sábado, março 21, 2009

O grande invasor


Ontem ao fim da tarde recebi um telefonema com uma pergunta estranha: acha que o eucalipto é uma espécie invasora?
A minha resposta foi imediata: claro que não, essa hipótese é um disparate absurdo.
Fizeram-me notar que a proposta de classificação do eucalipto como espécie invasora constava de uma proposta preliminar de revisão da legislação sobre exóticas que o ICNB tinha em debate público.
Fui ver (Augusto Gil, balada da neve). Um intervalo para um curto devaneio. Ao escrever este "fui ver" não resisti a fazer uma paródia à verdadeira psicose da citação que assola muita da literatura científica/ académica, nomeadamente na área da biologia. Penso que já terei aqui falado de ter uma vez lido um artigo que começava por dizer que as estradas podiam ser obstáculos criadores de descontinuidades nos ecossistemas e para fundamentar esta banalidade citava três artigos científicos diferentes.
Retomando o fio à meada, fui ver.
Aqui encontrei a prova de que não estavam a brincar comigo.
E na página 38 daqui, encontrei a tal proposta de incluir o eucalipto globulus como invasora.
Espantado mas de espírito aberto procurei perceber qual era o fundamento desta proposta. É que, para além doutras coisas, incluir o eucalipto como invasora neste diploma equivale a propor a proibição do seu cultivo, como se pode ler no artigo 8º que se pode ler aqui. Calculei que uma proposta desta radicalidade teria sólidos fundamentos científicos.
Penso que esta classificação invasora deve ter sido muito motivada por uma preocupação precaucionista cuja relação com a regulamentação aplicável não deve ter sido avaliada com a devida ponderação. Isto é, deve ter-se feito uma regulamentação para a ideia corrente de espécie invasora, por exemplo, a que associamos, e bem, às acácias, aos bicos de lacre ou ao achigã e depois, na construção dos anexos a inclusão ou não de uma espécie como invasora deve ter sido guiada por critérios científicos com forte pendor precaucionista, sem que alguém tenha feito uma reflexão cuidadosa de ligação entre esta aplicação precaucionista da ciência e o regulamento em concreto proposto.
Só assim se justifica, por exemplo, que o artigo 17º da proposta diga que "A disseminação, libertação ou observação de espécimes de espécies do anexo III na Natureza deve ser comunicada ao ICNB, I.P." quando neste anexo está, por exemplo, incluído o eucalipto (e várias outras, que sendo razoavelmente consideradas invasivas, como o chorão das praias ou a robínia, não faz sentido que sejam objecto de um artigo com este teor).
Parece pois haver uma falta de atenção às consequências práticas do que em teoria parecer fazer algum sentido (erro muito frequente na legislação nacional, diga-se em abono da verdade).
Mas subsiste a questão de saber de onde veio a ideia de que o eucalipto é uma espécie invasora em Portugal.
A dificuldade começa na definição de espécie invasora: "espécie cuja introdução é causa de ameaça para a diversidade biológica num dado território". Convenhamos que é uma definição que deixa de lado o essencial. A ideia de que se não for contida com medidas activas a espécie se expande de forma consistente de tal forma que se torna impossível ou estraordinariamente oneroso erradicá-la depois de instalada. Depois, e provavelmente o diploma deveria distinguir isso, há as que são agressivamente invasoras, como as mimosas, e as que em certas circunstâncias são moderadamente ou fracamente invasoras, como a hakea ou a cryptomeria.
O diploma deveria, provavelmente, concentrar-se em resolver os dois principais problemas na gestão de espécies invasoras: os efeitos das espécies agressivamente invasoras que provocam probemas (acácias, mais uma vez, como exemplo) e a introdução de novas espécies cujos efeitos se desconhecem. E complementarmente preocupar-se com problemas menos graves como o pitospóro ou a cortaderia. E, francamente, explicar muito bem as eventuais circunstâncias em que o eucalipto precisa de ser gerido com cautela, pelo seu carácter invasivo que eventualmente tenha e que ainda vou discutir.
Misturar problemas reais e graves com histórias da carochinha é uma maneira muito pouco eficiente de gerir problemas.
Ao olhar para a ficha de fundamentação do eucalipto três coisas parecem evidentes:
  • a sua fragilidade técnica (dizer que o eucalipto precisa de 1000 mm de precipitação anual bem distribuídos ao longo do ano não faz o menor sentido, bem como repetir um mito não fundamentado como o de que estereliza o solo impedindo o desenvolvimento de outras espécies);
  • os impactos negativos que são referidos como consequência da sua introdução não dizem respeito a qualquer carácter invasivo mas ao seu uso em monocultura, matéria que não diz respeito a este diploma;
  • a fundamentação não é clara, para além de umas referências a listas espanholas que não são facilmente acessiveis e a uma publicação espanhola, também não acessível na internet e a um site português coordenado por uma investigadora reconhecida e ex-dirigente ambiental, Helena Freitas, que não fundamenta em facto nenhum a razão de se considerar o eucalipto invasor.

Mais do que a eventual responsabilidade do ICNB, que ao contrário do que é costume na adminsitração pública, tem a proposta em discussão pública, consultou um grupo de peritos e etc., o que me preocupa é, mais uma vez, a forma como os especialistas em conservação são permeáveis ao uso abusivo das margens de incerteza científica para obter resultados positivos para as suas opções políticas. E nessa altura é até aceitável pôr de lado a psicose da citação e propôr normas sem claro fundamento em siutações bem identificadas e verificáveis.

Este caminho é mesmo perigoso para o bem essencial do movimento conservacionista: a sua reputação de independência face aos interesses. Mesmo aos interesses de quem vive da conservação, como aliás é o meu caso. E se depois de toda esta análise talvez não dissesse imediatamente que a hipótese de considerar o eucalipto como invasora é um disparate absurdo é mesmo porque espero para conseguir ter acesso aos fundamentos que com certeza foram avaliados com critério e justificarão essa classificação em situações concretas muito específicas que eu, neste momento, desconheço.

Adenda: já depois de publicado o post cheguei a esta referência bibliográfica, onde deve ser procurada a página 127. E reforço a minha conclusão. A transferência de devaneios pseudo-científicos em matéria de conservação para regulamentação é um risco que deveria ser levado muito a sério pelo movimento ambientalista.

henrique pereira dos santos

13 comentários:

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro Henrique,

A escolha de uma fotografia (quase)nunca é inocente. Porquê escolher uma fotografia de um fabuloso eucalipto monumental, para falar desta árvore como potencial invasora, e não a imagem de um denso matagal de eucaliptos, como os que cobrem hectares e hectares das encostas de Monchique?! (Nota: E não estou a falar de zonas que foram plantadas com esta espécie, mas de zonas onde esta espécie se tornou agressivamente dominante após incêndios recentes).

Mas calma que eu não venho defender que o eucalipto, entenda-se o E. globulus, é necessariamente uma espécie invasora (muito menos com base numa fotografia; embora a escolha de uma imagem mostre com que lado simpatizamos mais...).
Mas também não quer dizer que venha aqui para concordar, pelo menos a 100%, com o Henrique.

Há pontos em que concordo e outros em que discordo. Parece-me sobretudo que esta questão, de tão elevada complexidade, se resolve com tudo menos com respostas categóricas...

Comecei por esta questão de menor importância, a questão da escolha da fotografia, porque me parece que ela ajuda a sublinhar o facto que o Henrique partir para esta discussão com uma certeza (mais ou menos assumida): o eucalipto não pode ser considerada uma espécie invasora. Aliás, ponderar tal hipótese é mesmo, nas suas palavras, um "disparate absurdo".

Eu, por outro lado, parto para esta discussão ponderando, em igualdade de circunstâncias, ambas as possibilidades.

Começaria por perguntar ao Henrique que estudos científicos conhece que sustentem esta intuição (poderei chamar-lhe assim?!) que o eucalipto não pode, senão por absurdo, ser considerado invasora?

Tem razão, muito provavelmente, também não existem estudos científicos que provem o contrário.
Aliás, a única referência nacional que conheço em relação ao E. globulus é no sentido de esta ser uma "espécie potencialmente invasora", que é bem diferente de ser invasora, tal como consta do projecto INVADER (da citada Dr.ª Helena Freitas); o que eu pessoalmente depreendi desta lista do programa INVADER, embora possa estar enganado nesta análise, é que esta espécie, tal como muitas outras utilizadas frequentemente como ornamentais no nosso país (olaias, Melias, etc.), recebeu este título com base em estudos realizados em países com condições ambientais semelhantes às nossas.

Concordo que isto não pode servir, por si só, de base à catalogação da espécie como invasora no nosso país. É necessário analisar a realidade e efectuar investigações no nosso país; é necessário reconhecer que existem outros factores, que não apenas os físicos, que podem auxiliar (ou contrariar) na dispersão da espécie no território nacional.

Portanto, pode-se criticar a falta de estudos, a falta de rigor ou a (pretensa) parcialidade de estudos existentes...Mas tal só pode ser feito contrapondo com outros estudos: mais rigorosos e imparciais. Não conheço outra forma de fazer ciência!

Concordo, obviamente, que as decisões políticas não se podem basear apenas em relatórios científicos. Por exemplo,suponhamos que se comprova que o eucalipto se está a tornar uma espécie invasora. O que será mais importante: o valor da biodiversidade que se poderá perder em virtude desse facto ou os proveitos económicos que o país retira desta cultura?

Mais uma vez, caro Henrique...Parece-me tudo menos uma pergunta de resposta fácil, por isso o facto do Henrique desconhecer "fundamentos que com certeza foram avaliados com critério e justificarão essa classificação em situações concretas muito específicas" não significa que esses fundamentos não existam...Ou não possam vir a ser comprovados num futuro mais ou menos próximo.

O preconceito pode existir tanto na mentalidade primária "anti-eucalipto" como, por oposição, nos que se recusam a considerar essa hipótese até, meramente, de um ponto de vista académico.

P.S. - Por outro lado, reconhecendo que as acácias australianas (em particular a A. dealbata) são as nossa invasoras mais agressivas, não consigo compreender porque se critica um eventual teor excessivamente precaucionista da lei face a outras espécies.
Espécies que hoje são moderadamente invasoras no nosso país podem facilmente, por alterações ambientais diversas, tornar-se futuramente em espécies mais problemáticas.
Concentrando os esforços nas espécies mais problemáticas e no controlo das espécies potencialmente agressivas que possam entrar nas nossas fronteiras, não baixaria a guarda para as hakeas, pitósporos, ailantos e outras.
Se o problema das invasoras nos mostra algo é que a precaução nunca é suficiente...

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Adenda - Obviamente ficou por dizer, caso fosse necessário, que não acredito que o problema das invasoras se resolva (exclusivamente) com legislação (mais ou menos precaucionista).
Eu, pessoalmente, começaria pela informação e pela educação.
Todos os dias, por completo desconhecimento, muitos concidadãos nossos continuam a propagar invasoras...
Sem vencer a batalha da informação, não vale sequer a pena começar a luta noutros patamares, incluindo o legislativo.

Anónimo disse...

A mim o que me apavora são as pessoas completamente impermeáveis às margens de segurança. Aquelas que definem o "Princípio da precaução". Aquele que, por ser sistematicamente ignorado, desprezado e até frequentemente ridicularizado, nunca conseguirá impedir que continuemos a cometer os mesmos erros bacocos do passado.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Escolhi esta fotografia em primeiro lugar por ser fantástica. Em segundo lugar por ficar bem com o título do post: "o grande invasor". Em terceiro lugar por ilustrar bem a minha posição de partida: ainda que exista alguma evidência do carácter invasor do eucalipto parece-me muito pouco sensato misturar problemas reais (como o das acácias ou o do chorão) com problemas menores como o eventual carácter invasivo do eucalipto.
Posto isto, eu não preciso de estudos científicos para dizer que a chuva molha. Também não preciso de estudos científicos para dizer que a mimosa em Portugal tem um carácter fortemente invasor. Da mesma forma que não preciso de estudos científicos nenhuns para dizer que nunca vi nenhuma evidência, nem nunca vi nenhuma referência consistente, do carácter invasivo do eucalipto.
A isto chama-se senso comum.
Mas nem sempre o senso comum está certo (provavelmente escreverei hoje um post sobre isso a propósito dos incêndios em áreas protegidas) e para o que preciso de estudos científicos é para demonstrar que o senso comum está errado.
Neste caso, para eu me convencer de que há alguma razão na ideia de que o eucalipto tem carácter invasor, é que preciso de evidência científica.
A fortíssima regeneração de eucalipto após fogo não o prova (se assim fosse há uma data de pirófitas que teriam de ser incluídas).
Quanto ao princípio da precaução seria bom que se explicasse qual é o princípio de precaução que pode ser invocado a propósito desta calassificação do eucalipto como invasora, especialmente se associada ao regulamento a ques está associada?
henrique pereira dos santos

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro Henrique,

Não vim aqui para defender a proposta de decreto-lei do ICNB que propunha o eucalipto como invasora e que, entretanto, foi retirada sem explicações (Público de 20/3/09).
Repito que não me custa a acreditar, tal como o Henrique, que não exista fundamentação científica que sustente essa decisão (a de considerar o eucalipto invasor).
Embora também gostasse de conhecer e apreciar a fundamentação técnica para retirar essa proposta...

O que critico é outra coisa, que o Henrique veio reforçar ao afirmar na sua resposta:"Da mesma forma que não preciso de estudos científicos nenhuns para dizer que nunca vi nenhuma evidência, nem nunca vi nenhuma referência consistente, do carácter invasivo do eucalipto.
A isto chama-se senso comum".

O que me assusta é o Henrique partir do seu "senso comum" para deteminar se uma dada espécie é ou não invasora. E não é por ser do Henrique...Iria assustar-me se se tratasse do "senso comum" de qualquer outra pessoa, ainda que fosse de sentido oposto quanto ao estatuto do eucalipto.

Eu sou professor e todos os dias aplico o princípio do "senso comum"...Como qualquer ser humano, em qualquer tarefa diária. Mas este deve ter limites.
Não consigo vislumbrar outra alternativa que não seja através de rigorosos estudos científicos, como forma de determinar o potencial carácter invasor de uma espécie. Será o senso comum do Henrique, ou de qualquer outra pessoa, substituto credível para qualquer legislador se pronunciar sobre esta matéria? Ou será que devo começar a avaliar os meus alunos exclusivamente pelo "senso comum"?

Tremo só de pensar nessa hipótese...O conhecimento científico é por si só inacabado, mas pior que os resultados de um estudo científico mal planeado e conduzido, só mesmo basear as decisões em percepções sensoriais ou na mera análise de estatísticas.

Para mim, a questão mais pernitente e a única verdadeiramente importante é a seguinte: na hipótese, plausível pelo menos no plano teórico, do E. globulus ser uma espécie invasora, baseado em estudos científicos e não em "senso comum", como proceder?
Protege-se a biodiversidade ameaçada ou salvaguarda-se a indústria nacional florestal e de celulose? Ou pelo contrário, tenta-se conciliar as duas? Se sim, onde, de que forma e quem paga? Como se enquadraria uma situação destas na nossa legislação?

Isto sim vale a pena discutir...

P.s. - Por último, eu não afirmei que o eucalipto era invasor por reagir bem na sequência de um incêndio. O fogo potencia, isso sim, o carácter invasor de certas espécies, em determinadas locais e situações (e isto aplica-se a espécies alóctones ou exóticas, mas também a espécies autóctones, como sabe).

O que eu quis dizer com a (eventual)fotografia de Monchique foi precisamente o contrário e é pena que o Henrique não tenha compreendido. O que eu quis dizer é que se eu, ou qualquer pessoa, baseasse uma argumentação a favor do eucalipto como invasora "apenas" com base em tal fotografia, tal seria não apenas insuficiente mas até, provavelmente, ligeiramente demagógico.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Eu fiz um post num blog, não fiz uma proposta de lei. Acho normal usar o senso comum para fazer um post.
Ainda assim fiz um post onde refiro que fui à procura da evidência científica que contraria o senso comum e o que disse, e reafirmo, é que não a encontrei (mesmo a referência do invader não é nenhuma referência cinetífica: não só não tem peer review como não a baseia em nenhuma referência consistente).
Quando ela existir até posso mudar de opinião (e estou aberto a isso).
Mas mesmo que tal aconteça seguramente não é sensato tratar o problema da mimosa como o do eucalipto. Um é um verdadeiro problema, outro é um talvez problema limitado a circunstâncias excepcionais.
Com base nisso querer erradicar o eucalipto e considerar fora da lei a detenção de eucaliptos (bem como a produção, comercialização e etc.) é pura e simplesmente absurdo.
De acordo com a proposta de lei o fantástico eucalipto de Contige (ou qualquer dos outros monumentais) seria cortado.
É isso que se pretende?
É isso bom senso (que não é o mesmo que senso comum, podem mesmo ser inimigos)?
henrique pereira dos santos

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Para concluir que a "discussão" já vai longa...

O que eu queria ouvir do Henrique era o tal bom senso que utiliza quando diz:"Quando ela existir até posso mudar de opinião (e estou aberto a isso)". Ao que eu acrescento, como é evidente, se ela de facto vier a existir algum dia(ou seja, a suposta evidência científica do potencial carácter invasor do eucalipto).

Não aceitar essa possibilidade, pelo menos no plano teórico, ou seja, seguir o senso comum seria tudo menos bom senso! E chega de trocadilhos.

Claro que se essa evidência algum dia existir, é impensável pensar que o país possa prescindir desta cultura em absoluto. Ainda que tal se decretasse, seria lei que jamais seria cumprida e ambos sabemos isso...Na melhor das hipóteses, haveria um controlo (ainda) mais apertado na localização das plantações, não apenas em função do impacto nos recursos físicos mas também na biodiversidade local.

Porque o eucalipto tem hoje uma mais valia económica da qual o país não pode prescindir de forma absoluta. Pode sim, e deve, adequar a cultura aos solos e regiões bio-climáticas mais favoráveis.

Por último, uma proposta de lei que permitisse o abate deste eucalipto, como de qualquer acácia ou pitósporo monumental, por exemplo, seria não apenas um disparate como um crime. Não é o abate de exemplares isolados, de elevado valor patrimonial, que resolve o problema das invasoras. Por isso, nesse hipotético caso, poderá contar sempre comigo para me acorrentar à árvore.

Henrique Pereira dos Santos disse...

No caso de algumas exóticas, invasoras agressivas ou que produzem milhares de sementes anuais cuja viabilidade pode chegar comprovadamente aos setenta anos, como é o caso de algumas acácias, pode justificar-se o abate de exemplares monumentais.
Quanto ao resto estamos de acordo. Só que eu não estava a discutir hipóteses teóricas mas sim uma proposta de lei concreta.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique

1. "seria bom que se explicasse qual é o princípio de precaução que pode ser invocado a propósito desta calassificação do eucalipto como invasora". O do bom senso, o senso comum. Aquele em nos baseamos (ambos) para dizer que as mimosas são invasoras, não o outro (o que está errado). Mas não se viu aqui ninguém comparar o impacto do E. globulus com o impacto das mimosas. Eu, pelo menos, não vi.

2. Do Pedro Santos: "Embora também gostasse de conhecer e apreciar a fundamentação técnica para retirar essa proposta..." Pelo que o Henrique descreve no seu post, espero que a alteração sem explicações não tenha sido devida àquele telefonema. Isso acarretaria uma enorme responsabilidade para si. Porque se, com as actuais alterações ao nível do clima, com a incidência dos fogos florestais e com as alterações do solo que vão verificando na processo de desertificação, pode acontecer que as características de propagação desta espécie (especialmente adaptada a estas novas condições) se venham a alterar no futuro. Estou a ser sincero quando lhe digo que ficaria feliz por me enganar, e que o Henrique estivesse na posse da razão ao afirmar categoricamente: "A minha resposta foi imediata: claro que não, essa hipótese é um disparate absurdo".

3. "Eu fiz um post num blog, não fiz uma proposta de lei. Acho normal usar o senso comum para fazer um post". Não para quem tem as suas responsabilidades e para quem escreve num "blogue de ambiente" que se quer responsável e esclarecedor. Ainda não encaro este espaço (o Ambio) como um blogue de opinião, embora ultimamente me veja cada vez mais inclinado para o fazer. Lamento.

4. Não li a proposta de Lei mas parece-me que o Espírito da Lei (aquela coisa que ninguém lê porque saltamos logo para a análise das vírgulas dos decretos e parágrafos) é, de forma prudente e precavida, restringir as novas plantações e aumentar o controlo efectivo sobre a gestão das já instaladas. Que há leis muito mal feitas, especialmente quando combinadas com outras já existentes, todos nós o sabemos. Dizer que a proposta de Lei se prepara(va) para mandar arrasar os eucaliptais em todo o país, bem punir quem vai apanhar umas folhinhas para fazer infusões (já para não falar do disparate de cortar árvores monumentais) parece-me um recurso à mais pura demagogia na argumentação.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel Rodrigues,
1) Fiquei sem perceber qual era a precaução associada ao facto de se classificar o eucalipto como invasora.
2) Neste momento não trabalho no ICNB e não tenho nada com esta lei.
3) Este é um blog de pessoas que trabalham em ambiente, que o tratam profissionalmente na maior parte dos casos e que sobre o que aprendem têm opiniões, nem sempre coincidentes. O que só não se repara mais porque os meus companheiros de blog têm tido pouca disponibilidade para escrever.
4) Leia se não se importa a proposta de lei. É que o que está proposto é mesmo erradicar o eucalipto em cinco anos e considerar a sua posse como contra-ordenação. Eu também acho que não era isso que ninguém queria mas parece-me que se fez um regulamento a pensar em mimosas e achegãs e um anexo, ao qual se aplica o dito regulamento, incluindo eucaliptos. Acontece. E é para se corrigir que esté em discussão pública.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel Rodrigues,
1) Fiquei sem perceber qual era a precaução associada ao facto de se classificar o eucalipto como invasora.
2) Neste momento não trabalho no ICNB e não tenho nada com esta lei.
3) Este é um blog de pessoas que trabalham em ambiente, que o tratam profissionalmente na maior parte dos casos e que sobre o que aprendem têm opiniões, nem sempre coincidentes. O que só não se repara mais porque os meus companheiros de blog têm tido pouca disponibilidade para escrever.
4) Leia se não se importa a proposta de lei. É que o que está proposto é mesmo erradicar o eucalipto em cinco anos e considerar a sua posse como contra-ordenação. Eu também acho que não era isso que ninguém queria mas parece-me que se fez um regulamento a pensar em mimosas e achegãs e um anexo, ao qual se aplica o dito regulamento, incluindo eucaliptos. Acontece. E é para se corrigir que esté em discussão pública.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique

1. Se existe uma possibilidade de uma espécie se tornar invasora, seja porque motivo for, deve ser aplicado, como também deveria ser em tantas outras situações, o Principio da Precaução. Não sei como lhe explicar isto de outra forma.

2. Peço desculpa, pensava que ainda trabalhava no ICNB. Mas qualquer pessoa que, como nós, escreve para o público tem responsabilidades no que afirma.

3. Do que vi noutras discussões de post's do Ambio, fique com a impressão, positiva, de que se tratava de um espaço mais de divulgação do que de opinião. Talvez seja um pouco de ambos.

4. Acredito que a proposta de Lei tenha defeitos, como é habitual. Daí a afirmar categoricamente que "claro que não, essa hipótese [o eucalipto é uma espécie invasora] é um disparate absurdo", vai uma grande distância.

O facto é que esta espécie ficou de fora.

Mas se, dadas as alterações que já se fazem sentir, o E. globulus se tornar invasor, será o ICNB que terá arcar com as responsabilidades. Entretanto, continua o "vê se te avias enquanto podes" no que toca a florestação de produção.

Hélia Marchante disse...

De tudo o que já foi escrito a respeito do "grande invasor", concordamos com algumas coisas e discordamos de outras. Não pretendemos listar aquilo com que concordamos ou discordamos mas uma vez que nos foi dado conhecimento deste texto, entendemos ser nossa obrigação enviar um contributo para a discussão do tema.

Trabalhamos desde há alguns anos com plantas invasoras e somos co-autoras do "site português" referido, do qual a Prof. Helena Freitas é coordenadora. Em nossa opinião, a questão do eucalipto precisa de ser discutida com abertura, encarando todas as possibilidades...

HÁ ALGUNS ANOS, quando nos perguntavam se o eucalipto (Eucalyptus globulus Labill.) deveria ser considerado uma espécie invasora, não respondíamos "claro que não, essa hipótese é um disparate absurdo", mas quase! Em boa verdade, só não considerávamos "um disparate absurdo" por termos em conta o historial da espécie como invasora em regiões de clima mediterrânico. Mas explicávamos que uma espécie exótica não é sinónimo de espécie invasora e que o facto de vermos eucaliptos ocupando grandes extensões de território no nosso país nada tinha a ver com a capacidade da espécie dispersar pelos seus próprios meios, mas sim com a (discutível) opção de a plantarmos em larga escala. Usávamos, então, o eucalipto como exemplo de uma espécie exótica que não era invasora em Portugal.

No entanto, HOJE, não temos a mesma opinião!

Defendemos, com base em estudos realizados noutros locais e nas observações que temos feito que o eucalipto tem actualmente um comportamento invasor no nosso país (em semelhança do que se passa em várias outras regiões de Clima Mediterrânico, e.g. Califórnia e Chile).

Eventualmente, a terminologia que se usa na comunicação deste tema está na base de muitas confusões, pelo que esclarecemos desde já o que entendemos por espécie invasora: espécie exótica que produz descendentes férteis frequentemente em grande quantidade e os dispersa muito para além da planta-mãe, sem intervenção directa do Homem, e com potencial para ocupar áreas extensas, em habitats naturais ou semi-naturais.

Tanto quanto sabemos, em relação ao eucalipto, não existem ainda estudos em Portugal publicados que verifiquem detalhadamente cada um destes aspectos. Fundamentamos portanto a nossa análise nas características da espécie e nas observações efectuadas em diversas situações no nosso país (e.g. Tapada Nacional de Mafra; várias localizações ao longo da A1 e ao longo da Estrada da Beira, EN-17/margens do Rio Ceira; partes da Serra da Boa Viagem, Fig. Foz), a saber:

1) o eucalipto é uma espécie exótica;
2) produz sementes em grandes quantidades (o que se tem vindo a acentuar com algum abandono verificado e alteração dos ciclos de corte) e regenera vigorosamente de touça
3) as sementes são dispersas para além da planta-mãe (como atinge alturas elevadas consegue dispersar sementes para muito longe), sem intervenção directa do Homem, originando novas plantas
4) tem potencial para ocupar áreas extensas no futuro (associando a capacidade de dispersão às extensas áreas onde está plantado),
5) ocorre, por vezes, a regenerar em habitats semi-naturais a alguma distância das plantas-mãe, impedindo o desenvolvimento de outra vegetação.
6) há zonas onde estão a (tentar) controlar o eucalipto, obtendo-se níveis altos de regeneração (re-invasão) posterior e baixos graus de sucesso (tanto devido à germinação como à regeneração vegetativa - equivalente ao que ocorre com a mimosa).

Não creio que alguém tenha dito que o eucalipto vai ser listado como invasor na nossa legislação - faz(ia) apenas parte de uma PROPOSTA que está para discussão pública - e, quanto a nós, a discussão pública sobre esta proposta é muito necessária! Questionamo-nos portanto porque é que uma proposta (que cremos fosse só isso) terá sido alterada antes de passar da fase de proposta... muitas outras alterações serão ainda com certeza introduzidas.

Acreditamos que o eucalipto não deva ser tratado na legislação da mesma forma que as acácias - não por considerar que tem menos capacidade de invadir (já observamos situações de regeneração em que há competição entre acácia-de-espigas e eucalipto e em que o eucalipto domina), mas por reconhecermos que qualquer análise tem que ter em conta o aproveitamento económico que tem no nosso pais.

No entanto, essa posição não significa "mascarar" o comportamento INVASOR que o eucalipto, na nossa opinião, está actualmente está a ter. Talvez a presente proposta de dec. lei sobre esta matéria pudesse incluir uma distinção entre grupos de espécies com comportamento invasor, considerando o controlo de umas e a contenção/exploração controlada de outras - caso contrário, arriscamo-nos a que as gerações futuras (ou ainda a nossa) tenham que vir a lidar com o eucalipto (ou outras espécies) como actualmente lidamos com as mimosas!

Elizabete e Hélia Marchante


PS1. Por curiosidade, e para quem não conhece, sugerimos uma visita ao Concelho de Vila de Rei certamente que pode influenciar opiniões sobre a perigosidade das háquea-picante.

PS2. Não podemos deixar de referir a nossa total concordância pela opinião já expressa de que a grande aposta deve ser a informação e a educação (até mais do que a legislação...)

PS3. Tanto quanto sabemos, também não há nenhum estudo que prove que o eucalipto não é invasor em Portugal.