quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Lisboa



Tenho escrito pouco sobre planeamento urbano, ambiente urbano ou sustentabilidade urbana por saber pouco sobre o assunto e por me sentir sempre como uma espécie de rural exilado em cidades. Talvez por isso um dia me disseram que o que quer que eu vestisse, parecia que vinha sempre da rega.

No entanto estive muito próximo de o fazer há alguns dias quando o Marquês de Pombal esteve cortado ao trânsito uma hora por causa de uma chuvada da treta. Como todos os dias, fizesse chuva ou sol, cruzava uma das principais bacias drenantes para o Marquês (o parque Eduardo VII) sabia bem como pelo menos em parte essa concentração rápida de água à superfície do Marquês se devia ao desleixo, incúria e abandono a que estão votadas as pequenos necessidades da cidade, no caso, o inacreditável estado de degradação do sistema de drenagem a montante do Marquês, com sarjetas entupidas, valetas em desagregação e por aí fora.

Agora é a magna questão do fecho de uma rua em Lisboa por quatro meses, com o resto do país de boca aberta sem perceber a que título esse assunto ocupa tanto espaço nos jornais e, ao que me dizem, noutros meios de comunicação social.

Bem digo eu que a capital administrativa (a capital política, residência do Presidente ou do Rei, bem pode ficar em Lisboa) deveria mudar para Castelo Branco para ver se um pouco de senso comum (já nem peço bom senso) entra na definição das prioridades de ocupação do espaço público do país.

O que me faz fazer hoje este post é esta coisa extraordinária: a Câmara decide pedir desculpa, explicar que é por pouco tempo mas tem mesmo de fechar a rua para obras.

Mas porquê? Porquê tanta desculpa aos senhores automóveis?

Vejamos os resultados:

Trânsito sem problemas de maior, maior número de utilizadores do metro, carris e soflusa, aumento da velocidade média dos autocarros entre o Marquês e o Terreiro do Paço (duzentos anos depois da mudança do nome ainda resisitimos a chamar-lhe praça do comércio, aliás com razão porque não há lá comércio nenhum agora, não percebo a mania de mudar o nome às coisas) e ligeira diminuição entre o Terreiro do Paço e o Cais do Sodré.

E se fizéssemos uma petição para que a rua estivesse sempre fechada (ou, depois das obras, aberta apenas aos transportes públicos?).

Já se fez as contas a quantas pessoas sairam beneficiadas e quantas prejudicadas com isto? Vi num jornal uma senhora muito chateada porque antes demorava um quarto de hora a levar os filhos à escola e agora demora meia hora. Mas por cada autocarro que demorou menos 5 minutos a fazer o trajecto habitual há para aí cinquenta pessoas beneficiadas. E com um sistema de transporte escolar conveniente provavelmente esse drama nacional de levar os meninos à escola, que não existe em muitos países mais desenvolvidos, desaparecia porque os meninos iam de tranporte escolar.

Francamente votarei num Presidente de Câmara que não me prometa grandes obras. Que não queira qualificar a frente ribeirinha com os melhores arquitectos do mundo. Que não prometa obras estruturantes para resolver o trânsito. Mas que me prometa favorecer os transportes públicos sensatamente (com certeza há muitas excepções, grávidas, doentes, velhinhos (os mais deles preferem aliás andarde transportes públicos, mas enfim), mas situações excepcionais tratam-se excepcionalmente). Que me prometa ter atenção ao funcionamento correcto das pequenas coisas de que depende o conforto dos lisboetas: sarjetas, ocupação indevida de passeios, estacionamento selvagem (ou de selvagens), interdição de circulação e estacionamento automóvel nos recreios escolares, abertura das infra-estruturas de lazer e desportivas das escolas à comunidade fora do período escolar e por aí fora. E já agora, que torne habitável o terreiro do paço pondo lá sombra. E se quiserem que seja do comércio, deixem ir para lá os ambulantes sem carros e carrinhas, mas isto é mesmo se quiserem, a sombra é que era mesmo precisa.

henrique pereira dos santos

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