terça-feira, fevereiro 17, 2009

Evolução da ideia de conservação da natureza



Retomo aqui um texto antigo e uma ideia que amiúde aparece no que escrevo sobre conservação por me parecer que o texto tem uma forma simples de explicar um processo complicado

A ideia de conservação da natureza será tão velha como a humanidade mas é razoável chamar à criação do Parque Nacional de Yellowstone a decisão que funda as políticas públicas de conservação.

Vale a pena recordar os exactos termos dessa decisão através de um extracto desse diploma legal:

“Forty-Second Congress. Session II Ch. 21-24. 1872. March 1, 1872. CHAP. XXIV.-- An Act to set apart a certain Tract of Land lying near the Head-waters of the Yellowstone River as a public Park. Be it enacted by the Senate and House of Representatives of the United States of America … That the tract of land … and described as follows, …, is hereby reserved and withdrawn from settlement, occupancy, or sale under the laws of the United States, and dedicated and set apart as a public park or pleasuring-ground for the benefit and enjoyment of the people; ...
SECTION 2. … regulations shall provide for the preservation, from injury or spoliation, of all timber, mineral deposits, natural curiosities, or wonders within said park, and their retention in their natural conditions. …”

Deste texto vale a pena reter duas ideias principais:

  • A decisão tomada é a de retirar uma parte do território do processo de colonização e desenvolvimento com o objectivo de o preservar para sempre como ele era para o benefício e lazer do povo;
  • A decisão é tomada pelo Congresso vincando desde o início a ideia de património da nação que ainda hoje é marcante nos Parques Nacionais dos Estados Unidos.

A ideia de conservação nasce assim orientada para a conservação do que é singular pela sua separação do processo de uso do espaço que decorre dos processos sociais e económicos.

Esta ideia de conservação ainda hoje é válida e influencia uma das principais traves mestras da política de conservação, dirigida à conservação dos elementos singulares do nosso património natural que convivem mal com alterações favoráveis ao homem.

No entanto esta concepção demonstrou, ao longo da história, limitações importantes que obrigaram a rever a ideia de conservação da natureza, incorporando novas dimensões.

A primeira limitação, desde cedo evidenciada, prende-se com a interdependência entre os espaços protegidos e a sua envolvente.

A procura de soluções para ultrapassar os problemas causados pela influência de actividades e alterações externas aos espaços protegidos conduziu à discussão da dimensão de áreas mínimas para a protecção de determinados valores, quer por alargamento da área protegida, quer por inclusão de zonas envolventes que absorvessem os impactos externos.

Embora ainda numa lógica insular, este alargamento do conceito de protecção de valores para a protecção da envolvente que os integra corresponde a um desenvolvimento desde cedo incorporado nas políticas de conservação que obrigou as entidades gestoras a uma mais forte relação com outros agentes de gestão do território.

Mas ainda assim este alargamento não resolvia outra das limitações deste modelo insular de conservação da natureza.

À medida que o conhecimento ecológico crescia e a pressão humana sobre o território também, verificava-se que a protecção de elementos mais ou menos isolados, mesmo que em espaços muito alargados, não garantia a existência de processos naturais fundamentais nomeadamente dinâmicas populacionais e integridade de processos evolutivos fundamentais para garantir a capacidade de adaptação a alterações.

Por outro lado a progressiva expansão dos conceitos darwinistas de evolução e adaptação veio desviar parte da atenção que era dada aos elementos singulares e raros do património natural para os elementos comuns associados aos processos evolutivos.

Emergiu assim um novo pilar das políticas de conservação assente na ideia de gestão de processos e conservação da possibilidade de adaptação à qual a política original de áreas protegidas não pode dar resposta por si só.

Passou-se pois de uma conjunto de áreas protegidas cuja gestão se definia e centrava em cada uma isoladamente para a ideia de rede de espaços ligados por corredores funcionais (corredores ecológicos, se quisermos, embora muitos destes corredores possam dizer respeito a componentes abióticos dos sistemas) que garantam a conectividade e que se relacionam com o restante território que lhes serve de matriz tendo sempre em atenção as interdependências relativas.

Partindo de uma política relativamente simples de enunciar e executar, centrada em espaços retirados à lógica de desenvolvimento, chegou-se hoje a uma política de conservação que se integra na lógica global de gestão do território.

O que lhe confere uma muito maior complexidade e conflitualidade potencial e obriga a uma maior transparência dos processos de decisão como forma preventiva de gestão da conflitualidade, minimizando a perda de valores naturais, sociais e económicos.

henrique pereira dos santos

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