domingo, novembro 23, 2008

Portugal sem fogos?

Procurando informação sobre uma questão concreta acabei por dar de caras com vários artigos sobre o facto de terem passado vinte anos sobre os grandes fogos do Parque Nacional de Yellowstone.Há vários artigos como este ou este que aparecem nos meios de comunicação sobre o assunto. Não falo sequer dos relatórios científicos sobre a matéria, a que aliás se acede facilmente procurando no google, por yellowstone fires ou yellwostone recovery ou coisas do género.
O testemunho, a verificação, é inequívoca.
Confesso que ao ler o que leio sobre este processo paradigmático me pergunto a mim próprio como é possível que em Portugal ainda se consiga assentar a mensagem sobre a gestão do fogo num slogan como "Portugal sem fogos depende de todos".An elk cow grazes near the Gibbon River in mid-June in an area burned during the 1988 fires. Natural fires allowed to burn fell from 17,944 acres a year from 1983 to 1988 to an average of 3,708 acres yearly between 1990 and 1994.

E pergunto-me se o êxito social, mediático e de comunicação associado ao tal slogan não depende dos tolos que de facto somos, confundindo dois ou três anos climaticamente favoráveis com justeza de políticas. Um pouco como a velha anedota do homem que cai do vigésimo andar e que em cada andar que passa vai murmurando esperançadamente para si próprio: "até aqui, bem vai".

henrique pereira dos santos

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Henrique,

Eu pensava que já tinha visto tudo na sua argumentação "pró incêndios".

Na ânsia de provar o impossível - o carácter altamente benéfico dos fogos incontrolados para a recuperação dos ecossistemas em Portugal, já estava habituado a vê-lo procurar os exemplos mais bizarros e (ecologicamente) deslocados.

Mas vê-lo citar um livrinho que é a bíblia dos adeptos da "Deep Ecology" contra o governo federal, no oeste americano, isso é que é uma grande novidade!

Um dia destes ainda o vejo a defender o veganismo...

B. Gomes

PS: Lá está o HPS outra vez a perseguir o mote do "Portugal sem fogos...". Caramba, quando é que percebe que cá, ao contrário dos Estados Unidos, das 12000 (doze mil) ocorrências só 1 ou 2% são de trovoada e que 95% dos terrenos florestais são de proprietários privados?

Bem sei que para muitos policy-makers o regime de propriedade em Portugal é uma chatice pegada - mais vale conceber estratégias e leis como se não existissem proprietários.

A crise é que, como sempre aconteceu, se não tratamos do problema à partida, ele no futuro trata de nós. E os confrangedores resultados das políticas conservacionistas e florestais das últimas décadas estão aí para o comprovar.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro B. GOmes,
Eu não citei livrinho nenhum, limitei-me a usar uma imagem belíssima para ilustrar o tema.
Segundo eu não defendo o "carácter altamente benéfico dos fogos incontrolados para a recuperação dos ecossistemas em Portugal" o que defendo é que os fogos são um sintoma da recuperação dos ecossistemas e os seus efeitos negativos são incomparavelmente menores, mais localizados no tempo e no espaço que geralmente referido.
Terceiro, é pena que persista em atacar a torto e direito posições que não defendi em vez de discutir os argumentos do post.
Quarto, quer discutir seriamente o "portugal sem fogos"? Se assim é, comecemos pela base: acha possível suprimir os fogos em Portugal? Defende uma política de supressão do fogo?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique,

Neste aspecto específico (o das estratégias!) estou com os nossos governantes:

Estratégia florestal nacional- prioridade à gestão de combustíveis através de meios como a silvopastorícia, o fogo controlado e a recolha de biomassa para a energia. (resolução do conselho de ministros 114/2006, pág. 6750 do diário da república).

http://dre.pt/pdf1sdip/2006/09/17900/67306809.PDF

Concorda ou discorda?

Plano nacional de defesa contra os incêndios- cinco eixos estratégicos, dos quais a preparação do território para resistir aos incêndios e a diminuição das ocorrências são as duas primeiras linhas estratégicas (rcm n.º 65/2006, página 3513 do DR).

http://dre.pt/pdf1sdip/2006/05/102B00/35113559.PDF

O Henrique concorda ou discorda?

Quanto à política de supressão de incêndios, só um tolo (como diria o Henrique) é que pode sustentar a retirada do fogo das paisagens mediterrânicas. O eng. Moreira da Silva e outros já o andam a dizer há 30 anos e, ao que me disseram há uns tempos atrás, até os serviços florestais o faziam no pinhal de Leiria no séc. XIX!!

Deve-se queimar, e muito, nalguns sistemas florestais, sobretudo fora do Verão. No período estival, só se podem deixar arder livremente em matas do Estado (ou baldios) e sob certas condições especiais, que isto não é o faroeste.

Quanto ao resto do território, vai sempre arder, por mais que se tente combater os incêndios - hão-de sempre existir incêndios de trovoada, acidentais, negligentes, etc., e maior ou menor competência no seu ataque. O Henrique terá sempre uma "valorização do território" por esta via, em dezenas de milhares de hectares garantidos anualmente.

Acha assim o Henrique que a política do "deixa arder" que os serviços federais americanos implementam em certas condições nos parques e matas nacionais públicos (sublinho, públicos) tem alguma sustentabilidade social (e ecológica, atendendo aos nossos índices de precipitação outonal) para ser aplicada no património privado português e com o tipo de piromania que prevalece no indígena?

É que é disso que fala o livrinho que o Henrique não citou - afinal era só paisagem...

B. Gomes

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro B. Gomes,
Estamos então de acordo que não faz sentido falar de Portugal sem fogos. É um progresso.
Vamos às questões específicas:
"Estratégia florestal nacional- prioridade à gestão de combustíveis através de meios como a silvopastorícia, o fogo controlado e a recolha de biomassa para a energia. (resolução do conselho de ministros 114/2006, pág. 6750 do diário da república)."
Estou de acordo com a silvopastorícia e com o fogo controlado, não estou de acordo com a história da biomassa para produzir electricidade. Acontece que nos instrumentos concretos de aplicação verificamos que o PRODER não trata a silvopastorícia como instrumento de modelação do território e gestão de combustiveis e que o fogo controlado prescrito não chega a 2000 hectares (na relaidade é muito menos mas é já para não ter de discutir o número). Ou seja, entre o que está escrito e o que se aplica prevalece a lógica da supressão do fogo.
Segunda pergunta:
"Plano nacional de defesa contra os incêndios- cinco eixos estratégicos, dos quais a preparação do território para resistir aos incêndios e a diminuição das ocorrências são as duas primeiras linhas estratégicas (rcm n.º 65/2006, página 3513 do DR)."
Não estou nem deixo de estar de acordo. Isto é uma mão cheia de nada (e ainda mais na prática que no escrito) e prevalece a lógica da supressão do fogo.
Agora o mais relevante:
"No período estival, só se podem deixar arder livremente em matas do Estado (ou baldios) e sob certas condições especiais, que isto não é o faroeste."
Não está em questão deixar ou não deixar arder livremente. O que está em causa é o que é preciso fazer para que seja possível gerir o fogo que, como diz, acabará sempre por existir. Acha que é reforçando os mecanismos de supressão? Eu acho que não. Acho que é sabendo exactamente o que pode arder sem grande prejuízo e o que se arder provoca prejuízos significativos. E nesta discussão a conservação aparece sempre a justificar prioridades que efectivamente não existem. E acaba por ser tudo prioritário o que conduz à lógica de supressão do fogo, da qual não discordo nem deixo de discordar, acho uma estratégia inconsequente e sem resultados.
Não discuti o livrinho cuja capa, belíssima, usei mas apenas a dizer duas ou três coisas que sei sobre fogos.
Não seria mais útil discutir isso? Por exemplo, a ideia que prevaleceu em 1988 de que yellowstone estaria irremediavelmente afectado por contraposição com a ideia actual, razoavelmente consensual, de que está melhor que antes?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique,

Mais uma vez mistura alhos com bugalhos.


HPS:
"Estamos então de acordo que não faz sentido falar de Portugal sem fogos."

Não, não estamos de acordo. Se temos um número brutal de ignições, para as quais nos anos médios e maus não há qualquer capacidade de resposta no sistema de combate (nem tem de haver!), então é prioritário avisar as pessoas a ter mais cuidado no uso do fogo, sobretudo nos períodos críticos.

Qual é o problema desta mensagem específica, que necessariamente tem de ser simples e cumprir as regras basilares de marketing e comunicação, se ela se destina a crianças e cidadãos que pouco mais conhecem sobre o problema do que o que vêm na televisão?

Está a confundir duas coisas: por um lado, o que é comunicação para o grande público, por outro lado o que deve ser uma mensagem específica e firme para quem detém a gestão do território ou dos combustíveis e que, eventualmente, tem de queimar (ou apoiar quem o faz para o fazer bem e na altura própria). Que como é óbvio não será “Portugal sem fógos depende de tódos”.

Há poucos fogos controlados em Portugal? Pois há. Então e o que andam a fazer os serviços públicos competentes? Estratégias, regimes e planos de ordenamento? Enfim, não vale a pena voltarmos à nossa velha discussão sobre se o serviço A ou B é uma múmia paralítica ou uma preguiça amazónica. Temos excelentes planos, é o que importa, alguém os há-de aplicar.

HPS:
"Acha que é reforçando os mecanismos de supressão? Eu acho que não. Acho que é sabendo exactamente o que pode arder sem grande prejuízo e o que se arder provoca prejuízos significativos"

E eu, obviamente, também acho que não - só adia e agrava o problema. Quanto à identificação dos terrenos privados a sacrificar, espero que o Henrique, na altura própria, esteja na linha da frente para explicar a estratégia aos respectivos proprietários. E para os indemnizar, quando se tratar de povoamentos produtivos, infraestruturas, prejuízos na qualidade da água em albufeiras com captações para consumo público, etc., etc..

Quanto a Yellowstone, o Henrique continua na estratosfera. Diga-me onde é que poderemos encontrar 10000 hectares seguidos de "Yellowstone" em Portugal e eu terei o maior gosto em debater a questão etérea dos incêndios em grandes parques nacionais, propriedade do Estado e com florestas naturais habituadas ao fogo.

Não se iluda é com a sensação de que, adoptando a política do "deixa arder", vai poupar nos financiamentos aos bombeiros e meios aéreos: pelo contrário, a coisa fica tão ou mais cara, pois precisa de mais meios e de maior sofisticação técnica no combate, para além de ter na mesma que assegurar a protecção de pessoas e infraestruturas*.

A posterior venda de carvão e de torresmos de coelho não vai chegar para pagar tudo isso, com certeza.

B. Gomes


* Já em postagem anterior lhe dei o número: o "deixa arder" de Yellowstone em 1988 custou aos cofres do Estado americano, só em acções de combate, 120 milhões de dólares, várias vezes o orçamento anual desse parque.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro B. Gomes,
O post tem uma tese: os efeitos do fogo, quando analisados ao fim de algum tempo, ao contrário do que é costume, são bem diferentes do que é o senso comum. Os fogos de yellowstone, pela suas dimensão e porque foram estudados profundamente nos seus efeitos durante os últimos vinte anos, são bem uma demonstração disso.
Porque não discutimos isso e persiste em querer discutir uma hipótese que nunca ninguém pôs em cima da mesa, a do "deixa arder" em Portugal?
Segundo, um dos princípios básicos do marketing é não vender gato por lebre. "Portugal sem fogos depende de todos" é muito gato e pouca lebre. Porque nunca haverá Portugal sem fogos como toda a gente perceberá no primeiro ano difícil que aí vier (o que qualquer pessoa atribuirá à incompetência não se sabe de quem porque entretanto lhe estiveram anos a dizer que era possível ter um Portugal sem fogos) e porque não depende essencialmente das pessoas haver mais ou menos fogos mas sim das condições climáticas (como sabe a área ardida não tem qualqur relação com o número de ignições).
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Não tendo tempo para contribuir para a discussão deixo apenas uma pequena clarificação. A designada política do "deixa arder" era oficialmente designada como "prescribed natural fire" e, mais recentemente, "wildland fire use". Consiste em deixar arder os incêndios, geralmente de origem natural, desde que não ameacem bens/infraestruturas e desde que ardam em condições que satisfaçam os objectivos de gestão do território. Para ter uma ideia da importância deste "deixa arder" nos EUA diga-se que é superior à área de fogo controlado, que por sua vez é a principal actividade do Forest Service.
Poderia esta política ser adoptada, aliás adaptada, para a Europa,? Não tenho a menor dúvida de que sim. Aliás, ela já é involuntariamente praticada em Portugal (nas épocas do ano em que a prontidão do dispositivo de combate é menor).
Quanto ao slogan do "Portugal sem fogos..." o melhor que se pode dizer dele é que é patético q.b. ...

Cps
Paulo Fernandes

Anónimo disse...

Paulo Fernandes,

Olhe que pelo que ouço dizer, por cá a coisa não é tão "involuntária" assim, mesmo no verão, desde que sejam baldios de pasto, aquilo que temos mais próximo do faroeste.

Quanto ao slogan, cada qual tem o seu gosto. Agora lá que não foi o Fernando Pessoa ou o Alexandre O'Neil a inventá-lo, isso vê-se bem. Tal como a mensagem inicial do Smokey Bear, também tem de levar um upgrade...

B. Gomes