terça-feira, setembro 09, 2008

fogo e estatística

Quando ouço falar na média de área ardida dos últimos cinco anos fico um bocado nervoso. Não pelo seu valor mas pela falta de valor estatístico deste intervalo de tempo dos dados.

Vejamos o gráfico:


Sobretudo se esquecermos o último valor (para 2008 arbitrei um valor de 50 000 hectares que dificilmente será alcançado), temos a nítida sensação que, apesar de umas oscilações, há uma acentuada tendência para aumentar a média rolante dos últimos cinco anos.


Mas se olharmos para a área ardida anual desde 1980 a sensação é diferente:




Na verdade o que ressalta é o carácter excepcional de 2003 e 2005 que contaminam brutalmente uma média com uma série temporal tão curta como cinco anos. De tal maneira que em 2008 a média dos cinco anos cai abruptamente quase 90 000 hectares pelo mero efeito estatístico de ser a primeira série dos últimos anos em que o ano de 2003 fica de fora.

Se ampliarmos a amostra e fizermos a média rolante dos últimos dez e vinte anos, aparece-nos uma tendência de subida mas muito mais suave. Ora politicamente era muito conveniente usar a média dos últimos cinco anos porque as comparações seriam sempre favoráveis aos anos seguintes a 2003 e 2005. Mas com a saída de 2003 a média dos últimos cinco anos dá um trambolhão.

Disseram-me que o INE está a preparar o uso da média dos dez anos. É melhor mas é pouco: dever-se-ia usar o mesmo período que das normais climáticas, 31 anos.

Mas como é média dos cinco que vamos usando, são políticas para baixar médias de cinco anos que são usadas, isto é, o reforço do combate.

Estamos a esquecer outra das coisas que parecem poder inferir-se do gráfico das áreas ardidas: de tempos a tempos vêm anos maus (por exemplo, o longínquo ano de 1991 de que já pouca gente se lembra) e o resultado parece ser desanimador nesses anos maus.
O mais natural é que desses anos maus resultem áreas ardidas muito extensas, qualquer que seja o dispositivo de combate que se aplique a combater fogos.
Por isso seria bom que o território pudesse encaixar essas áreas ardidas sem perda de valores sociais e ambientais de primeira grandeza.
E isso eu não sinto que esteja a ser feito.
henrique pereira dos santos

11 comentários:

Anónimo disse...

qual e a fonte destes gráficos?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Tem toda a razão.
Os dados de 1980 a 2007 são os que constam do relatório oficial sober fogos florestais produzido pela DGRF.
Para 2008 (de que precisava para demonstrar a queda brusca da média rolante dos cinco anos) vi os dados de área ardida até agora (as fontes são também os relatórios provisórios oficiais) e quadripliquei o valor, não vá o diabo tecê-las (é por isso provável que seja ainda mais óbvio o que digo face ao facto de dificilmente arder até ao fim do ano quatro vezes mais que o que ardeu dado que a previsão meteorológica continua desfavorável à ocorrência de fogos).
Os gráficos fui eu que os fiz com esses dados.
henrique pereira dos santos

EcoTretas disse...

Parabéns pela sequência de análises recentes sobre a problemática dos fogos florestais.

Este governo, como de uma forma geral, o Mundo inteiro, estão particularmente empenhados em manobrar as estatísticas... Tem que ser obviamente a estatística que lhes dá mais jeito!

O problema dos fogos florestais, especialmente dos dois últimos anos, é que o clima está a arrefecer de forma clara. Por uma conjugação de factores, tal tem sido particularmente verdade em Portugal. E é verdade, o valor de 50000 ha para este ano está claramente exagerado! A menos que, a maior parte da área ardida ocorra, como em 2007, no Outono.

Como é senso comum, o que ardeu já ardeu. E demora algum tempo a voltar a crescer. Para quem conhece bem a realidade da floresta portuguesa, bastará um Verão próximo com mais um bocado de calor, para voltar a estragar as estatísticas...

Ecotretas
http://ecotretas.blogspot.com

Henrique Pereira dos Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique Pereira dos Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Ecotretas,
A minha guerra intelectual em matéria de fogos é mesmo contra o senso comum.
A sua ideia de que não é possível que a maior área ardida ocorra daqui para a frente é desmentida pelo ano passado, por exemplo.
E a ideia de que de dois ou três anos podem indicar tendências em matéria de clima também não colhe (repare com no gráfico com todos os anos há grupos de anos bons separados por anos péssimos.
E por último o factor crucial não o calor (houve este ano dias quentes, e mais ainda no ano passado, sem que isso se reflectisse na área ardida). O que realmente conta é uma situação meteorológica com muitos factores (calor, vento, humidade e por aí) que, no caso de Portugal e Galiza, está associado ao vento Leste na maioria das vezes.
Que este ano houve bastante na Primavera (e ardeu qualquer coisa, só para se ter uma ideia penso que nas áreas protegidas terão ardido até hoje cerca de 1500 hectares dos quais mais de mil em Fevereiro Março) mas não houve no Verão.
henrique pereira dos santos

TPais disse...

Henrique,
eu posso estar a ver mal dado o tamanho reduzido dos numeros nos gráficos mas fico com a nitida sensação que um mesmo ano tem valores diferentes de área ardida nos vários gráficos?!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Tiago,
O primeiro gráfico tem a média dos cinco anos, o segundo a área ardida nesse ano, o terceiro a média dos dez anos e no último a média dos vinte anos é portanto natural que em todos os gráficos o valor dos mesmos anos seja diferente.
henrique

EcoTretas disse...

Henrique,

Deixe-me dizer que a minha posição sobre os fogos florestais é muito clara: primeiro, é crime, e deveria ser tratado como tal! segundo, a indústria dos fogos retro-alimenta este problema e há que acabar com isso. Terceiro, o problema resolve-se não gastando milhões nos Kamovs e helicópteros, mas efectuando a limpeza da floresta!

Eu não disse que a área ardida não possa ocorrer daqui para a frente; aliás, dei justamente o exemplo do ano passado, 2007 creio eu, que justamente refere!

Quanto ao clima, os cientistas andam como a cigarra no Verão. Limitam-se a cantar... Se estivessem bem atentos, veriam que uma conjugação de factores está a inverter essa tendência de aquecimento global. E quando forem completa e publicamente desmascarados os trabalhos de Mann et al, se verificar como Hansen tem estado a contaminar as temperaturas mundiais, e como o IPCC tem incentivado tudo isso, vai ver que todo o mundo exigirá a restituição do Nobel da Paz do ano passado.

Passe pelo meu blog e leia algumas destas verdades inconvenientes!

Ecotretas
http://ecotretas.blogspot.com

TPais disse...

Quer dizer então que no primeiro gráfico cada barra diz respeito à média da area ardida nos 4 anos anteriores mais o ano em causa, é isso?
A estatistica é uma ferramenta interessante pois facilmente se adapta aquilo que queremos evidenciar (nem sempre é positivo).

Creio que a média deveria "ter tantos anos" quantos aqueles que são necessários para as caracteristicas das florestas portuguesas "incorporarem" as politicas ou alterações sociais que se forem produzindo. Que valor é este ao certo? Não sei dizer mas definitivamente os cinco anos parecem demasiado curtos, correndo o risco de associarmos os resultados às causas erradas.

Anónimo disse...

Caro Tiago,
A razão pela qual proponho os trinta anos é simplesmente porque esse é o intervalo que os climatologistas estabelecem como necessário para que uma normal seja pouco afectada pela variação interanual.
A partir do momento em que todos estamos de acordo que a área ardida anual depende em grande medida das condições meteorológicas apenas estabilizando a influência dessa variável podemos discutir o que efectivamente está a acontecer com a tendência de alteração do padrão de fogo que depende de outras variáveis.
henrique pereira dos santos