domingo, fevereiro 15, 2009

Perplexidades de um ignorante sobre política energética



O recente anúncio de que o Governo iria conceder um benefício para a instalação de água quente solar reforçou as minhas perplexidades sobre a política energética que está a ser seguida, quer de um ponto de vista ambiental, quer de um ponto de vista económico.
Sou bastante ignorante nestas matérias e admito por isso que me expliquem que tudo o que vou dizer não faz sentido (e já agora, alguém que me explique em concreto o que foi anunciado porque ainda não percebi).
Este governo tem vindo a anunciar urbi et orbi a sua aposta ambiental na política energética falando bastas vezes no crescimento da produção de electricidade a partir de fontes renováveis.
O que me tem intrigado é o facto dessa alma ambiental da política energética não se reflectir nas decisões sobre o preço da electricidade e sobretudo a falta de vontade manifesta de ter programas consistentes na primeira das prioridades ambientais de uma política energética: aumentar a eficiência, reduzir o consumo.
A questão dos preços é visível nas decisões que culminaram no afastamento do anterior presidente da ERSE na sequência da sua defesa de aumentos dos preços da electricidade fortes para resolver o déficit tarifário e a questão da eficiência pode ser vista em muitas coisas, nomeadamente na ausência de qualquer esforço sério por parte do Estado na redução dos seus consumos e sobretudo na questão da água quente solar.
Basta ver que não existe qualquer programa sério de rapidamente ter as escolas, os hospitais e os quartéis com água quente solar.
O que poderá então justificar esta contradição da alma ambiental da política energética?
A explicação que encontrei parece-me fazer algum sentido: o investimento na produção de energias renováveis é facilmente feito por privados, desde que o Estado fixe administrativamente tarifas de venda à rede interessantes.
Ou seja, desde que os preços de compra da electricidade, garantidos por vários anos, atinjam determinados níveis é possível ter investimento privado (portanto, sem agravamento do déficit público) a dinamizar a economia e ao mesmo tempo uma imagem ambiental politicamente interessante.
Aparentemente trata-se de uma estratégia em que todos ganham.
O problema surge na fixação do preço ao consumidor, que deveria reflectir o facto de estarmos a produzir electricidade mais cara a partir de várias destas fontes renováveis.
Nesse momento a alma ambiental do Governo desaparece e fixam-se preços administrativamente mais baixos que os que reflectem a política de apoio às renováveis, o que tem como consequência o aumento do déficit tarifário que alguém no futuro pagará.
Mas ainda assim as renováveis puxam alguma coisa o tarifário para cima, o que significa que a nossa economia pagará a energia mais cara em consequência da aposta nas renováveis, gerida administrativamente com um sistema de tarifários de compra e venda que acaba por constituir um sistema de imposto que diminui competividade (no fundo estamos a retirar recursos à economia para os aplicar nos produtores de energias renováveis).
Para se ter uma ideia, o preço médio por MWh em 2007 e 2008 terá andado pelos poucos mais de 50 euros no mercado de electricidade mas o preço a partir das renováveis andará por volta dos 95 euros, tendo a hídrica em regime especial um preço que ronda os 88/ 89 euros e a fotovoltaica, no outro extremo, na ordem dos 330 euros (mais de seis vezes o preço de mercado). Dados coligidos no site da ERSE.
Acontece ainda que estes preços são contratados para o longo prazo (naturalmente nenhum investidor correria o risco, com esta diferença de preço, de confiar no mercado) o que significa que a aposta na produção de energias renováveis se reflectirá na competitividade da nossa economia durante bastantes anos.
Se o preço do petróleo subir sustentadamente, bem vão as coisas e a perda de competitividade não é complicada. Mas se, como acontece agora, os preços não subirem de forma sustentada nos próximos vinte anos, ou se subirem para níveis moderados, a perda de competividade poderá ser grande.
Devo dizer que não tenho dúvidas de que por muitas razões ambientais e de sustentabilidade me parece essencial aceitar uma política de produção de energias renováveis, mesmo que tal signifique uma espécie de imposto encoberto para a economia.
Dentro de limites razoáveis bem entendido. O que significa reflectir integralmente este custo no tarifário, com os custos políticos daí decorrentes. Fazer o que o actual governo tem feito e apenas empurrar para o futuro o problema, é vender gato por lebre, agravando o problema na medida em que os agentes económicos não farão o que seria racional se o preço reflectisse o verdadeiro custo desta política: poupar aumentando a eficiência e, por essa via, compensar a perda de competitividade induzida pelo tarifário da energia.
E é aqui que entronca a segunda contradição do Governo nesta matéria: o seu fraco interesse na poupança, na melhoria da eficiência e em políticas sérias e poderosas de expansão da água quente solar (entre outras, esta é talvez a mais emblemática).
A água quente solar é muitíssimo mais interessante que a produção de electricidade a partir de energias renováveis porque implica um investimento que se paga pela poupança de energia, ou seja, induz competitividade para o futuro.
Se assim é, por que razão não é esta uma trave mestra da política energética do Governo?
A mim parece-me que é tudo uma questão de uma gestão eleitoral do déficit público.
É que pôr as famílias ou as grandes instalações do Estado a colocar paineis solares implica incentivos directos com efeito sobre o déficit, isto é, implica escolhas na despesa do Estado.
Ao contrário da produção de electricidade a partir de fontes renováveis onde o investimento é privado e o custo social pode ser disfarçado num tarifário energético pouco claro para o público, o investimento em água quente solar implica mobilizar recursos do Estado e o benefício social é mais difuso (mas não menos importante) e é tanto mais importante quanto se reflecte no futuro. Politicamente os custos são imediatos e os benefícios futuros.
À semelhança de outras apostas políticas do actual governo (como por exemplo a da mobilização do investimento no turismo à custa da especulação em terrenos com elevado valor natural, ou o do investimento em infra-estruturas com pagamentos diferidos no tempo através de parcerias público-privadas) o padrão parece ser o de empurrar o custo das políticas actuais para os meus filhos, permitindo uma gestão imediata dos seus benefícios favorável a quem tem de ganhar as próximas eleições.
Eu não quero que eles me venham a cobrar amanhã a colaboração neste modelo de políticas públicas, mesmo que seja por omissão e por ter ficado calado.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

H. Sousa disse...

Plenamente de acordo com o que aqui refere. Os investimentos que vêm sendo feitos no fotovoltaico são criminosos, pois só um esquema de corrupção os justificam.
Na eólica, e não só, paga-se demais pelo kWh, as actuais máquinas não precisam de tantos subsídios.
A eficiência energética, em que a utilização do solar térmico pode ajudar, não é incentivada.
Apoiado, em tudo quanto diz.
Henrique Sousa, 57 anos, engenheiro electrotécnico pelo IST, com curso de aperfeiçoamento em gestão de energia pela Universidade Técnica de Berlim.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Henrique Sousa,
Eu não chamaria criminosos aos investimentos no fotovoltaico, admito-os numa lógica de apoio e desenvolvimento tecnológico e numa lógica de diversificação das fontes de energia (o futuro é demasiado incerto) o que a mim me confrange é o facto destas opção ser mascarada num sistema de preços pouco claro (por exemplo, na factura eléctrica não há qualquer informação e muito menos opção na óptica do consumidor) e controlado administrativamente à custa de dívidas para o futuro.
Isso sim, eu não chamaria criminoso porque não é muito o meu feitio mas admito que alguém qualifique assim estas opções.
No resto estamos de acordo de facto.
henrique pereira dos santos

Zé Bonito disse...

Coloquemos uma hipótese (mera hipótese): imaginemos que entra um governo que opta por não subsidiar a energia eólica (ou não apoiar tanto). Que acontece às empresas actualmente existentes nesse ramo?

Comungo das dúvidas manifestadas pelo Henrique Pereira dos Santos e nunca percebi tão pouco apoio à instalação de paineis solares para uso doméstico, área em que estamos muito atrás de outros com muito menos sol. Mas, enfim, também eu sou um ignorante na matéria.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Zé Bonito,
Existem contratos assinados por muitos anos (não com o Governo mas com o comprador da electricidade), que é o que naturalmente faz sentido em muitos tipos de produção que são capital intensivas, como a eólica, visto que quase todos os custos se concentram na instalação e os proveitos se vão obtendo ao longo do tempo.
A quebra destes contratos é tratada como qualquer quebra de contrato, razão pela qual estes investimentos estão suportados em sindicatos financeiros sólidos cuja principal garantia é exactamente o contrato de fornecimento da energia a preço pré-fixado.
Daí que estando eu de acordo com a produção de energia a partir de fontes renováveis não deixe de ficar preocupado com o facto de se estar a omitir que esta é uma estratégia que tem implicações significativas no futuro (positivas e negativas, diga-se) e, pior que isso, a manter artificialmente o preço baixo de venda da electricidade, impedindo a economia de se ir adaptando ao aumento desse factor de produção essencial.
henrique pereira dos santos

Pedro Almeida Vieira disse...

Caro Henrique, 100% de acordo pela tua an+alise. Já há algum tempo ando a clamar que sta política energética do Governo em termos de aposta nas energias renováveis é apenas um excelente negócio privado à custa dos consumidores e com poucas vantagens ambientais e até algumas desvantagens ambientais. É uma política desgarrada apenas com o fito de produzir mais electricidade e pouco se preocupando com a melhoria da eficiência energética. É uma estratégia sem ser estratégica.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Pedro,
Prometo logo ao jantar beber um copo à saúde da nossa concordância, que um acontecimento aparentemente tão excepcional merece destaque.
henrique pereira dos santos