domingo, janeiro 18, 2009

O Freeport, os meios e os fins


Fotografia de João Palmela

Declaração de interesses: acompanhei intermitentemente este processo em várias alturas e trabalhei com alguma proximidade, mas sem ser directamente, com José Sócrates enquanto Secretário de Estado e depois Ministro do Ambiente, tendo deste essa altura um preconceito desfavorável face aos seus métodos de actuação, sem por isso deixar de lhe reconhecer qualidades.

Este post não é sobre o facto de existir ou não corrupção envolvida, se existem ou não luvas e etc..

Este post é, mais uma vez, sobre os meios e os fins.

Tive directas responsabilidades na discussão da revisão dos limites da ZPE do Estuário do Tejo, quer no acrescento que foi preciso fazer para garantir o financiamento comunitário à ponte Vasco da Gama, quer na discussão de acertos que mais tarde deram origem à polémica alteração de limites em cima das eleições e que se relacionam com a aprovação do Freeport.

Estive também directamente ligado a um processo de AIA (ou de incidências ambientais, confesso que não me lembro) relacionado com a aprovação do outlet, tendo em determinada altura explicitamente referido que me parecia ilegal a sua aprovação, não porque afectasse as aves mas porque, na minha opinião, violava o Plano Director Municipal (com ou sem alteração de limites da ZPE que sempre considerei uma questão marginal para a aprovação do outlet porque nada impedia a sua aprovação dentro da ZPE e porque mesmo fora se lhe aplicaria a norma que diz que todos os projectos susceptiveis de afectar a ZPE, mesmo situados fora dela, deverão ser avaliados desse ponto de vista, como efectivamente este foi).

Durante vários anos o movimento ambientalista foi acompanhando a questão sob o prisma do fantasma (e do ressentimento da sua derrota) face ao processo da ponte Vasco da Gama, no qual aliás estava carregado de razão.

Desesperadamente o movimento ambientalista queria obrigar a Comissão Europeia a bloquear o financiamento da ponte e portanto concentrou-se nos argumentos que lhe pareceria que teriam mais repercussão na Comissão Europeia, a maior parte deles questões formais sem qualquer relevância para a conservação das aves, a não ser como putativos precedentes de outros processos que viriam depois.

É assim que o movimento ambientalista se concentra em discutir o loteamento industrial do Passil (um loteamento num eucaliptal marginal para a ZPE, à ilharga de uma estrada nacional e sem qualquer relevância de conservação, ao loteamento dos moinhos (penso que será este o nome, mas não garanto), à ilharga de Alcochete, uma expansão mínima do aglomerado urbano, dentro da ZPE, mas claramente aceitável desde que garantidos alguns pressupostos razoáveis e no outlet que viria a ocupar as antigas instalações da Firestone, uma fábrica de pneus (enfim, como havia outra questão com uma antiga fábrica de cortiça pode haver neste detalhe alguma falta de rigor minha).

Como resposta o Estado Português adoptou também uma postura equívoca e formal, em vez de partir para uma discussão séria difícil mas possível, sobre o que verdadeiramente estava em causa, com medo das demoras que poderiam advir desta postura.

Os responsáveis quiseram atingir os fins que pretendiam (por boas ou más razões é matéria que não discuto, mas havia uma inequívoca pressão no sentido das coisas serem conduzidas no sentido da aprovação destes projectos, o que é mais ou menos frequente, diga-se em abono da verdade) usando o método que menos danos causasse e sobretudo que fosse mais rápido, isto é, que evitasse o confronto com a Comissão Europeia, pelo menos no curto prazo (os contenciosos demoram muito tempo e o paradigma era a Auto-Estrada para o Algarve, inaugurada por Jorge Coelho com declarações irresponsáveis acerca do direito comunitário, referindo que agora estava feita e queria ver quem viria depois arrancar o asfalto).

O Estado Português jogava pois no facto consumado (no fim), estando-se mais ou menos nas tintas para o processo para o atingir.

O movimento ambientalista jogava na capacidade de obrigar a comissão europeia a recorrer ao tribunal e suspender ou pedir o regresso do financiamento da ponte Vasco da Gama (no fim), estando-se mais ou menos nas tintas para a forma de o atingir e para solidez e importância real dos argumentos usados.

Aparentemente tudo isto está transformado no caso de polícia onde os fins últimos dos dois contendores é o que menos conta neste momento: o desenvolvimento económico do lado do Estado Português, a conservação das aves do lado dos ambientalistas.

E no entanto não tinha de ser assim. Mais atenção aos processos usados para chegar aos fins provavelmente teria evitado acabar tudo na esquadra, melhorado os efeitos na economia e garantido melhor a conservação das aves.

henrique pereira dos santos

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