sábado, novembro 29, 2008

Cinema, cidades e searas

Pareceu-me bem ilustrar o texto com "seara com ciprestes"

Não é a primeira vez que fico perplexo com as afirmações de Fernando Seara sobre um mais que obscuro processo de licenciamento da cidade do cinema em Sintra.
Com o processo de licenciamento não fico perplexo, fico simplesmente desanimado. Não porque não seja infinitamente mais grave que as afirmações de Seara mas simplesmente porque passou a ser o processo normal do Estado Português tratar o ordenamento do território:
Alguém apresenta um projecto fantástico do ponto de vista económico (chamavam-se estruturantes e aplicavam-se apenas ao turismo no governo de Cavaco Silva, chamam-se de potencial interesse nacional e aplicam-se a tudo o que seja grande e capaz de suscitar o apoio político necessário, com este Governo), alguém tem terrenos sem capacidade construtiva por via das regras de ordenamento e alguém aprova. Considera-se um processo de benefício global porque o Estado não gasta dinheiro (apenas cede a oportunidade de captar dinheiro de terceiros por via administrativa) e os privados vêm a competitividade dos seus projectos empresariais serem fortemente impulsionadas por mais valias urbanísticas.
Aparentemente ninguém perde com isso. E seria assim se as regras de uso do solo fossem meros caprichos de técnicos fundamentalistas sem qualquer noção do desenvolvimento do país.
Este Governo tem dado um fortíssimo impulso (aliás continuando o trabalho nesse sentido dos anteriores) para que esta ideia seja absolutamente dominante na sociedade, justificando-se assim todos os regimes de excepção aprovados já que apenas se está a corrigir uma idiotice de técnicos sem legitimidade democrática.
Que os planos decorram de decisões de órgãos eleitos, que em muitas casos decorram da lei é irrelevante nesta insidiosa campanha de descrédito das regras de uso do solo. Que as normas visem salvaguardar bens difusos que nos pertencem a todos, como a qualidade do território onde vivemos ou bens concretos com elevadas mais valias sociais (e por isso protegidos legalmente) como os solos agrícolas mais produtivos é também irrelevante.
Sendo isto assim, com base num consenso social muito alargado, sobretudo dominante entre os decisores políticos, não fico perplexo por mais este inacreditável processo que se desenrola em frente dos nossos olhos, com compras de 50 ha de terrenos por preços simbólicos que trazem associados acordos para rever os condicionamentos em mais 150 ha, fico apenas desanimado.
Mas até aqui tem havido algum pudor nesta matéria, sendo que é referido constantemente o facto de que toda a lei será cumprida (omitindo que usar a excepção prevista na lei para situações excepcionais está incluído no cumprimento da lei) e por aí fora.
Onde Seara inova é no discurso:
"Não permitirei que, em alguns casos, seja aprovado um PIN e qualquer operação urbanística e em outros não seja.".... O presidente da Câmara de Sintra recusa qualquer eventual "dualismo" de critérios: "O PIN não é só para os outros"" (do Público de hoje).
O que Seara vem dizer não é que se fará a melhor solução possível e não há alternativa de localização. O que vem dizer é que se os outros fazem eu também tenho direito. E que se existe um mecanismo na lei que isenta outros de cumprir a lei geral, eu também tenho direito.
Passo a passo, de excepção em excepção, está quase desmantelada toda a lógica de ordenamento do território do país.
Seara apenas vem, desbocadamente, demonstrar que já nem o pudor é necessário.
E enquanto isso o movimento ambientalista definha em influência social e cresce enquanto sector económico.
henrique pereira dos santos

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