Sendo a questão da gestão dos guardas e vigilantes a pedra de toque de uma boa gestão das áreas protegidas espanta-me que a discussão não passe de dois temas: o seu número (toda a gente está de acordo em que há um déficit de vigilantes, com excepção de quem pode decidir a alteração da situação, isto é, o Ministério das Finanças e o Primeiro Ministro); a mercearia (melhoria de estatuto, melhoria remuneratória, progressões de carreira, fardas em condições, etc.).
Não estou a desvalorizar a mercearia nem a necessidade de aumentar o número e a presença dos vigilantes nas áreas protegidas, estou apenas a dizer que é preciso ir mais longe na discussão.
Por que razão é possível, mesmo nas actuais condições das finanças públicas, recrutar 2000 polícias e não é possível recrutar 200 vigilantes da natureza?
Uma parte da resposta pode ser dada dizendo que grande parte das funções de polícia que se consideraram como fazendo parte das funções dos vigilantes são actualmente mais eficazmente exercidas pelo SEPNA, pelo que se justifica reforçar o SEPNA e não um corpo específico de vigilância que nem é um corpo de polícia (se o fosse, como os guardas florestais, a esta hora estaria provavelmente integrado na GNR).
Mas a verdadeira resposta não é essa, a verdadeira resposta é que a opinião pública valoriza as questões de segurança (ou de insegurança) mas não valoriza a boa gestão das áreas protegidas que mais do que qualquer outro factor depende da capacidade e da presença dos vigilantes que se sentir no terreno.
E não valoriza porque em bom rigor a opinião pública não sente que a política de áreas protegidas seja uma política de defesa do património da nação. Ao contrário dos Estados Unidos, onde os parques nacionais sempre foram entendidos como uma parte do território que era reservado pelo Estado para o usufruto da nação e onde a designação de um parque nacional é feita pelo Senado, em Portugal as áreas protegidas nascem tarde e como expressão de interesses corporativos (antes do 25 de Abril, dos florestais, depois, como reacção, dos ambientalistas).
É isso que permite que responsáveis dos mais variados sectores digam oficialmente as barbaridades que dizem sobre o ICNB (a autoridade nacional a quem o Estado delega a execução de uma política nacional expressa na lei) sem que ninguém os demita.
Por ter este entendimento das coisas eu defendi em várias circunstâncias que a designação de áreas protegidas deveria ser feita na Assembleia da República.
Ideia que não tem o menor apoio, quer nos adversários da política de conservação da natureza, que acham que era o que mais faltava que a Assembleia perdesse tempo a tratar de passarinhos e ervas, quer do movimento ambientalista que acha que isso ia complicar muito a designação de uma área protegida, tornando quase impossível a sua designação.
Aqui chegado retomo a ligação com a questão dos vigilantes.
Reforçar o corpo de vigilantes é difícil, não só porque a nação não o valoriza mas porque as suas funções e utilidade estão muito mal definidas.
Em Portugal poderemos ter vigilantes a fazer de trabalhadores rurais e a fazer de biólogos que o tratamento remuneratório e de estatuto é sempre o mesmo. Por outro lado, se as funções de polícia foram de certo modo deslocadas para outros corpos, o que se pretende que os vigilantes façam? O que tem de específico a função de vigilante?
A verdade é que estas questões têm sido pouco trabalhadas, sendo que toda a gente diz que os vigilantes são fundamentais, todos os responsáveis lhes dão palmadinhas nas costas mas se quiserem progredir e se valorizarem profissionalmente a primeira coisa que pedem (com razão) é que os mudem para a carreira técnica.
O Estado não tem flexibilidade para ter uma política de contratação de vigilantes que permita ter os melhores recompensados e os piores com estatutos adequados ao que efectivamente fazem.
A minha opinião, de tão radical raramente a expresso por saber que é inútil, é que o estatuto de vigilante não deveria estar associado a uma carreira mas ser uma função que se exerce temporariamente, que deveria ser a elite de todas as carreiras.
Ser vigilante deveria estar ao alcance de qualquer das categorias da função pública mas ter uma remuneração suplementar, com obrigações suplementares e condições suplementares quanto ao acesso ao exercício da função, sempre temporário e sujeito a avaliação periódica das condições para o seu exercício.
Técnicos superiores, administrativos, trabalhadores rurais, especialistas, académicos deveriam poder ser vigilantes que basicamente seria uma função de presença no terreno, quer em vigilância propriamente dita, quer na proximidade das populações, quer na integração nos mecanismos de monitorização da biodiversidade.
Não tenho a menor expectativa ou esperança de nos dias da minha vida ver aplicada esta ideia.
Mas que faria bem mais pela boa gestão das áreas protegidas que os melhores planos de ordenamento, disso não tenho a menor dúvida.
Tanto mais que estaria verdadeiramente criado o mecanismo de retroacção que permitiria ir adequando cada vez mais os planos à realidade em cada uma das suas revisões, ao contrário do que hoje acontece em que cada revisão de um plano é sempre um novo e difícil renascimento que apaga da memória tudo o que se aprendeu antes.
A matéria aliás do meu próximo post.
henrique pereira dos santos
4 comentários:
Henrique, concordo em boa medida com este seu post. Entre o que afirma, gostaria de salientar dois pontos:
"Mas a verdadeira resposta nao e essa, a verdadeira resposta é que a opinião pública valoriza as questões de segurança (ou de insegurança) mas não valoriza a boa gestão das áreas protegidas..."
O que afirma nao so é valido para estas classes profissionais, mas para muitissimas outras. Ha falta de uma politica com bases bem mais solidas e interessantes para o pais, teem seguido os governos da nacao, politicas de contratacao de pessoal que, em grande medida, seguem as solicitacoes de faixas razoaveis da populacao. Ou melhor... do eleitorado. O que so reforca mais a minha ideia de que, e fundamental, cimentar na sociedade em geral, a importancia para a Conservacao da Natureza e para as questoes ambientais, em geral. E por isso que dou extrema importancia a passagem desta mensagem.
"A minha opinião, de tão radical raramente a expresso por saber que é inútil, é que o estatuto de vigilante não deveria estar associado a uma carreira mas ser uma função que se exerce temporariamente, que deveria ser a elite de todas as carreiras."
Esta visao lembra-me, em certa medida, o que era, pelo menos ate ha alguns anos, o sistema aplicado nos EUA. Atingir cargos de chefia, obrigava a passagem por diversas carreiras, nomeadamente, creio que quatro categorias distintas de vigilantes da natureza. Algumas das grandes vantagens deste sistema sao uma evidente maior capacidade de visao de quem ocupa cargos hierarquicamente superiores e uma seleccao destes, nao pelo grau academico que possuem, mas pelas capacidades entretanto e efectivamente demonstradas. E pois um sistema que muito me agrada, pois muito mais facilmente premeia a competencia que o nosso.
Goncalo Rosa
(peco desculpa, mas continuam a nao existir acentos neste teclados)
Caro Henrique,
Gostava de comentar algumas das questões que levantou na sua resposta ao meu post de há alguns dias.
Em primeiro lugar, é importante salientar que o Henrique, ao contrário do que refere, não se limitou a apresentar de forma neutra o facto de quase todas as áreas protegidas que deveriam por lei ter um plano de ordenamento o terem (finalmente). Em dois curtos parágrafos utiliza por duas vezes a palavra “mérito”, e isto diz tudo.
Pelas razões que expus, não é “mérito”, é “demérito”, uma vez que (repito) é incompreensível que as mais importantes parcelas do território sejam as últimas a possuir um quadro de referência claro, mais ou menos bem elaborado, para os cidadãos e empresas que lá vivem. Até porque, em muitos casos, as áreas protegidas foram criadas (explicitamente, às vezes) para introduzir um controlo administrativo sobre a alteração do uso do solo: pretendia-se com um “ordenamento especial” subtrair essas áreas à catastrófica explosão suburbana e turística (vide os casos de Sintra-Cascais ou da Caparica) ou retirar o controlo do território aos florestais, supostamente ineptos em abordagens integradas da gestão dos espaços silvopastoris (vide Serra da Estrela ou Montesinho).
É interessante que o Henrique tenha sugerido que eu confundi os parques naturais regionais franceses com os parques nacionais do mesmo país. Nada mais errado.
Aliás, achei deliciosa a sua transcrição da caracterização dos parques nacionais gauleses (que na Metrópole são 6, ao todo – o resto são parques naturais regionais, no total 40, numa proporção territorial próxima da portuguesa): ela corresponde exactamente àquilo que se estava a delinear em Portugal antes de 1975 relativamente à demarcação e gestão de parques. Por exemplo, a descrição assenta que nem uma luva ao PNPG e aos objectivos de Lagrifa Mendes et. al., corporizados no plano director do parque de 1973 (sim, só levaram 2 anos a fazer o plano... embora estivessem uns meses atrasados face à lei).
Tenho para mim, também, que a interrupção desse processo, ditada pela revogação da Lei das áreas protegidas de 1970 (realmente uma revogação de cariz corporativo, mas não foi dos “ambientalistas”, como bem sabe, foi dos “paisagistas”, num bem urdido assalto ao poder a coberto do PREC) determinou um retrocesso de 30 anos na filosofia a seguir, do qual só agora se começa a recuperar.
Veja só:
HPS (Lei dos parques nacionais franceses): «Dans cette dernière zone le développement économique autorisé devra rester compatible avec la préservation de l’environnement. Une dotation forfaitaire est prévue pour compenser les contraintes imposées à ces communes»
Lei 9/70 (Lei dos parques nacionais e outros tipos de reserva): “Quando da servidão administrativa constituída resultar diminuição efectiva do valor de algum prédio ou do seu rendimento, tem o respectivo dono direito a ser indemnizado se não optar pelos benefícios que esta lei lhe concede”
Decreto 187/71 (Cria o PNPG), artigo 18: “25 por cento do produto das taxas a que se refere o n.º 1 do artigo anterior constituirão um fundo que será distribuído anualmente, por intermédios das juntas de freguesia, pelas pessoas residentes no Parque”.
O HPS, e quem quiser, pode fazer uma leitura comparada daquilo que é a legislação francesa de parques nacionais e de parques naturais e confrontar com a evolução da legislação nacional desde 1970. As surpresas serão muitas.
A partir de 1976, faz-se o silêncio absoluto no que respeita à compensação às pessoas residentes em áreas protegidas face às restrições de que são alvo por motivos de interesse público.
Só medram as proibições, interdições e condições. A conservação da natureza faz-se por decreto ou por plano de ordenamento regulamentar, mesmo que este seja o mais deslocado possível da realidade – veja-se o recente caso de Montesinho, em que muitas normas correm o risco de entrar para o anedotário silvícola.
Quanto à vigilância, a sua coqueluche do momento, acredite: não se perca em detalhes. O corpo de fiscalização é importante, mas não é o essencial. Diz o HPS: “Não tenho a menor expectativa ou esperança de nos dias da minha vida ver aplicada esta ideia”. Tenho pena que não pudesse ter observado os serviços florestais a funcionar normalmente, onde todos os funcionários tinham competências de vigilância fiscalização, fossem dirigentes, técnicos, administrativos ou guardas, como aliás acontece noutros serviços públicos em que a vigilância de recursos naturais é uma componente fundamental, em qualquer país (comprove com o artigo 25 do decreto do PNPG).
Não é aí porém que reside o caminho da salvação. Se não tiver a população consigo, se não lhes apresentar projectos de conservação concretos e consistentes, para realizar mesmo, de nada adianta o esforço.
Lição que na década de 70 os técnicos florestais mais esclarecidos já tinham aprendido, mas não tiveram oportunidade de aplicar – salvo honrosas excepções.
B. Gomes
Caro B. Gomes,
Faço um esforço, por respeito pelos leitores e comentadores, para responder racionalmente a todas as questões levantadas por toda a gente neste blog, mesmo que insultuosas e anónimas.
Fiz também esse esforço demoradamente consigo.
O que venho dizer-lhe é simplesmente que estou cansado de procurar encontrar outra racionalidade na sua argumentação que não seja a de procurar demonstrar a superioridade dos florestais em relação aos paisagistas, mesmo recorrendo a afirmações que não demonstra (como as que dizem respeito a Montezinho e que usa pela segunda vez sem explicitar a que normas se refere).
E como não tenho jeito para guerras de alecrim e manjerona reponder-lhe-ei quando me apetecer mas deixarei de fazer qualquer esforço nesse sentido.
Se o que pretende é que eu diga que tudo ia bem no mundo da conservação no tempo dos florestais (que geriram o PNPG até 1981, se não me engano), nomeadamente na relação das populações com o PNPG (que nunca teve plano de ordenamento nenhum aprovado e muito menos com discussão pública, no tempo dos florestais, tinha um documento técnico que espero que brevemente esteja na biblioteca digital do ICNB para que se possa perceber bem do que se está a falar) e que vieram uns paisagistas incompetentes e desataram a fazer proibições incompreensíveis que estragaram tudo, eu digo.
Vivam os florestais, morram os paisagistas.
E pur si muove.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
Não é preciso ir à Biblioteca Digital do ICNB*. Basta consultar o diário da república electrónico, que os decretos e leis que citei (e os que não citei) estão lá.
Neste blogue, em que não se discutem pessoas mas sim ideias e factos, o Henrique é que lança as biscas e responde se quiser aos nossos comentários.
Já percebi que há temas que são tabu, como a questão centralíssima das pessoas na gestão da conservação da natureza e das áreas protegidas. Coloquei à sua consideração factos históricos concretos e comprováveis, de uma abordagem diferente da que é seguida desde há algumas décadas no nosso país, com a maior das correcções.
Quanto a isso, o Henrique só diz que o insultei (??!!), passando ao lado da questão essencial.
Pois também não o maçarei mais - pode continuar a monologar.
B. Gomes
* Como para a Biblioteca do Digital do ICNB [aliás uma iniciativa louvável desse Instituto] as obras de conservação da natureza dizem respeito aos "relatórios e publicações produzidos, promovidos ou apoiados pela instituição ao longo das três décadas de existência (SNPRPP, SNPRCN, ICN, ICNB)", presumo que vai ter alguma dificuldade em lá encontrar o Plano Director do PNPG de 1973. Mas é só uma impressão minha.
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