Nos comentários a este post desenha-se uma discussão interessante entre pessoas que estando basicamente de acordo nos diagnósticos, divergem nas soluções.
Paulo Fernandes diz: "Mas o que é verdadeiramente trágico é que com o sistema de combate que temos (altamente incompetente nos fogos que escapam ao ataque inicial) não há gestão do território e do combustível que nos valha."
Henk Feith diz: "Não é possível num momento inicial de um fogo, prever qual será o seu dano se ele não for combatido, tipo: deixe arder que aqui não faz mal. Isso é tecnicamente e socialmente inaceitável, porque não se sabe a dimensão que vai alcançar sem combate (também não se sabe sempre com combate, é claro)."
Eu tento dizer que é preciso aprender a deixar arder, sob pena de nunca mais sairmos do atoleiro em que estamos.
O Henk tem bastante razão quando diz que o que proponho é socialmente inaceitável. Eu acrescento, por enquanto.
O Paulo tem bastante razão quando diz que com um sistema de combate incompetente não há gestão de combustíveis que nos valha. Eu acrescento, é ainda mais verdade quando se pretende, como eu pretendo, que se aprenda a deixar a arder, que é uma coisa muito mais sofisticada que pretender apagar tudo.
A minha divergência de fundo, e que na minha opinião torna inevitável a inclusão do deixa arder nas opções estratégicas para a gestão do fogo no futuro, é que não é possível apagar todos os fogos nascentes, quaisquer que sejam os meios e os recursos alocados à tarefa.
Portanto a discussão que me parece essencial não é sobre se seria melhor não haver fogos, ou se seria melhor apagar todos os fogos nascentes mas sim, o que é possível fazer nas condições em que existe uma elevada probabilidade de haver fogos fora do controlo (que são, aliás, as condições para fogos mais destrutivos).
O Henk argumenta: "Infelizmente, o dano de um fogo é somente conhecido depois dele ter ocorrido."
Eu acho que neste ponto o Henk não tem razão. Ou melhor, tem uma razão parcial. É possível identificar áreas de maior risco potencial de danos e áreas de menor risco potencial de danos.
E procurar, quer na prevenção, quer no combate, impedir o fogo de afectar as áreas de maior risco potencial, concentrando meios nessa tarefa, e deixar arder nas de menor risco potencial se a gestão de meios em situação crítica (e é disso que se trata) assim o obrigar.
A objecção a esta ideia é a de que não se sabe quando nos enganamos na avaliação do potencial do fogo. Só que a opção não é entre correr esse risco e não o correr (porque tentar apagar sempre é o mesmo que não ter prioridades na defesa), a opção é entre correr esse risco, que existe e podemos caracterizar ou correr o risco de ter o mesmo potencial de destruição sem que tenhamos acautelado o que é mais valioso.
A questão não é tanto a de saber se os meios existentes devem ou não ser usados a procurar limitar os fogos nascentes quando esses meios são abundantes.
A questão é saber que opções fazer quando os meios se tornam escassos.
Ilustremos com o terceiro round do combate entre condições adversas e dispositivo de combate que se está a verificar neste momento num triângulo que começa algures na transição da Beira Interior para a Beira Alta e vai até ao Porto, no limite Sul, afectando grande parte do Nordeste.
Mais uma vez há uns quantos fogos a durar várias horas. E as condições, sendo dificeis, não são nada de especial (por qualquer razão que desconheço quase ao fim da manhã continuam por disponibilizar os dados de ontem).
henrique pereira dos santos
3 comentários:
Henrique,
O deixar arder com critério exige um sistema de combate altamente profissionalizado e equipado com todo o conhecimento que por cá quase não existe. Nos EUA chamam-lhe "wildland fire use": já que não conseguimos queimar tudo aquilo que seria necessário para assegurar a dose de fogo necessária para o bom funcionamento dos ecossistemas aproveitamos os fogos (de origem natural) que vão ocorrendo em áreas em que tal está previamente planeado (parques nacionais e zonas de "wilderness"). Para tal estão delineadas zonas de gestão do fogo onde se aplicam receitas distintas (entre o deixar arder e o tudo extinguir). São portanto circunstâncias muito dificilmente transponíveis para Portugal. Dito isto, acredito que uma adaptação desta política é viável e necessária na Europa. Aliás, de certo modo já é praticada no Outono-Inverno, involuntariamente quando não há meios de combate disponíveis ou voluntariamente quando a ocorrência do fogo é vista como sendo necessária aos interesses das comunidades locais.
Paulo Fernandes
Caros Henrique e Paulo,
A tática (mais do que política) de deixar arder até é bastante frequente em Portugal, embora involuntária. Normalmente acontece em fogos de maior dimensão onde os meios são insuficientes para atacar em todo lado, como acontece em fogos nascentes. Devido à obrigatoriedade de escolher os locais para aplicar os meios, é muito frequente assistir a decisões sobre o que pode arder e o que deve ser defendido (e aí vêm as prioridades alistadas). As áreas a "deixar arder" são habitualmente zonas de mato, pelo seu baixo valor económico, (o que não é igual a baixo dano, bem sei Henrique) ou zonas de elevada dificuldade/perigosidade de combate.
Mas como digo, é uma questão de tática de combate que procura obter a melhor eficácia dos meios disponíveis, e não uma política baseada numa visão sobre o dano do fogo.
O meu comentário anterior falava sobre uma decisão no momento inicial de um fogo. E tenho alguma dificuldade em encarar uma decisão, por exemplo de uma brigada de sapadores,normalmente os primeiros a chegar, de deixar arder um foco que pode ser controlado com alguma facilidade (e é assim que a quase totalidade dos focos são extintos). Ou há então zonas previamente destinadas a uma política de deixar arder, ou então deve prevalecer uma política de extinção, política essa que será tanto mais eficaz quanto menos combustível a nossa paisagem é. E aí voltamos à interessantíssima questão das cabras...
Henk
Ora adeus, afinal estamos todos de acordo.
Afinal as opções põem-se quando existe escassez de meios no comabate.
A questão é que ao tratar isto como uma questão táctica do combate, mantendo o objectivo de reduzir a área ardida (em vez do dano causado), continuamos a perseguir a quimera da área ardida nula, que consome demasiados recursos e é muito pouco eficaz.
No dia em que começarmos a discussão a partir dos danos que queremos evitar, temos a possibilidade de ser muito mais eficiente na tomada de decisão táctica no combate e, sobretudo, temos um instrumento de orientação na definição de prioridades da silvivultura preventiva (a do Estado, que os privados farão o que lhes aprouver), que deve orientar-se para o aumento da eficácia das tais decisões tácticas de combate.
E aí se incluem as cabras, como o instrumento mais eficiente de controlo de combustível que se articula com a defesa dos valores.
Acabou a discussão.
Estamos de acordo, é preciso sofisticação conceptual, excelência no combate e inteligência na silvicutura preventiva.
Mas com o fundo florestal a financiar a limpeza de adros de capelas estamos bem tramados.
henrique pereira dos santos
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