terça-feira, setembro 29, 2009

Em Portugal os governos são por 4 anos

Muito poderia ter sido escrito sobre as últimas eleições. Optei por não o fazer em virtude de considerar que haveria o risco de dispersão sendo depois difícil voltar a recentrar a discussão nos temas que mais caracterizam este blogue. Em todo o caso, no rescaldo das eleições, há uma ideia que tem sido repetida por alguns comentadores e que tem sido posteriormente amplificada pelos media e que não gostaria de deixar passar em claro pois é nociva para a nossa democracia e, como tal, nociva para a estabilidade de qualquer política seja ela económica, de ambiente, ou outra. Diz-se que com toda a naturalidade que este governo é para 2 anos. Vejam o que diz o Público esta manhã:

"Ainda ontem, na Rádio Renascença, o socialista João Cravinho considerava que o acto eleitoral de domingo foi o início de uma eleição "a duas voltas", já que "é plausível que haja uma nova eleição daqui a dois anos", após as presidenciais.

Sócrates tentará, assim, não cometer erros e fazer tudo "by the book", como fez Cavaco Silva no seu primeiro governo, de modo a poder dizer mais tarde que não tem condições para governar em minoria. Por isso começou, desde que foi eleito, a recorrer aos argumentos da estabilidade e da responsabilidade, atirando-os para os partidos da oposição."

Estes comentários só são possíveis numa republica com fundações frágeis e só podem ser ditas e repetidas por pessoas que nada de substancial têm para dizer. As eleições não foram para um governo de 2 anos mas sim 4 e a normalidade democrática exige que o mandato do governo que se constitua na sequência destas eleições de cumpra na integra.

É verdade que tivemos muitos casos de governos que não acabaram os seus mandatos por iniciativa dos governos, das oposições, ou do próprio Presidente da Republica. Mas a existência destas casos (muitos deles de má memória) não pode constituir praxis política. São eventos extraordinários e como tal não devemos considerar normal a sua repetição e muito menos criar condições (com faz Cravinho e incentivam alguns media) para que tal aconteça.

Um governo de minoria tem de saber governar com alianças permanentes ou pontuais e as oposições têm de saber interpretar o seu papel com responsabilidade. A estabilidade governativa é um bem em si que só deve ser comprometida se valores mais altos estiverem em causa. É isso que se pede das forças políticas representadas no parlamento. É isso que é necessário para garantir a consolidação da nossa jovem democracia.

15 comentários:

Marco Fachada disse...

Pois é: um dos erros mais comuns e lamentáveis é que a eleição não foi para eleger governo algum... Elegem-se deputados, de forma representantiva (há muitos votos que infelizmente não elegem ninguém). Posteriormente o Presidente convida um deles a fazer o governo. Se estivéssemos a eleger o governo, já saberíamos quem eram as figuras(sas) para Ministro do Ambiente, da Agricultura, etc. Mas para isso era preciso mudar o sistema eleitoral e que as candidaturas mostrassem as pessoas para os cargos em questão. Essa leitura de eleição do governo ajuda a que comentários desse género sejam profícuos em terrenos sempre arenosos como são os campos políticos.

Miguel B. Araujo disse...

Caro Marco,

Tem toda a razão. Formalmente não se elege o governo mas os deputados para o parlamento (por um período de 4 anos). Usei linguagem coloquial ambalado pelo facto de estarmos num forum coloquial a discutir um assunto coloquial. Agora, reconhecida a imprecisão, em que que o detalhe altera o cerne do raciocínio? Ou seja, que o governo que sai destas eleições deve governar por 4 anos que é o período da legislatura vigente?

Gonçalo Rosa disse...

Miguel,

Teoricamente, concordo contigo. E concordo também que não faz sentido nenhum uma figura do PS dar como que por vinha vindimada a curta durabilidade do próximo governo. Mas na prática, o que tens neste momento são todas as condicionantes necessárias a uma muito difícil governação. O partido que formará governo não tem, sozinho, maioria absoluta e, pior que tudo, as alianças para um governo de maioria parecem-me, à partida, mais do que inviáveis. Restam os acordos pontuais, ora à direita, ora à esquerda, mas temo que seja caminho difícil de trilhar. Quer por governo, quer por oposição. O futuro o dirá.
Gonçalo Rosa

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo,

Tens razão mas ninguém disse que governar em democracia é fácil. É mais fácil governar em ditadura mas não é por isso que queremos o retorno aos tempos da "outra senhora".

Ora existe uma diferença entre ser díficil governar e ser impossível governar. Em teoria existem todas as possibilidades para governar já que o PS pode fazer alianças pontuais com virtualmente todos os partidos do parlamento, consoante as conveniências. Portanto, havendo sentido de responsabilidade por parte do Governo e da oposição não há razão alguma para que o Governo não possa governar, trabalhando na mesa das negociações como se faz constamente em política, com os seus parceiros do parlamento.

Aliás basta vermos como tem governado Espanha quando os governos estão em minoria. Não me recordo de nenhum governo minoritário (PP ou PSOE) ter acabado o seu mandato antes de tempo. E note-se que a realidade política Espanhola é mais complexa pois continua a ter de conviver com as sequelas de uma guerra civil, tem orgãos constitucionais que carecem de legitimidade democrática (o rei) e têm assento no parlamento pequenos partidos regionais cujas agendas são a devolução progressiva das regiões. Apesar disso e apesar do nacionalismo, p.e., do PP, quando foi necessário as mais improváveis alianças foram feitas a bem da estabilidade governativa do País.

A menos que hajam escandalos de lesa pátria que comprometam o bom nome do Primeiro ministro e do seu Governo, os governos devem governar pelo período da legislatura. É assim nas democracias maduras e isso que deveriamos almejar para o nosso País.

A pequena táctica política, baseada em contas sobre possibilidades de vitória de partido A ou B em determinados momentos, não deveria distorcer este principio fundamental de qualquer democracia.

Marco Fachada disse...

Claro, concordamos que o governo constituído deverá governar durante o mandato previsto. Para isso serve um sistema parlamentar: se tem minoria governa com ela e deverá aprender a fazer acordos e a negociar. Afinal, a negociação é a base da democracia e da vida em geral.
Se a dado momento entender que não tem condições, pois bem, que saia. O Presidente da República pode sempre nomear outro primeiro-ministro dentro da mesma constituição parlamentar. Lembram-se da falecida Maria de Lurdes Pintassilgo, que foi chefe de governo, nomeada pelo Presidente Eanes?

Gonçalo Rosa disse...

Miguel,
Uma coisa é entender inaceitável que algumas figuras do PS - João Cravinho e António Campos, por exemplo - comentem o cenário "entregando os pontos" e dando como facto consumado. São acotores e não analistas políticos e, assim sendo, demonstram bem o sentimento com que alguns dos envolvidos partem para este desafio.
Outra, bem distinta, é quem está por fora, fazer uma análise fria e bem menos calculista, no pior sentido do termo, e chegar à conclusão que melhor seria uma maioria parlamentar por coligação pós-eleitoral. Assim, não me parece fácil termos governo para quatro anos. Oxalá me engane.
Gonçalo Rosa

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo,

Não entendo o teu segundo parágrafo. Talvez seja por estar fora.

Em todo o caso, no que diz respeito o teu primeiro parágrafo, parece-me mais ou menos irrelevante se quem fala nos 2 anos é o Cravinho, Campos, Pacheco Pereira, ou Rebelo de Sousa. O que me parece preocupante é que se repitam estas ideias tantas vezes e que a comunicação social lhes dê eco como se fosse uma coisa normal os governos sem maioria parlamentar terem que governar metade do mandato.

Obviamente que se quem diz for do PS é sinal de maledicência interna o que acaba por deixar ficar mal os autores dos dislates. Mas isso são micro-problemas do PS, questões pessoais, que não me interessa discutir.

O que me parece preocupante é que esta atitude associada à sua aceitação generalizada não cause estupefacção.

Unknown disse...

Miguel,

Não creio que o facto de estares fora te dificulte a compreensão do que escrevo. Talvez tenha sido eu, quem foi menos claro.

O que pretendi realçar, foi que uma coisa são a evocação do cenário de dissolução da AR, como muito provável, por parte de alguns actores políticos, do partido do governo ou não, particularmente graves quando feitos numa lógica estritamente partidária como o fez, publicamente, António Campos, referindo que daqui a 2 anos ainda seria melhor para o PS, dado então estarmos a sair de uma crise económica mundial. As palavras não foram exactamente estas, mas o seu sentido foi. Isto é especialmente grave, porque demonstra a má fé como pessoas ligadas ao partido mais votado partem para este desafio de governarem em minoria ou, pouco provavelmente, em coligação (admito que hajam outras cabeças perversas, no PS e nos outros partidos, mas esta expôs publicamente o que pensa).

Outra são analistas políticos, razoavelmente independentes, que colocam o cenário. Não sei o que entendes por "normal", mas eu considero-o provável, tendo em conta diversos aspectos circunstanciais, ainda que não acredite que seja bom para o país.

Gonçalo Rosa

EcoTretas disse...

Em Portugal, a crise obviamente vai continuar. Felizmente, o Aquecimento Global antropogénico acabou este fim de semana. Será que é uma troca justa? Eu até preferia que o Aquecimento antropogénico continuasse, se saíssemos da crise.

Ecotretas

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo: "Não sei o que entendes por "normal", mas eu considero-o provável, tendo em conta diversos aspectos circunstanciais, ainda que não acredite que seja bom para o país."

Por normal entendo aquilo que é desejável e expectável numa democracia consolidada (uma acepção política que é obviamente diferente do conceito estatístico de normalidade). E aquilo que é desejável e expectável é que as instituições trabalhem para o bem do País sendo que para isso se devem estabelecer rotinas, formas de encarar a política, que não têm de estar escritas mas que garantem o bom funcionamento da nossa democracia independentemente dos actores que pontualmente a protagonizem.

O extremo desta normalidade de que falo é o Reino Unido onde o "common sense" político é tão forte que nem sequer existe constituição escrita. Em Portugal não seria possível nem desejável não ter constituição (daria azo a todo o tipo de abusos) mas um pouco mais de "common sense" (a tal normalidade) era de agradecer.

Quanto ao ser provável a queda do Governo em 2 anos, veremos. Apesar dos muitos defeitos que têm, o PM e um PR têm defendido a estabilidade como um valor em si. Agora vamos ver se o fazem, como creio ser o caso, por convicção ou por mero circunstancialismo.

De resto a crise não vai acabar em 2 anos. A crise internacional talvez acabe mas a crise Portuguesa é estrutural (e vem de antes da crise internacional) e como tal durará muito mais tempo a ultrapassar. Portanto "no need to get excited!!"

Gonçalo Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gonçalo Rosa disse...

Miguel: "E aquilo que é desejável e expectável é que as instituições trabalhem para o bem do País sendo que para isso se devem estabelecer rotinas, formas de encarar a política"

Desejável, sim, mas espectável??? Desculpa-me, mas sinceramente não é esta a minha opinião. Deve ser do meu pessimismo, mas prevejo mais preocupações em saber como queimar os outros partidos sem sair queimado que uma genuína e singular preocupação com o país. De todos os lados.

Mas acho que estamos mais a discutir "palavras que conteúdos" e que não discordamos da questão de fundo.

Quanto ao último parágrafo, completamente de acordo.

1 abraço,

Gonçalo Rosa

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo, Se leres com atenção o que escrevi verás que falo do que é desejável e espectável numa democracia madura e avançada. Não estou a propor que seja o caso Português, apenas a desejar que para lá caminhemos. De resto eu não sou nem pessimista nem optimista. Apenas procuro ter os olhos abertos e não me deixar ofuscar pela realidade Portuguesa. Há mais mundo para lá das nossas fronteiras. Olhar para o que se passa lá fora, em particular noutros Países europeus, permite-nos ver que certos cenários, como a ingovernabilidade de uma minoria parlamentar, não são fatídicas.

Gonçalo Rosa disse...

Não te disse que eram fatídicas, Miguel. Apenas prováveis. Quanto ao "pessimismo", obviamente palavra abusei da palavra. Veremos o que acontece e oxalá tudo corra "normalmente". Para bem de todos.

Gonçalo Rosa

rui disse...

Muito bom post, a colocar os pontos nos ii num assunto que devia ser pacífico mas que é geralmente distorcido no ruído dos media.