Estive um dia destes com um caçador inveterado que vejo de tempos a tempos e a quem gosto de ouvir as histórias que conta do alto dos seus mais de oitenta anos, ainda suficientemente activos para me ter dito que teria uma caçada neste fim de semana.
Uma das razões por que gosto de ouvir as histórias é porque são ecos de mundos diferentes, quer que o que conheceu por ouvir dizer, como o do seu bisavô conhecido por mata lobinhos, homem de pontaria afinada que recuperava as balas com que matava um lobo ou um javali para a usar num novo cartucho, quer as que conta da sua própria experiência, como a última caçada ao lobo no Alentejo, onde se teriam matado 12 lobos com a ajuda de 120 batedores.
Naturalmente, por deformação profissional, vou perguntando onde, quando e etc., para procurar juntar o puzzle de informação sobre biodiversidade que vou tendo na minha cabeça.
Perguntei-lhe pois se também sabia de caçadas onde se tivessem morto linces, ao que me respondeu que não, que aquilo é um gato que sobe pelas árvores e os cães não serviam para esse tipo de caça. E de qualquer maneira era bicho raro, ele crê ter visto um, não tem a certeza, mas sabe que haveria ali para o lado da fronteira que liga à serra Morena e numa herdade que descreveu, entre Alcáçovas e Alcácer do Sal (numa confirmação da informação da área de ocupação histórica que eu conhecia).
Mas foi ao ler o Público de hoje, num longo artigo sobre a recuperação do lince-ibérico, que me deu vontade de fazer este post (deixando para depois um segundo, estritamente sobre a conservação do lince -ibérico).
É que no fim do artigo o jornalista (Carlos Dias, de seu nome) atribui a diminuição drástica do coelho ao facto de haver alterações de habitat e, surpresa, ao facto de ter sido dizimado pela caça.
Muita gente sabe que isto é um disparate do tamanho do mundo. Muita gente sabe que não é possível falar da evolução das populações de coelho sem falar das doenças que, essas sim, os dizimaram, arrastando muitos desiquilibrios na cadeia trófica de que o lince é o mais emblemático perdedor.
A caça tará tido dois efeitos contraditórios: quando mal gerida, com largadas insensatas, espalhou essas doenças. Quando bem gerida, com boa gestão de habitat, aguentou as populações de coelho nas maiores densidades de coelho do país.
É verdade que na conservação de algumas espécies a caça teve um efeito significativo negativo. Mas no caso do coelho, cujo habitat favorável nas nossas condições exige gestão activa, a caça dificilmente poderia ter dizimado uma população abundante e que se reproduz como coelhos e que não se deixa caçar em massa como os bisontes.
Mas a caça é um bom bode expiatório porque associamos a morte de animais a afectação das populações.
O que, por si só, está longe de ser verdade.
henrique pereira dos santos
16 comentários:
Essa da reutilização da bala está muito bem metida. O Henrique não sabe que os caçadores gostam de pregar petas? Faz-me lembrar aquela história do Raul Solnado que na guerra, por falta de munições, atava um cordel à bala...
Quanto ao Lince, morreram muitos em batidas. Fotografias do séc. passado comprovam-no. Também ainda deve por aí haver alguns, senão porque se esbanjaria dinheiro dos contribuintes em projectos de conservação dessa espécie no terreno?
Quanto à sua proposta de tréguas, dois posts atrás, acho que faz muito mal. "Eles" não o merecem. Assim que saem da toca, Pum! (já que a mote é caça). É a única atitude possível face a tão desmesurada falta de ética e desonestidade moral.
Jaime Pinto
Caro Jaime,
Sim, eu sei que os caçadores são dados a petas mas isso não significa que não se registe o que dizem (sobretudo depois de verificar num ou noutro caso que a informação tem fundamento, mesmo dando o desconto das traições da memória).
Sei isso mas também sei que no tempo da pólvora preta recuperar uma bala que atingiu um animal e que ainda poderia ser usada é menos improvável que hoje, mas a história vale por si, não por ser verdadeira ou não.
Eu não propus trégudas, limitei-me a achar razoável a observação do Miguel Araújo. De facto o blog corre o risco de ser acusado, justa ou injustamente, de estar ao serviço de agendas pessoais. E acho razoável alguma contenção que retire esse argumento de cima da mesa.
Direi o que tiver a dizer, posso ser mais comedido na frequência e na forma e acho melhor que assim seja, tanto mais que não generalizo tanto como o Jaime a falta de ética e honestidade: a maioria dos membros e mesmo dos profissionais das ONGAs estão dentro dos padrões gerais da sociedade em matéria de honestidade, ética e probidade.
A minha guerra não é com pessoas, é com os procedimentos que podem ser usados pela minoria em proveito próprio.
henrique pereira dos santos
Boas sou leitor deste Blog, e a suas análise sobre ambiente em que algumas delas eu concordo.
Não podia deixar de dar uma achega sobre este post pois sou caçador.
De facto imputar o extremínio do lince aos caçadores por terem dizimado as populações de coelhos só pode vir de pessoas que não conhecem o mundo real, nem ao menos tentam falar com pessoas que tem conhecimento factual. Dou como exemplo a actual época venatória que na minha zona, que antes de iniciar a caça todos os colegas pelas voltas que dava-mos pelo campo viam-se uma população muito interessante de coelhos, porém com o chegar do final do verão parecia que os coelhos como que "desapareceram da face da terra".
E isto antes de começar caça ao coelho. Motivos, a mixomatose e a hemorragico-viral. São estes os principais culpados do declínio do coelho.
Mas além deste problemas, temos espécies invasora que não vejo ninguém (dos especialistas de gabinete e conservacionistas) preocupados, como por exemplo as pegas azuis.
Esta espécie é particularmente nefasta a vários níveis, além de atacarem as árvores de fruto, são especialmente oportunistas, atacando quando tem oportunidade ninhos de perdizes, perdigotos, pequenos láparos, e por vezes pequenos pássaros que apanhem desprevenidos.
E o pior é que existem cada vez bandos maiores. E devido ao seu nível de organização não têm predadores que lhes consiga fazer mossa facilmente, uma vez que cada bando tem um ou mais elementos que são responsáveis por dar alerta em caso de perigo eminente.
E outra coisa que gostava de saber que é feito ás verbas que são arrecadadas pelo Estado todos os anos com as licenças de caça? Que repovoamentos já foram feitos com essas verbas?
Zero!
Infelizmente os únicos repovoamentos que são feitos tem que ser os próprios caçadores, assim como em alguns locais limpar nascentes, e criar culturas propositadamente para algumas espécies, pois infelizmente cada vez existem mais terrenos ao abandono.
ps: relativamente à regeneração dos terrenos pelo fogo, o que tenho comprovado, é que aqui na minha zona é que as zonas que arderam à aproximadamente meia dúzia de anos estão neste momento com uma população de carvalhos negrais bastante interessante, pois deu lugar a muito mato de giestas negrais e pinhais que são muito menos interessantes quer em termos visuais quer em termos de diversidade de espécies.
A ver se começo a ver mais galinholas na mina ZCA ;)
Abraços cinegéticos
ps2: onde se le "deu lugar" deve-se ler "substituiram"
Caro Spawm,
O problema das espécies invasoras preocupa muito boa gente.
Se se fizesse um top três dos maiores problemas para a biodiversidade penso que o das espécies invaoras estaria sempre presente, quaisquer que fossem os critérios e as pessoas que constituíssem o júri.
Se se fizesse o top um da dificuldade de resolução eu diria que em muitas circunstâncias quem levava a taça era este problema.
Já quanto ao facto das pegas azuis serem um dos problemas maiores das invasoras tenho as minhas dúvidas. Ainda recentemente me chegou uma reclamação (faz parte do meu trabalho receber as reclamações que chegam ao ICNB pelo endereço de mail que está no site do ICNB, que é o meu) sobre esse assunto, que foi respondida pelos meus colegas que sabem do assunto (não será o meu caso) e pareceu-me que há um claro empolamento quer da expansão da pega azul, quer dos seus efeitos negativos.
Fui agora verificar ao novo atlas das aves nidificantes e a sua classificação como invasora não parece ser correcta mas registo que em muito pouco tempo é a segunda referência à sua crescente densidade e aos seus estragos, quando o atlas a refere como pouco abundante (embora em expansão para o Norte, ao longo da raia).
Quanto à questão das taxas de caça vale a pena ter em atenção que as taxas visam pagar os custos dos serviços prestados (por exemplo, no caso das licenças de caça, pagar o custo da emissão das licenças e etc.). Para mim não é líquido que deva ser o estado a fomentar a caça e acho razoável que sejam os caçadores a fazê-lo (excepto em circunstâncias em que a caça representa mais valias sociais não directamente remuneradas pelo mercado, como quando a caça é um poderoso instrumento de conservação, por exemplo no caso da recuperação das populações de coelho nas áreas de ocorrência potencial de lince).
Dito isto gostaria de deixar bem claro que os repovoamentos são, na sua maioria, uma péssima opção para a gestão das populações de coelho. Podem justificar-se integrados em programas de reforço das densidades de coelho em que o nível existente dificulta muito a recuperação das populações por via da gestão de habitat mas é preciso ter em atenção o elevadíssimo risco de contribuirem para a prevalência das doenças que citou.
Agradeço a sua observação sobre a evolução da vegetação após fogo.
henrique pereira dos santos
Quanto à pêga azul eu apenas o referi por ter um impacto bastante negativo quer na agricultura quer em algumas espécies cinegéticas, principalmente na sua fase mais critica. O que é um facto, é que a zona onde costumo caçar até à poucos anos não havia pêgas azuis e neste momento existem num número considerável. E não são só os caçadores a queixarem-se delas, falem com qualquer agricultor (em especial os que sejam produtores de fruta) e irão ver que a opinião que tem delas também não é muito positiva. Na nossa quinta, por exemplo, se nos descuidasse-mos e só fossemos a colher a fruta quando estivesse madura, não iria-mos colher quase nada.
Um dos meus colegas de caça ficou inclusive chocado quando quando viu uma pega azul a atacar um pequeno pássaro, que nem sequer estava ferido, pois ele não fazia ideia que elas fossem capaz de o fazer. O meu pai depois confirmou que de facto ele também já tinha assistido algumas vezes a esse fenómeno. É pena que seja um pássaro tão nocivo, pois é bastante bonito.
Relativamente ao custo de imprimir a licenças neste momento praticamente não existe pois são todas emitidas por multibanco.
A maior parte das zonas de caça já à muito tempo que sabem que não é boa politica repovoar com coelhos de outras zonas geográficas. Só o fazem como último recurso. Neste momento algumas delas já tem pequenos cercados, para reprodução, e onde normalmente grande parte desse população é vacinada antes de ser libertada. Quando não tem efectivos suficientes tentam sempre ir buscar coelhos que sejam o mais próximos em termos geográficos da zona de caça em questão, e todos esse são sempre vacinados. Mas essa doenças, pelo pouco que tenho observado, são mais mortais quando estão reunidas certo tipo de condições climatéricas no final da época preferencial de reprodução. Por exemplo o ano passado foi excepcional para os coelhos, este ano parecia que ia ser igual, mas depois a falta de chuva na época critica deitou tudo a perder.
Na nossa zona de caça nem nos queixavamos muito pois temos bastantes aves de rapina, o que evita que apareçam muitos coelhos com a doença, pois normalmente são caçados pelas mesmas de forma preferencial, mas o exesso de mato também lhes temdificultado a vida ultimamente.
Relativamente aos fogos na nossa zona desde que alguns pastores "chave" foram "ameaçados" (por assim dizer, foi-lhes dito que se apanhassem o seu gado a pastar onde não deviam por alguns proprietários que não queriam o gado a pastar nas suas propriedades, mesmo que tivessem ardido e não tivesse nada nos terrenos, parecem ter sortido efeito, já à muitos anos que não temos fogos na zona, o que se tem refletido positivamente nas populações e azinheiras e carvalhos. E pelo que vejo se continuar assim vamos passar a ter umas populações de pombos, galinholas e javalis muito maior.
Ps: se quiser observar o esta regeneração do carvalho , basta dar uma volta pela A23 entre a Benespera e a Guarda e no vale que vai do Porto da Carne para Vila Franca das Naves.
Cumprimentos cinegéticos
Caro Spawm,
Obrigado pela sua informação sobre a pega azul e vou ver se quem sabe do assunto a comenta (já agora, os especialistas em aves que lêem o blog poderiam dizer qualquer coisa sobre o assunto, sempre ajudava a esclarecer a questão).
Quando digo que o dinheiro das taxas é para pagar os serviços não quero dizer que sejam para pagar a impressão das licenças. Há todo um trabalho associado à emissão de licenças, de caça e outras, que é o que se pretende que seja pago pelas taxas, incluindo, por exemplo, os pareceres dos técnicos.
A questão dos repovoamentos é um pouco mais compllicada que a vacinação, mesmo que se façam as quarentenas e por aí fora. Tenho consciência de que hoje os caçadores são muito mais cuidadosos do que já foram no passado e é verdade que a incidência de doenças varia de ano para ano, provavelmente também com as condições concretas de cada ano.
Mas também neste assunto espero que pessoas que sabem mais do assunto possam contribuir para esta discussão, que é muito relevante do ponto de vista da conservação.
Quanto ao fogo, deixe-me dizer-lhe que foram já feitos vários estudos sobre a relação entre a pastorícia e a incidência dos fogos, nomeadamente pela Universidade de Trás-os Montes e uma das principais conclusões é a de que não há diferença significativa de incidência de fogos em zonas com mais pastorícia (o Paulo Fernandes, pelo menos, pode corrigir-me se eu estiver a ser pouco preciso porque não tenho aqui à mão o estudo que li há tempos).
O que acontece é que os fogos têm vindo a ser maiores, mais severos mas menos frequentes.
Esta menor frequência foi acentuada por três anos seguidos muito favoráveis do ponto de vista meteorológico, pelo que tremo só de pensar no primeiro ano em que as condições sejam mesmo más.
O mais natural é que quanto mais tempo tenha passado desde o último fogo mais hipóteses há de haver um fogo nos próximos anos, que será mais violento e mais extenso que os anteriores porque há mais combustível no terreno, como confirma com as suas observações.
Quanto às saudações cinegéticas, aceito-as com certeza mas deixe-me contar-lhe uma história com mais de dez anos.
Nessa altura era eu representante do ICNB no defunto conselho nacional da caça, onde nessa altura havia muita tensão entre os caçadores e os ambientalistas.
Os representantes dos caçadores queriam poder levar pessoas a partir do catorze anos para os campos de treino porque entendiam que só havia vantagem numa boa formação dos caçadores desde cedo.
Os representantes das ONGAs, no caso o João Claro, se não me engano, pretendiam que a idade mínima fosse a que permitia ter licença de caça, penso que 18 anos, com o argumento de que não era legítimo condicionar as opções cinegéticas de crianças.
O Estêvão Pape, representante de caçadores, argumentou que tinha cinco filhos, uns caçadores outros não porque ou se nascia caçador ou não se nascia caçador.
Mais tarde, penso que ao almoço, vários representantes dos caçadores insistiam para que eu fosse a uma caçada.
Nessa altura eu era vice-presidente do ICN (não pertencia por isso nem ao grupo dos caçadores, nem ao grupo dos ambientalistas e procurava manter esse estatuto de neutralidade) e não queria ser indelicado recusando o convite mas não queria ir à caçada.
Estava aflito para resolver a situação incómoda até encontrar o que me pareceu uma boa saída:
com o mais simpático dos meus sorrisos expliquei que ou se nasce caçador ou não se nasce caçador e a verdade é que eu não tinha nascido caçador.
henrique pereira dos santos
Pois percebo que seja complicado quando se pretende manter um certa imparcialidades nestes assuntos algo delicados pois mexem com paixões que por vezes parecem antagónicas.
Em relação à maior ou menor incidência de fogos devido à pastorícia, esses estudos da UTAD também tive conhecimento deles através do meu irmão que foi lá aluno em Florestal. Porém na zona que conheço melhor os fogos (anuais!) que sofríamos eram quase sempre de origem humana e para a pastorícia. E como posso afirmar isso? Simples os pastores com alguns dos maiores rebanhos da região não tinham sequer 1 hectare de terra, estamos a falar em rebanhos de centenas de cabeças.
Sempre se serviram do argumento (que eu comecei a escrever no outro post mas depois interromperam-me e nem me apercebi que não tinha completado a frase):
"... oh ti "Manel" não me quer arrendar aqueles cabeços lá acima, aquilo não tem lá nada de jeito, olhe dou-lhe ..."
Como é normal esse cabeços não tinham nada de jeito pois todos os anos faziam questão de lhes deitar o fogo para que o mato não crescesse, e terem sempre pasto.
Só que com os incêndios nem as árvores se conseguiam desenvolver.
E normalmente como toda a serra não tinha nada a não ser pasto, ninguém se importava que eles andassem com o gado pelos terrenos.
Ao meu pai quando lá comprou a quinta também lhe vieram com essa conversa, a resposta do meu pai foi mais ou menos a seguinte:
"-Eu não arrendo nem quero lá ver o gado.
- Mas tem lá aqui tudo cheio de mato, que volta e meia arde...
- Não me importa, nem que o terreno tenha só pedras, não quero lá ver nem um animal porque se apanho lá algum considero-o como meu e faço com ele o que entender..."
O que é verdade é que nunca houve naquela zona tanto mato como agora, mas o que é facto é desde então não tem ardido, já ardeu em terrenos à volta com muito menos mato, mas não ali. Pois a mensagem passou.
Vantagens com a falta de fogo? temos neste momento lá na quinta uns belos exemplares de azinheiras, carrascos e carvalhos, que vamos desbastando de vez em quando para lenha. E mesmo a giestas dão bons montes para meter na fogueira quando a queremos acender!
E graças a este exemplo já mais pessoas proibiram os pastores de pastarem nas suas terras, pois viram que se tomassem esta atitude até podiam ter algumas árvores nos seus terrenos para lenha, e o que é facto é que já à alguns anos que se tem vindo a notar uma gradual diminuição dos fogos na zona.
Ou seja o que quero dizer, é que nem sempre o que é verdade para uma zona é verdade noutras apesar de aparentarem características semelhantes.
ps: por acaso eu, o meu irmão e o meu pai andamos com ideia de fazer alguns fogos controlados na quinta para limpar algum do mato em excesso, porém a quantidade de giestas , tem nos mantido de pé a trás, pois temos zonas de giestas de 2 a 3 metros de altura, e aquilo a arder parece pior que gasolina.
Este para nós era o melhor processo para manter uma floresta com menos carga combustível no solo. Mas infelizmente existem muito poucas pessoas no pais que consigam executar estas operações com alguma segurança.
Cumprimentos cinegéticos
:)
Entenda este comprimento de um caçador que gosta da natureza, sendo alias a caça a razão principal porque me interesso por estes assuntos.
Assim como todos os caçadores que conheço, pois gostam de manter populações saudáveis de animais (cinegéticos ou não) e plantas também o mais diversificadas possível, pois é sempre sinal de vitalidade.
Os estragos avultados causados pela Pega-Azul sobre aves, nomeadamente em espécies cinegéticas, tantas vezes evocados pelos caçadores, não têm sentido e a confirmá-lo existem alguns estudos sobre o assunto.
Dentre estes, pelo menos um deles, foi realizado em Portugal.
Neste estudo que aqui faço menção e que foi realizado na Extremadura espanhola, verificou-se que os vertebrados constituem uma fracção muito pequena (4,6%) da dieta desta espécie ao longo do ano (http://www.vertebradosibericos.org/aves/trofico/cyacyatr.html). As diferenças na dieta da prole para os adultos são algumas e também esta matéria foi objecto de um estudo realizado em Portugal (http://www.ardeola.org/files/ardeola_507.pdf?lang=EN).
Obrigado ao Paulo Pereira e transcrevo também, com pequenos ajustes, o que me foi transmitido pelos meus colegas que sabem do assunto:
"A pega alimenta-se sobretudo de insectos e frutos e sementes. Ocasionalmente pode (se descobrir o ninho) alimentar-se de ovos ou crias de passeriformes. Por vezes acontece uma vez que “patrulham” as árvores em buscas de insectos (escaravelhos, aranhas) ou dos frutos e sementes.
É muito raro verem-se no chão a alimentar-se. Vivem em bosques ou floresta, pelo que a predação de ninhos de perdiz é muito pouco provável. Quem os preda são sobretudo lagartos e saca-rabos, dependendo da região.
Um grande predador das perdizes são os automóveis!! Vejo muitas ninhadas inteiras esmagadas nas estradas.
Já foram referenciadas pegas a comer animais mortos. Numa das referências estavam a comer um burro morto.
É obvio que existem sempre excepções e que será possível observar ocasionalmente comportamentos divergentes do comum, mas isso não justifica generalizar e atribuir culpas apenas porque estão presentes.
As pessoas agora têm a sensação de que existem mais aves porque isto está a tornar-se um deserto com “ilhas” dado o abandono da agricultura, da pequena agricultura que fazia com que estas espécies se distribuíssem de uma forma não tão concentrada. Como agora resta pouco e o que resta se situa sobretudo junto das aldeias ou vilas e até das cidades, as pessoas vêm-nas melhor, mais concentradas em buscas de alimento e acham que há mais.
Temos recebido queixas sobre outras espécies e que transmitem esta mesma “sensação” de "há mais"! No entanto estão apenas mais concentradas onde há alimento disponível.
Faz-me lembrar um episódio que me aconteceu. Um agricultor telefonou a queixar-se que os pombos lhe andavam a comer as favas que tinha semeado. Fui lá e o que eles andavam a comer era a semente do trevo que o lavrar da terra tinha levantado, mas como o agricultor via os pombos no terreno concluiu que andavam a comer as favas. Quando peguei na semente da fava e lhe perguntei como é que eles as partiam para as conseguir engolir lá consegui convencer o agricultor."
Obrigado a quem em permitiu esta resposta que acho didáctica, colorida e bem demonstrativa de que trabalhar no ICNB é muito mais divertido do que muita gente pensa.
henrique pereira dos santos
Boas,
Infelizmente na zona em questão temos bandos relativamente grandes de pegas azuis, a floresta existente na zona devido aos fogos como relatei antes, é muito reduzida como podem constatar no google earth 40°40'8.63"N e 7°16'49.46"W.
Nesta zona é relativamente comum verem-se pegas no chão.
O que é facto é que elas se alimentam de vertebrados e numa zona como a nossa onde existe pouca floresta, a zonas de árvores de fruto têm pouca expressão,duvido que à falta de frutos vá compensar essa falta exclusivamente através de insectos. Como é lógico irão alimentar-se muito mais do que os 4,6% indicados, de vertebrados e de ovos de ninhos que encontrem.
E estive a ver os links que propuseram não percebo bem aquelas percentagens 4,6% de frequência de aparecimento de vertebrados porém somando os valores excedemos os 100%?
E outra curiosidade como contabilizaram os ovos consumidos? Pelo que pude ler a contabilização de consumo de ovos seria pela presença no conteúdo estomacal de amostras de cascas. Isso corresponderia a 1 ninho 2 ? mais?
E os impactos negativos nos ninhos visitados? Sendo aves gregárias, em cada ninho visitado, será quase de certeza também pelo grupo, qual a taxa de sobrevivência da espécie que sofreu o raid? 50% 0%?
A razão de queixa nos caçadores não são os "avultados" prejuízos, o que é grave, é que sendo um espécie em expansão, e estando-se a implantar em áreas já muito pressionadas para algumas espécies cinegéticas devido à redução das suas áreas de alimentação, é o facto de ser mais uma variável, com um impacto negativo (principalmente quando temos vários bandos com largas dezenas de indivíduos), e não haja medidas correctivas ou na espécie em expansão, ou então incentivos à manutenção dos espaços de alimentação das espécies mais pressionadas, de forma a minimizar os impactos negativos.
Caro Spawm,
Passarei a sua informação, mais detalhada agora, devo dizer que este tipo de queixas são razoavelmente frequentes, com a pega azul e outras espécies, mas a maior parte das vezes não têm tanto fundamento quanto parece a quem as faz.
Mas nessas coisas acho que quando alguém insiste e fundamenta a obrigação da outra parte é verificar.
Veremos o que é possível.
henrique pereira dos santos
Vários estudos sobre esta temática, realizados em diferentes locais, apontam no mesmo sentido e aproveito para divulgar outro trabalho, editado em Julho de 2003 com o objectivo concreto de conhecer a dieta da Pega-azul no Parque Natural do Tejo Internacional (http://portal.icnb.pt/NR/rdonlyres/787F3F25-71A4-4162-B260-2517DFE2E12D/0/PNTIPegaAzul_Dieta_Distribuicao_2003.pdf), que não é excepção.
Apenas considerando que a realidade da ocupação do solo possa ser tão diferente de outras onde se efectuaram estudos sobre a dieta da Pega-azul, se poderá considerar razoável aceitar como possível uma dieta tão desviante, contudo, nesse sentido, também poderíamos interrogar-nos sobre a adaptação a um habitat com características tão diferentes daqueles que são conhecidos para esta espécie.
O que me parece que está acontecer naturalmente, na situação relatada pelo Sr. Spawm, é simplesmente uma recolonização de áreas em que, outrora, esta espécie era mais numerosa como se pode ler no estudo referido e que passo a citar "Também nas zonas da Guarda, Sabugal e Idanha-a-Nova as espécies foram observadas
na década de 60 (Santos Júnior 1965). Há igualmente referências da Pega-azul estar
presente no Algarve no início do Século XX e de serem abundantes na região por
meados dos anos 40 (Neves 1984)".
Antes de mais queria agradecer pela bibliografia disponibilizada, é sempre bom poder ler trabalhos sobre estes assuntos.
Por acaso o "imputar" de culpas de alguns problemas, neste caso à pega azul, deveu-se ao facto de alguns dos que indiquei se terem agudizado com o ressurgimento da espécie na zona em em questão.
Como é lógico nem todos os problemas adviriam delas, mas que não vieram a ajudar não vieram.
Até porque outros predadores de topo surgiram na nossa ZCA e não é por essa razão que lhes imputamos ao declínio dos efectivos cinegético. Por exemplo ressurgiram na nossa zona as águias cobreiras, e outras rapinas também têm tido um aumento de população interessante.
Para mim e os meus colegas de caça é sempre um incentivo ver estas aves pois é sinal que existem presas em número suficiente e por outro lado animais doentes não duram muito tempo no campo, o que é sempre bom.
Bem para terminar entendam apenas o meu desabafo relativamente, à pega não era sobre ela especificamente, era mais um exemplo de que alguns fenómenos da dinâmica das espécies, e a sua expansão têm um preço associado que infelizmente nem sempre é avaliado em tempo útil, de forma a serem tomadas medias correctivas necessárias, sejam elas quais forem.
Pois como deveram perceber não é agradável para agricultores e caçadores manter populações de espécies que sejam prejudiciais ás suas actividades, sem nada receberem em troca, sejam ajudas ou disponibilizados meios legais que lhes permitam reequilibrar as populações.
Por favor não entendam isto com:
"Prontos lá estão os caçadores a querer ter mais uns animais para abater."
O que não é o caso, porque por exemplo as batidas ás raposas são autorizadas e no entanto é muito complicado conseguir para esses dias caçadores em número suficiente para fazer uma batida como deve ser.
O que todos os caçadores gostam é de ter populações saudáveis e em números equilibrados.
Por exemplo este ano na nossa ZCA fechamos a caça ao coelho e perdiz no dia 22 de Novembro. Pois este ano foi notoriamente um péssimo ano para a reprodução da perdiz e para o coelho o que parecia no inicio ser um ano excelente, esfumou-se devido ás doenças ...
Bem peço desculpa por ter sequestrado este post do blog com um assunto um pouco lateral ao seu âmbito normal :)
Sem mais
Cumprimentos
Caro Spawn,
Sinta-se convidado: é quando os comentários saem do circuito fechado em que temos tendência a estar que trasem mais interesse ao blog.
Já agora aproveito para mais alguma informação a que acabei por ter acesso em função das questões que levanta.
"Acredito que naquela situação e tendo em conta a descrição que o senhor faz do local (incêndios etc.) as aves tenham de procurar outras soluções. O problema da ideia de correcção de densidades é que estamos a falar de uma espécie endémica da Península Ibérica e portanto única na Europa e no paleártico, pelo que seria muito difícil explicar não só a necessidade de as abater para tentar eventualmente “corrigir” (se é que lhe podemos chamar assim) uma situação que fomos nós (homens) que provocámos, quer pela destruição de habitat quer pelas outras alterações que provocamos. Isso parecer-me-ia um pouco ilógico à luz dos conceitos ecológicos que têm por base o equilíbrio entre as espécies, mas tal deve acontecer normalmente de forma natural. A população só crescerá se é que isso aconteceu, até que os recursos alimentares o permitam, depois ou estabiliza ou entra em declínio. É dos livros!!
Continuo a não concordar com a teoria da expansão.
Voltamos à teoria do controle de predadores? Julguei que já estivesse a passar, mas retornar a isso com uma espécie destas, não me parece que faça sentido. A gestão do habitat parece-me mais razoável e seria o correcto.
Eu tenho muitas situações que depois de uma observação mais cuidada se obtém informação substancialmente diferente da que as pessoas que não estão habituadas a ver estas situações referem.
Além disso a predação referida para as pegas azuis só poderia acontecer durante a época de reprodução e nessa altura o comportamento delas é diferente do que acontece agora. Enfim isto não é tão linear como às vezes parece".
Estes são extractos escolhidos de uma troca de mails sobre este assunto, minimamente ajustados a um formato de conversa diferente.
Por mim acho que vale a pena quando as pessoas confrontam civilizadamente os seus pontos de vista, sobretudo quando se confrontam situações efectivamente observadas (bem ou mal interpretadas fará parte da discussão) com o saber dos livros e doutras experiências.
henrique pereira dos santos
Caro HPS obrigado pelo interesse no assunto, e pela discução que fomentou com os seus colegas sobre o mesmo.
Como principio teórico, concordo que a população de predadores seja auto limitada pela número de presas. Porém no caso da caça temos que contar que são efectuados repovoamentos (normalmente de coelho e perdiz), pelo que essa correcção natural da população dos predadores não se chega a realizar de forma "natural" pois esta população é mantida artificialmente alta devido aos repovoamentos das presas, e que normalmente são mais facilmente caçadas.
Agora não digo que o controle de predadores seja feito só através de abate, até porque com algumas espécies isso se pode revelar complicado de realizar, e além do mais os chumbos estão caros para se andar a abater espécies que depois nem costumam ter aproveitamento alimentar. Por exemplo incentivos à recuperação dos habitats da espécies cinegéticas, de forma a manterem efectivos saudáveis, e estes ao estarem habituados ao terreno seriam mais difíceis de ser caçadas pelos seus predadores naturais, parece-me uma abordagem mais interessante, teriam várias vantagens:
- Não introdução de individuos externos ao habitat e com eventuais doenças
- Manchas mais variadas de terrenos em termos de coberto vegetal, ao invés de ficar coberto de mato
- Seria uma mais valia em termos económicos, pois iria dinamizar o meio rural.
- a maior diversidade vegetais ira trazer um maior diversidade animal
Portanto seria uma maneira interessante a meu ver de o Estado re-investir parte do dinheiro que recebe das licenças.
Alias se falar com alguns caçadores, o que eles mais se iriam queixar quase de certeza seria precisamente esta falta de incentivos, e também o facto de nem sempre a informação técnica, para melhor gerir os recursos cinegéticos, ser disponibilizada e transmitida aos caçadores de uma forma eficaz, pelos serviços. Não são apresentados estudos estatísticos relativamente, à evolução das populações cinegéticas, complementados com dados climáticos, e geográficos. Ou seja falta informação disponível para se tomarem decisões estratégicas de gestão de esforços na manutenção, recuperação, e expansão (quando necessário) das populações cinegéticas.
Cumprimentos
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