O empreendimento do Meco foi o símbolo político escolhido para mostrar um empenho político na contenção dos desmandos na gestão do território e a independência e coragem face aos interesses, nomeadamente os da construção civil, tradicionalmente apontados como um cancro ambiental para o país.
Era um projecto com todas as licenças e mais algumas (faltava apenas um alvará que a Câmara se recusava a passar, mesmo depois do tribunal a instar nesse sentido) mas situado numa zona onde hoje dificilmente seria aprovado (pelo menos da forma como tinha sido há muitos anos atrás).
Hoje provavelmente seria apresentado como um investimento externo estruturante de capitais estrangeiros (o investidor era alemão), um verdadeiro projecto de interesse nacional face aos critérios vigentes.
Mas na altura era a face visível de como os direitos adquiridos e os interesses obscuros nos roubavam o direito à conservação e à fruição do património ambiental de todos.
Pessoalmente achava na altura o que acho hoje: não se devia executar aquele projecto naquele local e o Estado, tendo claramente reconhecido, inclusivamente por via judicial, os direitos do promotor, deveria pura e simplesmente retirar as autorizações e pagar as respectivas indeminizações.
Várias vezes em vários sítios defendi este ponto de vista, muito mal visto pelo movimento ambientalista por se considerar inaceitável que o dinheiro dos contribuintes servisse para enriquecer os malandros que tinham licenças que nunca deveriam ter tido (algum tempo antes tinha havido grande polémica pelo custo da paragem da pedreira do Galinha por causa das pegadas de dinossauro).
Os mesmos protagonistas do caso Freeport (com a troca de secretários de estado, se não me engano) adoptam a mesma lógica de resolução do problema:
definição clara de objectivos, pressão política sobre a administração (devo dizer que esta pressão é razoavelmente legítima, se feita cumprindo as regras) e recurso a todos e quaisquer argumentos legais e administrativos para contrariar os direitos efectivamente existentes sem pagamento de indeminizações, chegando-se ao recurso do ICNB comprar uma pequeníssima parcela de um terreno (não sei a que preço e com que métodos) que não pertencia ao promotor para invocar a invalidade do alvará, visto que assim nem todos os donos de terrenos envolvidos estariam de acordo com o projecto.
A diferença substancial e relevante é a natureza diametralmente oposta do objectivo face ao Freeport: aqui não se tratava de aprovar o projecto mas de o inviabilizar.
E resistindo a todo o tipo de pressões, incluindo as diplomáticas por parte do Estado alemão, a posição foi mantida pelo Estado Português até à mudança de Governo.
O novo Governo optou por outra solução: negociar com o promotor compensando-o pela não construção naquele local mas dando-lhe capacidade contrutiva noutro local (a mata de Sesimbra) sendo que hoje está tudo embrulhado numa investigação judicial, acho eu (a ideia de que conceder capacidade construtiva onde ela não existe como pagamento seja do que for é uma prerrogativa legítima dos decisores é uma maiores fontes de corrupção no país, diria eu sem ter dados, mesmo parecendo a solução ideal em que todos ganham e ninguém perde).
Na altura quase toda a gente de que me lembro bateu palmas à firmeza e à coragem de inviabilizar o empreendimento, quer na imprensa, quer no movimento ambientalista.
Na altura quase toda a gente de que me lembro bateu palmas à firmeza e à coragem de inviabilizar o empreendimento, quer na imprensa, quer no movimento ambientalista.
Já nessa altura eu disse desse processo (que conheço pior por não ter estado envolvido nele) o mesmo que tenho dito do Freeport: tal como no design, a função e a forma das decisões de política pública não podem ser dissociadas e, indepentemente do resultado ser o que se pretendia porque efectivamente não se construiu naquele local, a adopção dos métodos errados para a obter é um risco elevado para o Estado e para a gestão da res publica (como aliás acho que o tempo veio demonstrar).
Refira-se que grande parte disto resulta do facto de haver uma opinião pública que acha que a conservação do património é uma actividade essencialmente regulamentar que se obtém pelo exercício da autoridade do Estado e não uma opção da sociedade que exige recursos e tem custos que obrigam a uma permanente avaliação do equilíbrio entre a lógica regulamentar e a lógica negocial e de parceria entre o Estado e os cidadãos.
Espero que para os que associam imediatamente "originalidade" processual a corrupção no caso em concreto, fique demonstrado que o mundo é mais complicado do que parece e que entre branco e preto há muitos tons de cinzento.
E é exactamente por ser tão difícil distinguir em cada caso concreto o que separa o voluntarismo na defesa do bem comum, da esperteza a favor do bem privado que é fundamental não saltar etapas e não sair das regras processuais estabelecidas, por mais incómodas que possam parecer naquele processo em concreto.
E deixar à polícia o que é da polícia, deixando à política o que é da política.
Se as regras são más (e no ordenamento e ambiente muitas vezes são), que se mudem em abstracto, para todas as circunstâncias e pelo métodos normais em Democracia, mas que não se deixem de aplicar a cada caso concreto até que estejam formalmente alteradas.
henrique pereira dos santos
1 comentário:
Isto fará algum sentido?
Como fechar ruas ao trânsito, remover sinalização luminosa, e reduzir espaços de estacionamento, pode melhorar o tráfego duma cidade.
Enviar um comentário