Não tenho uma bola de cristal, pensei até que os fogos iam acalmar. Tinha visto a previsão do tempo, tinha visto o vento a rodar de Leste para Sul, Lisboa amanheceu com o Céu coberto e humidade no ar e por isso achei que tudo iria tranquilamente ao sítio.
Mas por rotina passei pela página da protecção civil e vi sete fogos por circunscrever, dois dos quais vindo da noite anterior. Saltei logo para a página da meteorologia para ver a direcção do vento, sobretudo onde os fogos se concentravam: o Norte do Douro.
O mapa das observações não era claro, mas aproximando da região Norte, incluindo portanto bastante mais estações, lá estavam as setas dominantemente a indicar vento Leste (ou Nordeste) às vezes com alguma intensidade.
Fui à previsão descritiva e lá está a previsão de Leste até, pelo menos, o meio desta semana.
O gráfico de cima assinala o intervalo de dois dias em que o vento rodou para Sul, quer na diminuição de fogos, quer em número de bombeiros envolvidos (com algum desfasamento, que isto não é matemática), sendo que o número de bombeiros face ao número de fogos é um indicador, imperfeito, com certeza, mas um indicador da dificuldade no combate.
A questão é que os próximos cinco dias, a manter-se o vento Leste previsto, vai havendo um efeito cumulativo na dificuldade de extinção dos fogos dada a ausência de precipitação oculta que está associada a este tipo de ventos, e que na Primavera é significativa, e dados os baixos teores de humidade atmosférica associada. Neste momento, ao fim da manhã de Domingo 22 de Março, acima do Douro apenas uma estação assinala uma humidade ligeiramente acima dos 30%, ao contrário do resto do país, onde chega haver humidades de mais de 80%.
Nestas circunstâncias, mesmo estando nós em Março, a questão não é a de haver mais Kamovs ou aviões, a questão começa a ser a de haver ou não combustível.
E sim, há mesmo muito combustível no monte, em rápida perda de humidade com este vento.
É portanto tempo de fazer opções e saber, com clareza, onde deixar arder e onde combater.
A doutrina de apagar tudo o mais rapidamente possível que domina o nosso dispositivo de combate ao fogo, e que nesta altura do ano pode ser apenas um erro, terá agora um teste que convirá avaliar muito bem para evitar que mais tarde o erro passe a tragédia.
henrique pereira dos santos
Adenda: no tempo de escrever o post os fogos não circunscritos passaram de sete a dez
Adenda 2: Risco de incêndio segundo do Intituto de Meteorologia, hoje no seu site. Vale a pena comparar com o mapa dos fogos para perceber como Portugal é um país estranho, onde os erros, comprovadamente errados, continuam a não ser corrigidos anos a fio.
3 comentários:
Henrique,
Consultando o ponto da situação dos fogos verifico que um deles "lavra" desde pelo menos as 8h da manhã no PNPG, Mata da Albergaria. Onde o ataque inicial deveria ter sido rápido foi, aparentemente, bastante lento, havendo dificuldade em mobilizar meios. É o paradoxo de um sistema de extinção caro e ineficiente que apaga os fogos que se substituem à gestão activa de combustíveis mas é incapaz perante aqueles que ameaçam valores naturais e económicos importantes.
P. Fernandes
Paulo,
Reparei nisso (e noutro em Montezinho) mas a verdade é que quando se diz que lavra na mata de albergaria é preciso ter dados mais precisos para saber se afecta ou não valores naturais. É que é difícil arder a mata de albergaria. O mais natural é que ardam franjas ou zonas próximas. Isso é relevante, como dizes, para saber se se deve fazer lá chegar os meios mas é precisa alguma cautela na avaliação preliminar dos eventuais estragos.
henrique pereira dos santos
Sim, à partida a mata da Albergaria estará relativamente auto-protegida do fogo. Mas é possível que esteja razoavelmente vulnerável nesta época do ano, ainda sem folhagem nas copas (o que aumenta a secura do combustível no interior da mata) e com mais folhada sobre o solo que no Verão.
P. Fernandes
Enviar um comentário