terça-feira, fevereiro 03, 2009

Energias alternativas


(publicado na revista FreeSurf)
O editor ligou-me: “por esta passou, mas os textos não podem ter mais de 3000 caracteres”.
Uma maneira de me dizer que me tinham contratado (com um pagamento régio, diga-se) para escrever sobre ambiente que para falar de surf havia quem soubesse do assunto.
Resolvi então concentrar-me na energia.
A energia é a principal questão ambiental. Dela decorrem quase todas as outras.
Do ponto de vista ambiental o melhor é mesmo deixar a energia ficar cara.
Aumentar o preço do petróleo faz mais pelo ambiente que todas as campanhas de sensibilização e todas as polícias do ambiente juntas.
O petróleo sobe? Vamos de comboio. O petróleo sobe? Reduzimos o bife a dias de festa e comemos arroz com feijão. O petróleo sobe? Combinamos surfar juntos para levar menos carros. O petróleo sobe? Escolhemos melhor o sítio para construir a estrada evitando aterros e escavações. O petróleo sobe? Tomamos banhos mais curtos que é preciso poupar na energia. O petróleo sobe? As ondas aqui também não estão más e se calhar não compensa a viagem até outra praia.
O número de comportamentos que mudamos quando o petróleo sobe não tem fim.
E as energias alternativas tornam-se mais competitivas, porque não usam petróleo.
O sol para aquecer a água do banho (pode ligar-se às máquinas de lavar roupa e louça, com uma torneira misturadora, porque a maioria da energia gasta nessas máquinas é mesmo para aquecer a água).
O vento, que enche a paisagem de ventoínhas, para pena de muita gente e para gosto de muita outra. É muito curioso porque toda a gente está de acordo com a energia eólica e quase toda a gente está contra cada um dos geradores em concreto que lhe estão mais próximos.
O sol a produzir electricidade, ainda cara, mas que vai aparecendo porque é paga na produção com uma tarifa bastante mais alta que outras formas de produção (e acabamos por pagar na conta da electricidade, sem darmos muito por isso).
E poder-se-ia continuar a falar de novas e velhas energias alternativas, como a biomassa nas suas várias formas, incluindo a lenha para nos aquecermos e cozinharmos, ou mesmo a energia das ondas, que tão bem conhecem os leitores desta revista.
O problema é que algumas das tecnologias para a produção de energias renováveis (não falei de barragens para não azedar a discussão) são ainda caras ou, o que comercialmente é tão importante como isso, pouco fiáveis.
Com o petróleo mais caro vamos todos (ou quase todos) ficar um pouco mais pobres, comer menos coisas exóticas, viajar fisicamente um pouco menos e provavelmente um pouco mais virtualmente, demorar mais tempo a chegar, etc.
Nem tudo neste processo é perda porque trocar a salada de alface e tomate de todos os dias pela couve penca segada como para o caldo verde, aferventada e depois passada por um fundo de azeite onde alourou um alho cortado pode ser um enriquecimento e não uma perda resultante do facto de ser mais exigente energeticamente produzir alfaces que couves galegas.
O movimento slow food, que tem como objectivo opor-se ao fast food e à fast life será com certeza um dos grandes ganhadores da subida do petróleo e da relativa pobreza que daí poderá advir.
Espero que nessa altura os cafés de surfistas os esperem no pino do inverno com um belíssimo caldo verde em vez do sempiterno hamburguer com batatas fritas e outras coisas que acham mais de acordo com a suposta soul do surfer.
Garanto que para essa mudança se poderia usar o slogan que Fernando Pessoa, empregado de comércio com vários artigos escritos sobre marketing e poeta nas horas vagas, terá escrito para a coca-cola: “primeira estranha-se, depois entranha-se”.
henrique pereira dos santos

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