhamso gravíssimos problemas de erosão.

2º) Discordo consigo quando procura minimizar esse efeito no presente, pois o facto de as mesmas áreas arderem repetidamente num curto espaço de tempo, impede qualquer hipótese de regeneração dos solos. Infelizmente, estas situações não são assim tão pontuais, nomeadamente dentro da área do PN da Serra da Estrela que creio, e penso que as estatísticas oficiais não me desmentem, ser a Área Protegida mais afectada em termos de área ardida nos últimos anos.

Anónimo disse...

Meus caros,
A frequência dos fogos nas mesmas áreas tem diminuído, não aumentado.
O que tem aumentado é o seu registo por passarem a ser fogos extenso e severos em vez de queimadas constantes de baixa intensidade.
Há mais fogos porque a recuperação está a recuperar. O que chama hoje desertos por causa dos fogos dos últimso trinta anos eram mares de pedra antes desses trinta anos.
Leiam as descrições como as que citei, vejam as fotografias aéreas mais antigas e sobretudo invistam na interpretação da paisagem ao longo do tempo e verão que o qe dizem não corresponde ao que vemos acontecer.
Há mais fogos porque há mais vegetação, não é verdade que estejamos a caminhar para o deserto por causa dos fogos.
Quanto às ignições isso é uma falsa questão: o que interessa não é saber porque começa um fogo mas por que razão não o conseguimos parar.
henrique

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro Henrique,

1º) Eu gostava que me indicasse onde posso consultar estatísticas que comprovem que "A frequência dos fogos nas mesmas áreas tem diminuído, não aumentado", em particular ao nível do PN da Serra da Estrela.

2º) O Henrique parte do pressuposto, e agradecia que me corrigisse caso esteja a distorcer as suas palvaras, que: antigamente existia um gravíssimo problema de erosão/ entretanto a vegetação natural recuperou espontaneamente ou por reflorestação/ os incêndios tornaram-se menos frequentes (palavras suas!) mas mais intensos por haver mais matéria vegetal logo, retira-se a conclusão: a influência dos fogos na erosão não é determinante!

Sim, eu conheço essas imagens do antigamente, ainda há tempos vi uma do vale de Loriga bastante elucidativa. Não conheço estatísticas (o que não quer dizer que não existam!) que suportem a afirmação de que o número de incêndios no PNSE está a diminuir mas concordo que a sua gravidade aumentou e muito.

Evidentemente que a erosão é provocada por uma multiplicidade de factores físicos e de origem em actividades humanas e que não foram os incêndios florestais dos últimos 30 anos que iniciaram o processo.

Até aqui eu não discordo do Henrique...Mas daí a querer menorizar o efeito que os incêndios têm na regeneração dos solos, sobretudo os que ocorreram de forma pouco espaçada temporalmente em locais com solos já de si esqueléticos, penso que vai uma longo caminho.

3º) Obviamente que falava de sítios que conheço actualmente e que já conheci com floresta ou com matos e que depois de arderem duas ou 3 vezes, apresentam hoje graves problemas de erosão.
Evidentemente que não falo de sítios que já seriam esses "desertos de pedra" muito antes do advento dos "piroverões", para usar palavras do professor Jorge Paiva.

4º) Gostaria ainda de saber se essa sua percepção resulta apenas da leitura desses textos/imagens do século XIX ou se existe algum estudo recente que comprove os efeitos reais dos incêndios nos processos de erosão, em especial em territórios de montanha, como o PN da Serra da Estrela. Em caso afirmativo, gostaria que me indicasse onde poderei encontrar essas referências bibliográficas.

Agradecido pela atenção.

Anónimo disse...

Não, não há estatísticas de queimadas. E por isso elas são desprezadas nesta equação.
Durante alguns anos foi possível manter uma política florestal e a retirada de combustível dos território, depois diminiui a pressão sobre o território e a vegetação começou a desenvovler-se e a acumular-se o combustível.
Por isso há um desfasamento no tempo entre as causas da situação actual e a verificação dos seus efeitos.
Não, não conheço estudos científicos que suportem o que eu digo (nem aliás o contrário que é aceite com a maior das naturalidades).
Mas que não é o fogo a causa da erosão actual (pode ser um agente temporário em algumas situações temporais com alguma importância) e que o combate à erosão se faz muito mais facilmente e de forma muito mais barata aceitando isto, não tenho qualquer dúvida.
Tentar suprimir o fog nas nossas circunstâncias é uma tolice muito, muito cara. Que só se tem mantido com base em pressupostos ideológicos que têm mais de 150 anos e que faziam sentido nessa altura.
Hoje o mundo rural é outro e a lógica de gestão do fogo deveria também ser outra.
Já agora, já foi dar uas voltas pelas áreas ardidas há mais de dois anos? E que acha? Qual é o grau de cobertura do solo?
henrique pereira dos santos

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Bom, então nesse ponto estaremos um pouco em pé de igualdade, por nos basearmos (em parte) na nossa própria percepção (com todos os erros inerentes à subjectividade) ou em textos generalistas sobre a matéria. Textos esses que até poderão ter sido escritos por técnicos, mas não especificamente por especialistas em fenómenos de erosão. Muito menos nos baseamos em resultados de estudos científicos específicos sobre esta matéria.

Nesse ponto, dou-lhe razão indirectamente: fazem falta estudos que clarifiquem estes pontos ou estes existem e precisam de ser mais divulgados. Sobretudo num país tão afectado pela desertificação e onde, aparentemente, tão pouco se sabe sobre os fenómenos que condicionam a erosão.

Conheço alguns sítios na Serra da Estrela, em particular um que tenho seguido com particular atenção (apesar de ser pouco extenso em área), situado logo abaixo de um bloco errático conhecido como "poio do judeu" e que ardeu há cerca de seis anos (essa zona do Vale do Zêzere viria depois a arder de forma muito mais extensa e violenta em 2005).
Mas voltando a essa pequena fracção, o que aconteceu nos anos seguintes foi que essa zona não mostrou qualquer sinal de regeneração, pois tal como outras zonas apresenta forte declive (o que também facilita os processos de escorrência) e possui solos esqueléticos. Por outro lado, a essa altitude (acima dos 1500 m), a severidade dos fenómenos meteorológicos também terá um peso condicionante sobre a velocidade de regeneração, face a territórios situados a menor altitude.

Evidentemente que nem em todos os locais acontece este fenómeno e outros há que mostrarão até uma assinalável recuperação. Se calhar estes, até poderão ser maioritários. Esse é outro estudo a fazer.

Do que não duvido é da extensíssima ocupação de territórios ardidos, abaixo dos 1000/800 metros por invasoras. A extensão do impacto que tal tem na recuperação dos solos e nos processos de erosão é outro estudo que falta fazer, ainda que aparentemente estas também afectem a erosão (ver:http://www.ci.uc.pt/invasoras/files/13mimosa.pdf) e a sua propagação esteja directamente relacionada com o fogo.


Concluindo: na Serra da Estrela, uma zona de elevada precipitação (por vezes em regime torrencial), acentuados declives que facilitam os fenómenos de escorrência e solos esqueléticos, tudo contribui para os fenómenos erosivos.

O fogo pode não estar na origem e nem ser o factor principal que determina a erosão, mas por certo que não auxiliará no processo de recuperação de solos, sobretudo quando ocorre mais do que uma vez num espaço de menos de 10 anos.

Serão casos pontuais? Sim, talvez tenha razão, mas não os considero menos importantes por isso.

Devemos continuar obcecados com a supressão do fogo? Claro que não e não apenas pelos fenómenos de erosão, tão só e apenas porque nunca será possível suprimir a existência de incêndios florestais com alguma dimensão e regularidade, num país com clima, vegetação e ocupação do território (ou falta dela...) propício a tal.

Que nos deveríamos concentrar em políticas de ordenamento florestal e de (re)ocupação/ordenação do território que atenuassem a dimensão do problema (e não apenas por causa dos fenómenos de desertificação)? Claro que sim, isso nem se discute. E nunca foi isso o que esteve em causa.

O que esteve (e está) em causa é o papel específico do fogo nos fenómenos de erosão. E para isso, nenhum de nós tem uma resposta.

E, apesar de esta troca de ideias ter sido interessante, não chegámos a sair do "ponto de partida". E, em parte, lamento isso, porque quando li o seu artigo pressupus que se baseasse em bibliografia recente que tornasse um pouco mais clara esta discussão que muito me interessa.

Mas ela está apenas a iniciar-se...Esperemos que o tempo nos traga respostas clarificadoras.

Anónimo disse...

Apenas dois aspectos:
Esta discussão não pode ser feito a aprtir de estudos de especialistas de erosão porque estou a falar à escala da paisagem.
O exemplo que deu é importante que seja acompanhado e documentado mas dirá pouco sobre para onde estão a ir esses sedimentos, se há ou não zonas de acumulação e o que está a acontecer nessas zonas de acumulação.
Segundo ponto, a frequeência dos fogos. Sobre essa matéria existe já informação bastante razoável porque existe informação geográfica dos ultimos 20 anos sobre áreas ardidas.
As áreas com frequências menores de dez anos são, para as zonas que tenho estudado (a Estrela está na linha do que irei fazer a seguir), muito diminutas. Seguramente abaixo dos 15 a 20 do território (eu diria que estão abaixo dos dez por cento, mas gostaria de ser mais cauteloso).
E são exactamente estes dois pontos que, à escala da paisagem, sustentam o que afirmo.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique P. Santos

Num comentário anterior trouxe à discussão a questão ideológica.

E fê-lo muito bem, pois quando se ignora qual o regime de fogo "natural" na fachada ocidental da Ibéria, quando em larga medida se desconhece quais seriam as formações vegetais pós-wurmianas (e os seus mosaicos) que uma política consequente de conservação da natureza deveria recriar no país, quando as nossas principais áreas protegidas de montanha são um destroço fumegante daquilo que eram quando foram criadas (ao contrário do que sucede nos nossos vizinhos espanhóis, franceses e italianos), o melhor é realmente agarrar-se às "novas" ideologias.

E que ideologias melhores para importar para esta parvónia que as dos países-continente (EUA, Austrália, Canadá, Rússia...), com territórios naturais de milhões de hectares contínuos, com incêndios de trovoadas, onde o fogo como factor ecológico é uma realidade bem estudada e incentivada (e publicamente discutida - lembremo-nos do famoso "deixa arder" de Yellowstone de 88, que torrou meio milhão de hectares)?

É isso que preconiza para os frondosos "parques nacionais" portugueses?

Temos que gerir o fogo em Portugal? Claro que temos - já se faz desde o séc. XIX, até nos perímetros florestais, e a coisa funcionou razoavelmente bem até 1975 - pelo menos é o que diz o plano nacional contra os incêndios, publicado em diário da República.

Quanto à sua "nova" ideologia, destinada a substituir a dos anacrónicos florestais e a dos bacocos bombeiros, parece-me só uma boa forma de encobrir a incapacidade de gerir o território e as manchas verdes que ano após ano foram invadindo o mapa de estradas do ACP.

B. Gomes

Anónimo disse...

Caro B. Gomes
Diz que as nossas áreas protegidas são um destroço fumegante do que eram quando foram criadas.
Confesso que não entendo bem se está a dizer que o texto do século XIX que citei sobre a Estrela (aliás como o anterior) são invenções ou se não têm credibilidade.
Também não percebo se quer recriar os mosaicos anteriores à última glaciação mantendo as sociedades actuais ou liquidando toda a gente.
O resto também não percebo bem.
Será que seria possível usar informação mais substancial e menos adjectivos?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Meu caro Henrique P. Santos,

Possuir um conjunto alargado de territórios com ecossistemas florestais maduros e seus mosaicos, em regeneração espontânea, abrangendo as principais regiões geográficas, é um luxo para Portugal?

Temos falta de espaço para ter uma dúzia de manchas florestais [digamos com 2000 ha cada, para que não comece a imaginar outras alternativas que impliquem evacuar a Área Metropolitana de Lisboa] tipo "Mata de Albergaria", nos 4 cantos do país? Ou temos falta de jeito?

Reconduzindo-nos à serra da Estrela, estamos mais próximos ou mais longe de regionalmente o conseguir do que em 1976? Onde estão os pinhais das umbrias que facilmente se poderiam transformar em carvalhais (e já estavam em transformação, muitos deles)? Onde estão os viduais pioneiros, para além daqueles que os serviços florestais plantaram? Onde está a antiga mata do Casal do Rei, pérola da dita "vegetação primitiva" e entretanto ausente em parte incerta? Diga-me onde é que existe, em 100 000 hectares de um parque natural criado há mais de 30 anos, uma mancha de 500 ha de floresta autóctone madura, resultado de uma acção voluntarista de recuperação de habitats. Só lhe peço 500 hectares - 0,5%.

É pedir muito para uma região em que os serviços públicos que gerem o território se atropelam para se afirmarem como os verdadeiros "presidentes da junta"? Tem de concordar comigo: é muita paisagem para pouca uva.

Caro Henrique, é por tudo isto, que se repete pelas principais áreas protegidas de montanha de Portugal continental (que não nas dos países mediterrânicos que citei e que até às décadas de 1960-70 partilharam connosco, no essencial, as mesmas dinâmicas sociais e florestais) que a sua nova ideologia "os incêndios-não-fazem-mal-nenhum-porque-em-1868-até-havia-muitos-e-a-paisagem-nessa-altura-era-muito-natural-(e-depois-dos-incêndios-é-que-os-carvalhos-medram)" é particularmente perigosa e, simultaneamente, bastante cómoda.

E já lhe explico os adjectivos.

Perigosa, porque desde a sua invenção nos anos 70, por alguns auto-intitulados "pais da ecologia portuguesa", vem confundindo os indígenas bem intencionados (lembremo-nos dos inesquecíveis "não há crise em os pinhais arderem, que depois substituem-se por carvalhos") e também porque cauciona o inferno que se tem vivido sem que se note qualquer aumento na superfície ocupada pelas folhosas autóctones (e não estamos aqui a falar de sobreiro, que é outro campeonato).

[Já agora HPS, tem algum estudo, baseado nas estatísticas oficiais, que confirme para o nosso país um aumento sustentado da superfície e de volumes de povoamentos dominantes de folhosas autóctones nos últimos 50 anos, facto que tantas vezes dá como evidente?]

Cómoda, porque facilita muito o trabalho dos serviços públicos responsáveis pela conservação dos espaços silvestres - especialmente quando alguém se esquece que uma política de "gestão de incêndios" avançada, como o é por exemplo a norte-americana, implica a existência de serviços de extinção altamente sofisticados (e caros).

É que o combate (ou melhor dizendo, o controlo) do incêndio de Yellowstone, em 1988, custou ao erário público 120 milhões de dólares: como deve saber, caro HPS, mesmo os "incêndios bons" não podem matar turistas nem eleitores das regiões rurais deprimidas.

E, claro, nos Estados Unidos, quando um incêndio destes chega a uma propriedade florestal privada, alguém tem de indemnizar alguém.

Mas, enfim, nesta cauda da Europa, o que é que significa a propriedade florestal privada para a conservação da natureza...

B. Gomes

ps: pós-wurmiana é a fase "após a última glaciação", Würm, sensivelmente desde há 12000 anos, com clima similar ao actual. Por exemplo, a Directiva Habitats pretende "manter num estado favorável de conservação" muitos dos habitats naturais pós-wurmianos que hoje rareiam na Europa.