Declaração de interesses: Fui o coordenador deste plano
Chamaram-me a atenção para este anúncio extraordinário.
A história é simples e muito instrutiva.
Durante anos (bastantes mais do que deveria) foi elaborado um plano de uma área protegida, neste caso, do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
Algures no processo o ICNB adoptou uma metodologia comum para todos os planos de ordenamento das áreas protegidas. Durante o processo da sua adopção circularam as propostas e eu na altura manifestei a minha discordância profunda quer pela ideia de uma metodologia única de elaboração de planos, quer por aquela proposta em concreto.
Sempre estive de acordo com a adopção de uma legenda comum a todos os zonamentos, no sentido de todos os planos adotarem os mesmos nomes para os mesmos conceitos, mas sempre fui contra as metodologias comuns para chegar ao zonamento pela simples razão de que essas metodologias resultam dos problemas concretos de cada área protegida, bem como da informação concreta que existe e, last but not least, dos stakeholders concretos envolvidos e a envolver.
Por todas estas razões o então Presidente do ICNB decidiu que este plano em concreto poderia ter diferenças em relação à norma adoptada, inclusivamente para testar alternativas (na realidade planear é antes de mais construir alternativas e não adoptar missais).
Mais tarde, já com outra Presidência, foi pedido que fosse feita uma normalização das legendas deste plano, aproximando-a da legenda que resultava da metodologia única adoptada (aliás bastante mázinha, mas isso agora não vem ao caso).
O plano foi técnicamente terminado (e no processo incluiu longas reuniões com dezenas de interlocutores), foi sujeito a uma duríssima discussão pública, da qual resultaram naturalmente alterações à proposta e foi enviado para aprovação do Governo em 2008 (a ponderação foi um processo lento e minucioso entre outras coisas pelo elevado número de participações recebidas e pela delicadeza das situações associadas ao facto de se tratar de uma área protegida com elevado valor geológico e com um número importante de pedreiras).
Pois bem, mais de dois anos depois da discussão pública havida, mais de um ano depois de terminado todo o processo do plano, é reaberta a discussão pública sobre um nova proposta cuja forma de elaboração e cujos autores e responsáveis eu desconheço.
Porquê? Porque se entendeu que a proposta de plano deveria ser profundamente alterada. Por exemplo: "(com a redução concertada com o ICNB, I.P., de 9 para 4 áreas de protecção e com a ampliação da área de intervenção específica da indústria extractiva)". Essa redução de áreas de protecção, por exemplo, acabam com a protecção dos solos agrícolas, tanto quanto me foi possível apurar (o aviso de abertura da discussão pública diz que o plano está patente no portal do ICNB mas não encontrei de forma expedita e não tenho tempo para ir procurar com mais detalhe).
O mais curioso é o facto da Secretaria de Estado da tutela se ter envolvido na discussão técnica do plano, elaborando propostas e fazendo comentários técnicos ao plano, contratando uma equipa técnica para o rever, em vez de fazer o que lhe compete: decidir politicamente sobre o plano e devolver aos serviços para a elaboração técnica de acordo com as orientações políticas que entendesse. Lembro-me aliás de ter visto um comentário da equipa técnica contratada (seguramente não por concurso público) sobre uma norma da proposta do plano que previa a proibição de expansão de pedreiras que implicassem o aumento de área de exploração, perguntando se poderia haver expansão de pedreiras sem aumento da área de exploração, revelando um desconhecimento do sector suficientemente grande para não saber que legalmente o aprofundamento de uma pedreira para além do previsto é uma expansão em profundidade. E isto num sector fundamental nesta área protegida, como é a exploração de inertes.
Quando alguém perguntar pela produtividade no país, vou responder-lhe com este processo kafkiano onde ninguém sabe muito bem que funções tem e de que forma se define um processo eficiente de decisão em processos complexos.
Agora vou voltar para o workshop desta semana exactamente sobre este assunto: como planear e projector em processos complexos, pelo professor Carl Steinitz, professor em Harvard.
Não sei bem para que me serve isso em Portugal, onde toda a gente tem competência para fazer ordenamento e acha que não é necessária especificidade técnica para fazer planos.
Compreende-se: ninguém tem a ilusão de que os planos sejam para cumprir.
henrique pereira dos santos
Adenda: para quem tiver tempo e queira ter uma ideia do que são os interesses de carl steinitz aqui fica o video de uma das suas conferências
Sem comentários:
Enviar um comentário