Introdução
A biodiversidade é, para muita gente um conceito abstracto sem qualquer relação com o seu dia a dia.
E no entanto a biodiversidade está directamente relacionada connosco através de milhares de pontos, dia a dia.
Se escolhemos uma maçã bravo de esmolfe ou golden, escolhemos dentro da diversidade biológica existente.
Se escolhemos entre vestir algodão, lã ou linho, escolhemos dentro da diversidade biológica que conhecemos.
Se bebemos um copo de vinho nem nos lembramos de como foi a variedade das videiras que nos permitiu ir buscar cavalos à América para nos defender da filoxera enxertando-os com as nossas castas.
Quando tomamos uma aspirina nem temos consciência de que foi a partir da casca do salgueiro que primeiro foram descobertas as suas propriedades e isolado o seu princípio activo.
Havendo actividade humana associada à biodiversidade é inevitável que exista uma ligação profunda entre actividade económica e biodiversidade.
A existência desta ligação, bem como da sua profundidade, não é um dado adquirido para muita gente, quer por parte dos que estão ligados aos negócios, quer por parte dos que estão ligados à conservação da biodiversidade.
A tomada de consciência da importância da biodiversidade para a sociedade tem ocorrido muitas vezes em consequência da degradação resultante de actividades económicas concretas e por isso se abriu um fosso profundo entre os mundos dos negócios e da biodiversidade.
A constatação de que este fosso provoca prejuízos sociais significativos, quer para os negócios quer para a biodiversidade, levou ao lançamento da iniciativa Business and Biodiversity que pretende aproximar as empresas e as pessoas que trabalham para a conservação da biodiversidade, integrando o conceito nos critérios de decisão das empresas.
A iniciativa é totalmente voluntária e explica-se em poucas palavras: as empresas fazem a avaliação do seu impacto na biodiversidade a partir da qual desenvolvem um plano de acção para a biodiversidade. É natural que este plano tenha medidas internas, isto é, dentro da lógica do negócio, para potenciar os seus efeitos positivos na biodiversidade e minimizar os efeitos negativos, e medidas externas, isto é, medidas que não fazem parte do negócio e que de alguma maneira compensem os efeitos negativos da empresa na biodiversidade.
Ponto de Situação
Decorreu recentemente o primeiro encontro das empresas Business and Biodiversity que no essencial permitiu um primeiro balanço da iniciativa, praticamente um ano depois da assinatura do primeiro compromisso, nesse caso por parte do Banco Espírito Santo.
A grande maioria dos compromissos existentes são recentes, tendo pouco mais de seis meses. É portanto cedo para ter resultados visiveis muito expressivos.
Ainda assim, repete-se, vale a pena o esforço de fazer uma avaliação da iniciativa.
O primeiro facto relevante diz respeito ao número de organizações que aderiram à iniciativa, quase 40, desde grandes empresas até pequenas empresas familiares. Desde empresas com forte pegada territorial visível e directa até empresas com negócios muito desmaterializados.
O conjunto de compromissos assumidos pelas empresas é muito variado mas a ideia base é sempre a mesma: olhar para o negócio, procurar os pontos mais fortes de ligação do negócio à biodiversidade e estruturar um conjunto de linhas de actuação das empresas a partir da identificação desses pontos de contacto.
A base não é a filantropia, ou seja, o apoio a actividades externas que pouco têm a ver com a actividade da empresas mas sim a integração do conceito de biodiversidade através do negócio central da empresa.
Sendo o compromisso do BES o mais antigo, é também o que já hoje produziu um resultado concreto que potencia a própria iniciativa: a publicação de um livro que contém o estudo que o banco fez sobre oportunidades de negócio associadas à biodiversidade (Miguel, João Luís et al (2008). Ganhar com a Biodiversidade. Oportunidades de negócio em Portugal, Actual Editora).
Há compromissos que combinam intervenções históricas de empresas no domínio da biodiversidade com a atenção a novos temas que surgem depois da reflexão feita, como é o caso da EDP que alarga a sua tradicional intervenção na conservação das aves aos peixes migradores fortemente afectados pelos obstáculos nos rios.
Há compromissos que vão para além da empresa e se projectam sobre a cadeia de abastecimento, como é o caso da Corticeira Amorim que disponibiliza um serviço técnico gratuito aos seus forncedores, na área das boas práticas e na identificação de oportunidades de gestão para a biodiversidade, a NovaDelta que intervém em todo o ciclo do café desde a produção, por exemplo em Angola, até às borras de café ou a Central de Cervejas que usa a sua relação comercial com os produtores nacionais de cevada.
Há compromissos de pequenas empresas de serviços que procuram motivar clientes e fornecedores para a integração da biodiversidade nas suas estratégias empresariais, para além de assumirem os seus próprios compromissos, como são os casos da Sativa, da Sair da Casca, da Bio3 e Ambiodiv.
Há compromissos que implicam aprofundar o olhar dos proprietários sobre as suas propriedades agrícolas considerando a biodiversidade como um activo que é preciso potenciar e valorizar, como nos casos da Herdade do Pinheiro, do Freixo do Meio, do Vale do Riacho, do Esporão, dos Fartos e da Companhia das Lezírias e mesmo o Grupo Ferpinta cujo negócio central é na indústria mas detém activos importantes do ponto de vista da biodiversidade.
Há compromissos com extensas redes de parceiros como no caso da Brisa. Aliás há um conjunto significativo de empresas que operam infra-estruturas e que aproveitam a sua presença territorial para potenciar a gestão dos espaços para a biodiversidade, como a REFER, a REN, a EPAL, a CME e a ANA.
Há compromissos mais desmaterializados como no caso da SIC, que todas as semanas produz e transmite em horário nobre uma reportagem sobre biodiversidade ou os CTT que usam as suas emissões filatélicas ou a Chamartin que usa os seus centros comerciais Dolce Vita para levar a discussão sobre biodiversidade a públicos mais vastos.
E há compromissos de empresas com forte presença industrial em grandes áreas territoriais como a Somincor, a SECIL, a GALP que intervêm quer nas suas propriedades quer na envolvente potenciando para a biodiversidade todos os espaços não essenciais para as suas actividades produtivas.
Grupos industriais com forte integração vertical, como acontece no sector da pasta e do papel com a ALTRI e o Grupo Portucel Soporcel, usam os vastos espaços que detêm e que são de menor valia produtiva (que de maneira geral coincidem também com os de maior valia ambiental) para os gerir potenciando a biodiversidade, para além de usarem as linhas de água para criarem corredores ecológicos que penetram os espaços de predominância produtiva.
Da mesma forma grupos de dimensão apreciável no Turismo, como a SONAE Turismo, estruturam intervenções dentro das suas propriedades mas também em áreas naturais próximas enriquecendo o seu próprio produto adicionando-lhes biodiversidade procurada crescentemente pelos seus clientes.
Recentemente o grupo Quinta das Lágrimas aderiu à iniciativa usando as suas unidades para promover a biodiversidade a partir dos alimentos, numa tendência que tenderá também a crescer.
Para além destas empresas, e de outras, há ainda uma ou outra organização empresarial como a Confederação dos Agricultores de Portugal ou o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal) que procuram apoiar a iniciativa junto dos seus associados.
O futuro
A iniciativa tende a crescer estando previstas novas adesões em breve e começando a sentir-se que a plataforma informal que reúne estas empresas começa a funcionar em rede potenciando-se os projectos mutuamente.
A atenção mediática sobre a iniciativa mantém-se, quer pela curiosidade natural de perceber de que forma se desenvolve uma nova abordagem de um tema, quer pela desconfiança que muitos sectores mantêm sobre as verdadeiras intenções das empresas quando decidem aderir voluntariamente a uma iniciativa de conservação da biodiversidade.
A questão da credibilidade da iniciativa é central no seu desenvolvimento.
Haverá sempre más utilizações da iniciativa mas o que se pretende é que esses sejam casos pontuais que com o tempo se tornem mais prejudiciais que benéficos para as empresas que adoptem posturas próximas do que se chama “green washing”, procurando com a adesão à iniciativa obter uma boa reputação ambiental que não corresponda a um verdadeiro compromisso com boas práticas ambientais.
Tem havido alguma discussão sobre a necessidade de alguma forma de verificação por entidades independentes, tipicamente da administração, dos compromissos assumidos.
A opção mantida até ao momento confia no público como avaliador dos compromissos assumidos. O que pressupõe transparência, reporte e divulgação do que vem sendo feito. E pressupõe interesse dos cidadãos de modo a que progressivamente se distingam as empresas com verdadeiros compromissos, assumidos de forma séria, independentemente de serem pequenos ou grandes, das empresas para quem a iniciativa pretende ser sobretudo uma oportunidade de comunicação.
A nossa convicção é a de que o risco de uma má experiência de comunicação neste domínio é demasiado elevado para que muitas empresas aceitem corrê-lo.
Quer do ponto de vista das empresas, quer do ponto de vista do escrutínio público que pode reforçar cada vez mais a credibilidade da iniciativa, quer ainda do ponto de vista da gestão da biodiversidade, a relação com o público e a comunicação associada é estrutural na iniciativa.
Os compromissos assumidos por cada empresa estão disponíveis na Internet, no site do ICNB, a transmissão do desenvolvimento dos compromissos e os seus resultados práticos estarão progressivamente disponíveis. Neste momento está disponível na Internet o conjunto de posters pedidos às empresas para ilustrarem o que estão a fazer neste momento. Estão previstos um conjunto de eventos em que se pretende facilitar o contacto do público com o que efectivamente é feito.
Esta opção por uma iniciativa totalmente voluntária e muito aberta tem vindo a mostrar uma enorme potencialidade porque ao responsabilizar as empresas perante os seus clientes e potenciais clientes as tem obrigado a um grande esforço de criatividade na adopção de compromissos que seja viáveis sob qualquer ponto de vista mas ao mesmo tempo significativos e com real utilidade social.
Como a tónica da iniciativa é posta na integração do conceito nas decisões de gestão de cada uma das empresas, os compromissos só são sustentáveis se se integrarem verdadeiramente nas opções de gestão do negócio.
Mas sobretudo se forem benéficos para o negócio.
O que temos vindo a verificar é um crescente número de responsáveis das empresas aderentes a aprofundar a sua ligação com a biodiversidade porque ao fim de algum tempo a trabalhar tendo em atenção o conceito de biodiversidade a sua utilidade para o negócio se vem revelando mais interessante que inicialmente era antecipado.
O conhecimento vai sendo interiorizado pelas organizações, a compreensão dos processos regulamentares ligados ao acesso às licenças vai sendo aprofundado, a adopção de soluções mais eficientes do ponto de vista do uso dos recursos vai garantindo resultados mas acima de tudo o enorme potencial de comunicação associado à biodiversidade vai demonstrando a sua utilidade.
A surpresa de uma das empresas pelo sucesso de uma acção de comunicação interna, à porta de um dos refeitórios da fábrica é um exemplo notável da ligação das pessoas aos valores naturais. Muitos dos trabalhadores comentavam as fotografias, sobretudo os animais mas também as plantas, os acidentes do terreno, os pequenos charcos que conheciam e a informação prestada.
Da mesma forma a reacção muito favorável do público a acções concretas de apoio consistente à biodiversidade têm demonstrado que as empresas que integram o conceito mais cedo e de forma mais consistente posicionam-se favoravelmente face às tendências de evolução da sociedade.
Por essa razão a iniciativa parece ter um futuro promissor, desempenhando um papel fundamental na capacidade de caminharmos no sentido de modelos de desenvolvimento em que a conservação do património natural que herdámos pode ser valorizado economicamente, criando riqueza ao mesmo tempo que o gerimos sem perdas.
henrique pereira dos santos
PS Publicado na revista Vez e Voz da Animar, associação portuguesa para o desenvolvimento local, Junho de 2008
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1 comentário:
Parabéns pelo blog. Gostaria de divulgar um blog novo de ciência, em que discutimos ecologia
http://discutindoecologia.blogspot.com/
Abraços.
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