quinta-feira, julho 23, 2009

Ganhos de causa




Num comentário a este post, Francisco Ferreira diz, respondendo à minha pergunta:

A QUERCUS negoceia minimizações depois de considerar a autorização do projecto ilegal?
"Sim, se o entendimento do tribunal for diferente do da Quercus como foi em termos de providência cautelar e as obras possam prosseguir e se os ganhos em causa forem significativos."

Esta lógica parece-me a mim irmã da lógica que leva o actual Ministro do Ambiente a falar de sobre-compensação numa primeira fase, de ganhos de conservação numa segunda e de um novo modelo de financiamento para a conservação numa terceira quando fala de projectos com fortes impactos negativos na conservação (como Odelouca e o Sabor, por exemplo).
A ideia base é a de que já que o projecto se vai fazer, vamos tentar ganhar o máximo para o ambiente.
Em primeiro lugar isto é objectivamente uma lógica de extorsão do Estado aos promotores (eles próprios são por vezes o Estado) e é, do meu ponto de vista, ilegal.
A lógica das medidas compensatórias não é a de sacar o mais possível dos projectos para o ambiente, é a da compensação proporcional dos efeitos do projectos (havendo, com certeza, margem de discussão sobre até onde vai essa proporcionalidade).
Eu sei que a ideia base é popular, mas é profundamente perversa e sobretudo abre o flanco para processos muito pouco transparentes de troca de favores. E sei também que é uma lógica fortemente impulsionada pela Comissão Europeia para reduzir as queixas ambientais que recebe (na lógica de que se os promotores se entenderem com as ONGAs se reduzem as queixas e os processos).
Pegando no processo concreto da Costa Terra não deixo de ficar arrepiado com o que diz o Francisco no fim de elencar o número de coisas que se ganharam (e que discutirei já a seguir): "Manutenção da queixa junto da CE por não ter havido avaliação estratégica e não estar em vigor plano de gestão do sítio e até esta situação ser ultrapassada".
Estamos pois perante uma verdadeira negociação em que se discute a manutenção ou retirada das queixas feitas anteriormente pela QUERCUS em troco de vantagens ambientais dos projectos? O que tem isto de diferença conceptual dos processos de extorsão de donativos em troco de segurança dos estabelecimentos usados por outras organizações bem pouco recomendáveis? Não estou a fazer um paralelismo entre essas organizações e a QUERCUS, seria uma estupidez sem nome, estou apenas a procurar discutir o que é estruturalmente diferente para além do uso da violência física substituída aqui pela ameaça do Tribunal Europeu?
Pondo de parte este lado mais assustador deste tipo de processos, concentremo-nos no elenco dos ganhos de causa que justificam isto tudo, analisando um por um:

"a não construção na área de Rede Natura do sitio Comporta-Galé excepto perímetros urbanos"

Como se assegura isto? Evidentemente alterando os planos (mesmo assim a garantia é temporária porque os planos podem ser mudados). Uma vez arquivado o contencioso comunitário o que vai suceder se já antes foi aprovado (ou estava para ser, ou um dia será) um projecto de seiscentos hectares (penso eu) na herdade da Comporta. Mas sobretudo como vai ser possível explicar que por causa dos projectos já aprovados todos os outros proprietários são chamados a suportar os custos da sua execução sem nenhum proveito? Alguém acredita que qualquer que seja a administração, local ou central, essa injustiça primordial se vai manter? Não que eu defenda que todos os proprietários tenham os mesmo direitos de construção que os dos projectos aprovados, mas que não acredito em soluções que são intrinecamente injustas em que uns comem os figos e aos outros lhe rebenta a boca, ai isso não acredito seguramente. Ou seja, uma declaração de intenções razoavelmente inútil, até porque os promotores esfregam as mãos de satisfeitos porque se quebrou o vínculo de responsabilidade entre promotor e medida compensatória.

"carga máxima para Pinheiro da Cruz limitada ao nº presos+funcionários e área actual"

Esta faz-me lembrar um parecer que uma vez emiti em que condicionava a aprovação de uma pedreira à legalização da britadeira que ela continha, o que permitiu à entidade licenciadora aprovar a pedreira com o argumento de que em relação à pedreira o parecer era positivo e não era legalmente admissível condicionar a aprovação de um projecto a condicionantes impostas a outro completamente diferente. Quem garante isto? Onde está o vínculo jurídico que obrigue quem quer que seja a cumprir isto?

"redução de nº de camas ou área (CostaTerra a redução seria de 35 mil metros quadrados)"

Em quê e com que ganho ambiental?

"gestão activa de habitats para além das condições do EIA na forma de área protegida privada ainda em moldes a definir e integrando Pinheiro da Cruz para além de Pinheirinho e Comporta"

Isto é o que se chama uma charada. O que quer dizer para além das condições do EIA? O que trás a classificação de área protegida de novo? Essa classificação implica a posse dos terrenos, o que significa que só aplicável às propriedades dos promotores cuja gestão estava já fortemente condicionada pelas condições de aprovação, implicando gestão activa de áreas concretas e com objectivos concretos. O que se ganha com esta nova formulação para além da integração de Pinheiro da Cruz (que evidentemente ninguém pode garantir a não ser no processo de avaliação e aprovação de projectos que eventualmente venham a ser previstos para lá).

Ou seja, a QUERCUS mete-se por caminhos escusos de negociar queixas de processos que considera serem aprovados ilegalmente a troco de uma mão cheia de nada e outra cheia de vento.
Tendo na raiz disto tudo uma boa intenção profundamente perversa: a de que havendo ganhos de causa se justifica negociar opiniões.
Eu acho um caminho errado.
Tenho sobre aprovação destes processos uma opinião bem menos agressiva que a da QUERCUS como já expliquei em vários posts, e acho que globalmente, com as medidas de compensação adoptadas formalmente e vinculadas juridicamente, os seus efeitos na conservação são marginais, mas não é a substância da coisa que me preocupa mas sim a adopção de procedimentos pouco transparentes, pouco sustentados tecnicamente e pouco sustentados adminstrativamente.
Mais vale perder no tribunal e assumir com clareza que se perdeu que procurar pequenas sobras disfarçadas de ganhos de causa que pouco mais são que uma capa de respeitabilidade ambiental para processos que podem acabar muito mal.
henrique pereira dos santos

9 comentários:

Unknown disse...

Há um abuso de análise feita pelo Henrique quando usa várias vezes termos no passado (ex. "ganharam") quando não há acordo rigorosamente nenhum.

Como é natural, num qualquer processo judicial, pode ser sugerido pelas partes (e não foi a Quercus a tomar a iniciativa) que se converse sobre a possibilidade de um acordo. Estamos a falar até mais de um diálogo do que de uma negociação que pode ou não surgir numa segunda fase.

Primeira questão: estamos a lidar com inúmeros proprietários? Não... A grande maioria da área do sítio Comporta-Galé é propriedade de 3 grupos económicos, sendo que as áreas mais sensíveis em termos de habitats estão nas propriedades respectivas. A discussão que tem havido tem envolvido todos e não apenas a CostaTerra.

Segunda questão: os aspectos em causa colocados junto do tribunal nos processos para cada empreendimento são diferentes e pode-se obviamente questionar doi ponto de vista juridico mas foi essa a aboragem decidida: aspectos macro como a falta de avaliação estratégica e de gestão do sítio rede natura e a ocupação de habitats prioritários foram a razão da queixa à Comissão Europeia, enquanto a última questão é a principal para justificar os processos e tribunais nacionais relativos individualmente para cada empreendimento.

Terceira questão: o Henrique tem toda a razão no que respeita à permanência de um qualquer acordo no tempo, nomeadamente compromissos de não onstrução - mas esse é um aspecto que é óbvio para a Quercus que a acontecer tem de ser garantido num longo prazo (30 anos?). É juridicamente possível? Dizem-nos que sim, mas vamos ver como e quando e se a questão se colocar.

Quarto aspecto: "mais vale morrer de pé mas com a consciência tranquila ou "ceder" num acordo"?" Bem, esta é a questão moral e eticamente mais complicada e não é fácil nem para mim pessoalmente nem pra a Quercus tomar uma decisão e as opiniões dividem-se. Mais ainda, este é um aspecto pertinente na política ambiental e noutras - quanto vale a verticalidade? A minha exclusiva opinião é que face ao risco de uma decisão negativa dos tribunais por motivos que até muitas vezes são meramente procedimentais e um ganho substancial e global para o objectivo final da questão que é garantir a preservação daquele troço de litoral, tal pode justificar o "engolir do sapo". Pelo que consigo perceber, o Henrique considera que as medidas de compensação definidas no EIA deverão ser suficientes para compensar os impactes em causa. Mas se proprietários, na sua área, e o Estado (na área de Pinheiro da Cruz) estiverem dispostos a ir mais longe como forma de ultrapassar um desacordo, é errado eu fazer essa avaliação? Tendo o Henrique estado em cargos de chefia e numa área crítica como é a avalição de impacte ambiental no ICNB, nunca sentiu que muitos pareceres e decisões não foram precisamente cedências, compromissos, compensações para ultrapassar dilemas deste género?

Para o bem ou para o mal, nada está decidido, nem acordado, nem definido, e com eleições à porta ainda mais difícil seria de encontrar um solução. Mas,em minha opinião (a da Quercus veremos ao longo do tempo), a possibilidade de um acordo e não de uma negociata é um caminho a explorar.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Francisco,
Estou baralhado com a forma como explicas as coisas.
Dizes que "as condições sugeridas pela Quercus até foram objecto de notícia" mas logo depois "Há um abuso de análise feita pelo Henrique quando usa várias vezes termos no passado (ex. "ganharam") quando não há acordo rigorosamente nenhum".
Não vou discutir estas oscilações de discurso, entre passado e não passado, estou apenas a tentar justificar o uso do passado, concluindo que pode até ser má compreensão do que dizes, mas não me parece abuso.
Mas a questão de fundo prende-se com outra discrepância de discurso.
Tu dizes:
""mais vale morrer de pé mas com a consciência tranquila ou "ceder" num acordo"?" Bem, esta é a questão moral e eticamente mais complicada"
Eu respondo-te que não é esta a questão ética de fundo. Ou não é sobretudo esta.
A questão ética de fundo é a seguinte:
"Considerando alguém que há uma ilegalidade num processo é éticamente defensável fazer depender a denúncia (juridicamente válida, em tribunal, e não a denúncia mediática) dos ganhos obtidos para a conservação?".
O corolário: posso eu passar a aceitar uma ilegalidade, não a levando ao juízo do tribunal, porque obtive ganhos para a conservação interessantes?
Pode o fim, os ganhos para a conservação, justificar o meio, a complacência com a ilegalidade?.
Não vale a pena invocar aqui outro tipo de acordos judiciais admissíveis: eu insulto-te, tu levas-me a tribunal e fazemos um acordo em que o insultado sente que foi reparado o insulto em função de uma determinada acção que o insultador vai executar, desistindo da acção.
Não é disso que se trata.
Se eu vejo um assassinato não posso deixar de fazer a denúncia porque o assassino deixa aos herdeiros do assassino uma fortuna fantástica que os livrará da miséria em que sempre viveram, mesmo que considere essa a melhor solução para os vivos mais directamente prejudicados pelo assassinato.
Essa sim, é a questão ética de fundo.
E sobre isso eu tenho de facto uma posição muito clara: não há negociação face à ilegalidade.
O que responde à tua pergunta:
"Tendo o Henrique estado em cargos de chefia e numa área crítica como é a avalição de impacte ambiental no ICNB, nunca sentiu que muitos pareceres e decisões não foram precisamente cedências, compromissos, compensações para ultrapassar dilemas deste género?"
Não, nunca senti. Terei cometido erros, terei avaliado mal situações e por aí fora, mas não me lembro nunca, nem com ordens directas e despachos escritos de membros do Governo, de ter cedido uma única vez em questões de legalidade (sendo certo que aqui cabe uma zona cinzenta de interpretação da lei), mesmo nas situações em que não concordava com a lei e considerava que havia, fora da lei, melhores soluções (o que também acontece).
Cumpri com certeza ordens ilegais mas, que me lembre, deixei sempre escrito que me pareciam ilegais.
Podes aliás verificar isso, por exemplo, consultando o processo do Freeport, muito antes de ele ser o que é hoje e de ter todo o enquadramento que hoje dificulta a avaliação das intenções de todos os que nele participaram.
E este é o problema central: negociar a denúncia do que se entende ser uma ilegalidade.
henrique pereira dos santos

Unknown disse...

Henrique: não deixo em termos de princípios concordar contigo ,mas a minha visão mais pragmática (ainda hoje o Primeiro-MInistro dizia que mais que a ideologia era importante o pragmatismo para combater a crise) e que me faz discordar da tua posição é porque aquilo que são ilegalidades por demais evidentes para mim ou para a Quercus não o é reconhecido pela justiça. A quantos julgamentos já não fui em que a causa foi dada por perdida porque a forma e os procedimentos mais uma vez prevaleceu. Não é que não tenhamos ganho algumas causas...
Eu acho é que mais uma vez neste caso, e depois de ler os argumentos que conduziram ao recurso da provdência cautelar, o camihno vai ser semelhante. E daí pensar que conseguir determinados ganhos que podem ser muito relevantes ao nível de todo o aquele território pode ser o caminho a seguir. Não acho que fazer um eventual acordo seja admitir a legalidade - é às vezes a melhor solução possível avaliadas as circunstâncias.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Francisco,
Os princípios chamam-se princípios exactamente por virem antes de todas as outras considerações.
Portanto dizeres que concordas com os princípios mas que não os aplicas por razões práticas só se compreende quando explicas que adoptas José Sócrates como referência numa discussão sobre ética.
henrique pereira dos santos

Gonçalo Rosa disse...

Estando eu para aqui a assistir a toda esta (interessante) discussão, não quero deixar de salientar, mais uma vez, a abertura do Francisco Ferreira, dirigente da Quercus, em discutir abertamente a crítica que à sua associação foi dirigida.

Tenho pena que noutras ocasiões, com outros intérpretes, a opção tenha passado pelo "silêncio público", guardando figadeiras para conversas privadas. E eu que, fracassadamente, tanto desafio a assumirem o que pensam...

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Confesso que me vou perdendo na retórica do Henrique. O Henrique coloca o debate ao nível dos píncipios e coloca-se numa posição de superioridade moral dizendo que nunca transige com ilegalidades. Ficam-lhe muito bem esses sentimentos mas infelizmente a Lei nem sempre resolve todos os problemas. Se assim fosse não precisariamos de diplomacia, nem de política, nem de acordos de todo o tipo para resolver problema bicudos (ver o caso das Honduras mas também de Israel, etc).

Em todo o caso, a conversa que o Henrique faz nada e que é obviamente interessante nada tem a ver com o essencial da questão. A Quercus tem dúvidas sobre a legalidade de um processo, leva-o a tribunal, perde o processo e tenta negociar compensações, extra judiciais, que minimizem os efeitos negativos do projecto em causa no ambiente. Qual é o problema? Qual é a violação de principios?

Rasputin

Unknown disse...

Henrique: o meu comentário aludindo ao nosso Primeiro-Ministro, apsear de rigoroso (acho eu depois de ouvi-lo há dois dias), deve ser visto com alguma precaução (e também humor)...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Francisco,
Também o meu comentário é irónico nessa parte.
henrique

Henrique Pereira dos Santos disse...

Rasputine (não morreste há uns anos?)
A questão está mal caracterizada por si.
A quercus aceita negociar a desistência de uma queixa (a queixa a Bruxelas, que está longe de decidida) sobre uma coisa que crê ser ilegal a troco de qualquer coisa que não se sabe muito bem o que é, negociada de forma opaca e sem fundamentos escrutináveis.
henrique