quinta-feira, abril 09, 2009

A vingança do excesso

No passado dia 3 de Março, o jornal brasileiro O Globo publicou um interessante artigo de opinião de Paul Krugman, colunista do New York Times e Prémio Nobel da Economia (2008). Achei interessante mencioná-lo aqui.

A vingança do excesso

Lembram-se dos bons e velhos dias quando falávamos sobre crise do subprime - e alguns até pensavam que essa crise poderia ser contida? Ah! A nostalgia!

Hoje sabemos que os empréstimos subprime eram apenas uma pequena fração do problema. Como essa crise de débito global ocorreu? Por que se espalhou tanto? A resposta, creio, pode ser encontrada num discurso que Ben Bernanke (presidente do Federal Reserve, o BC americano, desde 2006), deu há quatro anos. O que ele disse então foi um prenúncio da crise por vir.

O discurso, intitulado "A abundância global da poupança e o atual déficit em conta corrente dos EUA", ofereceu uma nova explicação para o rápido crescimento do déficit comercial americano no início do século XXI. As causas, argumentou Bernanke, não estavam nos EUA, mas sim na Ásia.

Em meados dos anos 90, destacou ele, as economias emergentes da Ásia eram grandes importadoras de capital, pegando emprestado no exterior para financiar seu desenvolvimento. Porém, após a crise financeira asiática de 1997-1998, esses países começaram a se proteger acumulando grandes quantidades de ativos estrangeiros, na prática exportando capital para o resto do mundo. O resultado foi uma inundação de dinheiro fácil no mundo, procurando algum lugar para ir. A maior parte desse dinheiro foi para os EUA - daí o enorme déficit comercial, pois o déficit comercial é o outro lado da moeda do fluxo de capital.

Bernanke citou "a profundidade e a sofisticação dos mercados financeiros americanos (o que, entre outras coisas, permitiu às famílias fácil acesso ao mercado imobiliário)". Profundidade, sim. Mas sofisticação? Bem, pode-se dizer que os banqueiros americanos, fortalecidos por um quarto de século de frenesi desregulatório, guiaram o mundo na busca de formas sofisticadas de ficarem ricos, camuflando riscos e enganando investidores.

A solta regulação do sistema financeiro marcou muitos dos outros recipientes de grandes fluxos de capital. Isso pode explicar a correlação entre a exaltação conservadora de dois ou três anos atrás e o desastre econômico hoje. "As reformas tornaram a Islândia um tigre nórdico", declarou um ensaio do Cato Institute. "Como a Irlanda se tornou um tigre celta" foi o título de um artigo do Heritage Foundation; "O milagre econômico da Estônia" foi o título de outro. Todas as três nações vivem agora uma profunda crise.

Por um período, a inundação de capital criou a ilusão de riqueza nesses países, assim como fez com os mutuários americanos: os preços dos ativos estavam subindo, as moedas estavam fortes e tudo o mais parecia bem. Mas as bolhas sempre estouram, cedo ou tarde, e as economias do milagre de ontem se tornam os casos fracassado de hoje.

Se você quer saber de onde veio a crise global, então, veja a coisa dessa forma: estamos vendo a vingança do excesso. Foi assim que nos atolamos nesse caos. E ainda estamos procurando uma saída.

Paul Krugman in O Globo, 03.03.2009

Para quem se interessa por Economia, recomendo ainda uma visita ao blog de Paul Krugman.

Gonçalo Rosa

3 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Gonçalo,
Confesso que fico baralhado com o Sr. Krugman. Aliás já em Dezembro fiz um post sobre isso (http://ambio.blogspot.com/2008/12/alteraes-climticas-e-financeiras.html) porque o que ele defendia era o estímulo dos estados ao consumo.
Hoje não sei o que defende.
henrique pereira dos santos

EcoTretas disse...

O que a maioria das pessoas não sabem é quando tudo isto começou. O problema remonta a 1999, com o presidente Clinton. Vejam mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Fannie_Mae#Contributing_Factors_and_Early_Warnings
Agora, vem o Cap&Trade. Quando nos safarmos desta, temos mais problemas imediatamente a seguir...
Ecotretas

José M. Sousa disse...

Essa defesa do consumo de Krugman não deve ser confundida com consumismo. O problema que enfrentamos com a crise é de uma queda abrupta da actividade económica - e do consumo - que, em muitos casos, deixa as pessoas sem rendimentos e sem capacidade para adquirir bens essenciais, incluindo comida.
Claro que o fomento da actividade económica não pode ser a qualquer custo, porque, pior que a crise económica e até uma das suas causas profundas, é a crise ambiental.
Sobre todas estas relações complicadas, sugiro um relatório notável publicado recentemente: "Prosperity without Growth?"