segunda-feira, agosto 03, 2009

Fundo para a Conservação da Natureza



Foi hoje publicado o diploma que institui o Fundo para a Conservação da Natureza.
Vejamos a origem dos recursos:

  • As dotações do orçamento do Estado (sobre isto estamos conversados, dado o nível de afectação de recursos que já hoje, e desde há muito, a Assembleia da República atribui à conservação);
  • As taxas, contribuições, impostos e percentagens de coimas que lhe venham a ser atribuídas (que eu saiba, até hoje, nenhumas);
  • Rendimentos financeiros, doações e coisas que tal (um mão cheia de vento);
  • Os recursos resultantes de comprar ao Estado a isenção de responsabilidades pela execução de medidas compensatórias que o próprio Estado define em situações excepcionais (uma situação pantanosa geradora de corrupção institucional).

Vejamos agora para que serve este Fundo:

  • Apoiar projecto de conservação na Rede Fundamental de Conservação;
  • Promover projectos que contribuam para alargar a Rede Fundamental de Conservação;
  • Incentivar projectos de conservação de espécies ameaçadas (estes três pontos são generalidades que estariam sempre entre as atribuições de qualquer fundo deste tipo mas que, ao não deixarem de fora os projectos do próprio Estado, se transformam numa sobreposição das funções do ICNB);
  • Apoiar a aquisição de terrenos para a conservação, mas apenas por entidades públicas (curiosa esta estranha preocupação de explicitamente blindar o fundo em relação à sua utilização por terceiros que não o Estado);
  • Participar em fundos e sistemas de créditos de biodiversidade (futurismo);
  • Educação, sensibilização, investigação, comunicação, visitação;
  • Apoio ao empreendedorismo nas áreas classificadas (extraordinária esta visão do fundo para a conservação da natureza: não são os fundos de apoio à economia que devem incorporar os critérios de apoio ao empreendedorismo nas áreas classificadas, é o fundo da conservação, financiado com as coimas, as medidas compensatórias e etc., que deve apoiar a economia das áreas classificadas. Notável como se chega a este ponto de inversão conceptual na gestão da biodiversidade).

Com uma gama de aplicação tão horizontal e tão sobreposta ao que é suposto o Estado fazer através do ICNB e com o dinheiro dos nossos impostos, pareceria sensato que a gestão deste fundo tivesse um sólido processo de decisão autónomo face ao ICNB.
Mas isso seria se o Fundo fosse para levar a sério.
O Presidente do ICNB é o gestor do Fundo por inerência, há um gestor operacional na dependência do Presidente do ICNB e não existe um único mecanismo de transparência na gestão do Fundo e muito menos de participação de outros interessados na gestão da biodiversidade. Com excepção da risível disposição que permite à direcção do fundo fazer protocolos com outras entidades... públicas, claro.
Bom, para o Fundo funcionar, para além de dinheiro, ainda vai ser criado um regulamento que definirá tipologias de apoios e beneficiários elegíveis (pensei que qualquer pessoa ou entidade com bom projectos poderia ser apoiada pelo Fundo, mas pelos vistos a ideia é mesmo que o dinheiro tenha um circuito especial e alterável a qualquer momento) e coisas que tal.
Mas o fundo tem disposições divertidas face a esta arquitectura do diploma, como é a de que o incumprimento na execução dos projectos determina a devolução do dinheiro.
Já estou mesmo a imaginar o Gestor do Fundo (que por inerência é o Presidente do ICNB) a pedir ao Presidente do ICNB (que por inerência é o Gestor do Fundo) a devolução do dinheiro do Fundo que o aplicará de novo, provavelmente, nas entidades públicas que fazem a gestão das áreas classificadas (que agora não me estou bem a lembrar quem seja).
henrique pereira dos santos

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