sexta-feira, maio 15, 2009

Economias do absurdo

Quando os miúdos eram mais pequenos uma das minhas funções principais era ser motorista de meninos.
Com eles mais crescidos essa função quase desapareceu, mas de vez em quando ressurge.
Foi o caso um dia destes, e já que estava fora dos circuitos habituais, aproveitei para um dos meus programas turísticos preferidos em qualquer parte do mundo: ir ao mercado ver em que param as modas.
É curioso como os mercados e as feiras eram importantes, sendo fortemente regulamentados, pelo menos desde o império romano.
O que hoje se encontra nos nossos mercados municipais é confrangedor, com excepção de uma ou outra banca (como confrangedor é a limitação do mundo em que nos fechamos: espicaçado pelo balde de favas secas do senhor a quem comprei as ervilhas, óptimas, fui perceber, quando cheguei a casa, como se cozinhavam, para comprar da próxima vez que as encontrasse, o que hoje é raro. E só nessa altura descobri o que era a mulher da fava rica. Realmente é assombrosa a ignorância que carregamos sem dar por isso).
Compreende-se que há anos atrás os mercados municipais tivessem uma função essencialmente abastecedora, orientada para o acesso dos consumidores locais a produtos que tanto podiam ser locais como do outro lado do mundo.
Com a distribuição a pôr vários supermercados eficientes a cumprir essa função, apoiados em centrais de compras que esmagam, a favor do consumidor, a capacidade negocial dos pequenos produtores, que justificação existe para o que hoje são os mercados municipais, com espaços que são autênticas mercearias, com bancas de frutas e legumes a vender produtos das mais longínquas proveniências e abastecidos, muitas vezes, sem qualquer ligação aos produtores locais?
Os mercados são pagos com dinheiros dos contribuintes e, na sua maioria, não acredito que não sejam deficitários, apesar das taxas pagas pelos vendedores.
Ao mesmo tempo que em relação aos mercados se percebe mal a sua função actual (o que têm eles de diferente do supermercado ou da mercearia da esquina?), fazendo com que mercados no centro de Lisboa, em zonas de elevado poder de compra, como o do Rato, agonizem anos a fio por falta de razão que leve os consumidores a frequentá-los, os matadouros e os pequenos produtores de queijos, chouriços e etc., são fechados ou fortemente condicionados. A política higienista dominante em Portugal, sem qualquer ponderação de sustentabilidade ambiental e de racionalidade na proporção entre a regra (com frequência excessiva) e o bem que se pretende proteger (a saúde pública que ganharia com produtos de época e menos processamento industrial dos alimentos) é um entrave poderoso para os pequenos produtores e um instrumento de normalização no abastecimento do consumo.
Pergunto-me se os municípios não poderiam introduzir algumas condições na concessão de bancas nos mercados municipais que ajudassem a dar sustentabilidade ao país, a viabilizar a produção agrícola e artesanal dos seus concelhos, a aumentar o interesse turísitico dos mercados introduzindo-lhes diferenciação, aumentar o número de consumidores de produtos locais e ainda contribuir para uma linha de política económica que me parece tão importante como a do apoio às exportações: o apoio à substituição de importações, nomeadamente de alimentos.
Será assim tão complicado impôr aos concessionários das bancas que 5, 10, 20, 50% (tanto me faz numa primeira fase) dos produtos vendidos tenham origem num raio de 50kms (também tanto me faz se são 25 ou 75 kms) em volta do mercado? Com certeza não se pode impôr isso às bancas de peixe do mercado em Bragança, mas já são minudências de gestão.
A ideia central é a de que talvez faça sentido usar os mercados municipais para a intervenção não regulamentar, ou melhor, por regulamentação indirecta, na revitalização de economias locais e consumos mais sustentáveis.
Francamente custa-me ver em toda a Lisboa isto
para depois encontrar na mercearia mais próxima nêsperas espanholas, caríssimas, porque não há portuguesas.
Parece-me uma economia de absurdos que tem muito mais relações com o nosso empobrecimento colectivo do que parece à primeira vista.
Eu sei que as nossas tristes elites acham (apesar da lucidez de Aquilino, dizendo que o melhor do país cheira a estábulo) que o futuro radioso de Portugal é somente feito de grandes avenidas rasgadas em direcção ao mundo (sejam elas aeroportos, portos, linhas de caminho de ferro, Qimondas, IKEAs, Alquevas e resorts turísticos maravilhosos) e tudo o que seja falar sobre produzir batatas é reduzido imediatamente a um discurso passadista sobre o miserável país rural de antanho.
Mas a verdade é que por mais "carré de cordeiro com ratatouille" que seja o almoço, o cordeiro continua a nascer em campos que se estendem com verdura bela, vindo de "Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes" e o gratinado de batata continua a ser feito de batatas que podem muito bem ser estrumadas com a porcaria que faz a dita ovelha.
henrique pereira dos santos
PS E entretanto, no meio da ruína económica e social do nosso mundo rural, há uns quantos intelectuais que acham que o problema verdadeiramente importante é o dos seis terroríficos toiros, sendo menor o problema da sustentabilidade da economia de onde provêem os seis terroríficos toiros que abrilhantam a feira do melão

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