retirada daqui
Simpaticamente, recebi há alguns dias uma circular informativa do CEAI-Centro de Estudos da Avifauna Ibérica, que convidava à visita ao seu microsite acerca da Conservação das Populações Arborícolas de Águia de Bonelli em Portugal. Trata-se de uma página com conteúdos interessantes sobre a biologia e ecologia da Águia de Bonelli e, mais concretamente, acerca de um projecto LIFE promovido por esta ONGA.
Surpreendeu-me também pela positiva a forma clara e rigorosa com que a situação da Águia de Bonelli em Portugal é descrita "Em Portugal, a regressão populacional chegou a atingir cerca de 15% do efectivo populacional com incidência no interior fronteiriço e orla costeira. Actualmente, o lento declínio que ainda se verifica no Nordeste do país é numericamente compensado pelo aumento contínuo da população do Sul, que quase duplicou nos últimos 15 anos". E surpreendeu-me porque, ainda há alguns anos atrás (2003) assisti numa comunicação num congresso da SPEA-Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, o seu autor, investigador ligado ao estudo desta ave de rapina, traçar um cenário negro sobre a situação desta espécie em Portugal, quando a tendência populacional da Águia de Bonelli era já semelhante à actual. Com lento declínio no Nordeste do país e aumento contínuo no Sul do território nacional.
Posteriormente à apresentação da referida comunicação contrapus o autor da mesma com o que havia afirmado. Como remate da nossa conversa, foi-me dito que tendo a noção dos políticos que nos dirigiam, havia que passar informação técnica suficientemente inquinada, à medida dos resultados que se pretendiam obter.
Eis pois duas formas completamente distintas de dar a mesma informação. A primeira clara, rigorosa e honesta. A segunda, que corresponde a uma certa tendência existente, mais ou menos consciente (diga-se que, neste caso, bem consciente), de dar uma visão ensombrada da situação de uma espécie por forma a obter uma maior preocupação política para a dita. Acrescente-se que, não raras vezes, à custa de outras espécies em situação bem mais problemática, porque as prioridades hierarquizam adjudicação de recursos.
Sempre entendi que era competência de um técnico/investigador que procura definir a situação de determinada espécie, fornecer informação de qualidade, tão rigorosa quanto possível e, claro está, séria e honesta. O facto de muitos políticos aproveitarem de forma abusiva sinais positivos sobre a situação de uma espécie que não deixa de estar ameaçada para tomarem decisões como se de uma espécie abundante se tratasse, não legitima (nem sequer moralmente) omissões ou, como agora simpaticamente se diz, inverdades.
Entendo que rigor técnico e honestidade são os únicos pontos de partida possíveis e aceitáveis para que, a posteriori, possamos enquanto cidadãos, exigir seriedade, honestidade e ética na decisão política.
Gonçalo Rosa
4 comentários:
É uma boa notícia que a população de Bonelli no Sul esteja a aumentar o suficiente para compensar o seu declínio no NE.
No entanto, é importante verificar se se trata "apenas" de um aumento populacional ou se é acompanhado por um alargamento da sua área de distribuição que possa estabelecer uma continuidade espacial entre os diversos núcleos populacionais da espécie.
A regressão da espécie nas zonas do Norte não é exclusiva de Portugal, pois também se verifica em Espanha. O atlas deste país também indica uma situaçao semelhante, com a progressiva concentração da espécie no Sul devido à importante regressão no Norte.
É muito bom saber que no Sul de Portugal a população aumenta mas parece-me que o que se assiste actualmente uma importante contracção da distribuição da espécie. E não esqueçamos que quanto menos área ocupada maior é a vulnerabilidade a longo prazo de uma espécie.
Pedro Cardia
Caro Pedro,
Os pontos que levanta são algo laterais à questão de fundo deste post, ainda assim, gostaria de fazer os seguintes comantários:
- em termos numéricos (números de casais), as perdas registadas no Nordeste do país são inferiores ao incremento registado no Sul de Portugal; a população nacional está, portanto, em incremento;
- afirma "que se assiste actualmente a uma importante contracção da distribuição da espécie", em Portugal? Que quer dizer com isso?
Gonçalo Rosa
Caro Gonçalo,
Não discuto nem ponho em causa que o efectivo total em Portugal tenha aumentado.
Usei a palavra "contracção" para me referir à diminuição da área ocupada pela Bonelli na P.I., a qual é acompanhada por uma diminuição do número de casais.
Em Portugal, se a tendência regressiva do núcleo do NE se mantiver é inevitável que se comecem a "abrir buracos" na distribuição actual nesta área (provavelmente ocupados pelas reais ou grifos), o que tem como consequência uma diminuição da área ocupada pela espécie.
E continuo com aopinião que quanto maior´éo grau de concentação de uma espécie (densidade) maior é a sua vulnerabilidade a longo prazo.
Pedro
Pedro,
Concordo contigo quando dizes que "quanto maior é o grau de concentação de uma espécie (densidade) maior é a sua vulnerabilidade a longo prazo".
Dada a situação do núcleo do nordeste do país, não duvido também que a sua conservação seja prioritária relativamente às populações do sul do país.
Mas quando afirmas que "Em Portugal, se a tendência regressiva do núcleo do NE se mantiver é inevitável que se comecem a "abrir buracos" na distribuição actual nesta área (provavelmente ocupados pelas reais ou grifos), o que tem como consequência uma diminuição da área ocupada pela espécie", discordo de ti. Em primeiro lugar, se é um facto que se podem abrir "buracos" na distribuição no Nordeste, já a nível nacional, parece (já) haver, no mínimo, uma tendência de compensação dessas perdas, dado o incremento populacional a sul e a ocupação de algumas novas áreas. Em segundo lugar, gostaria de ver estudos publicados que demonstrem inequivocamente que as Bonelli's saiam a perder de uma certa competição com grifos. Tenho as minhas dúvidas... mais empíricas, é certo.
Gonçalo Rosa
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