sexta-feira, setembro 18, 2009

Política agrícola

Agricultura com uma paixão acrisolada pelo ambiente

Este texto é muito interessante por permitir olhar para dentro do que está na cabeça de quem decide sobre as políticas agrícolas.
Na verdade o texto não é de nenhum decisor sobre a matéria mas eu diria que o seu conteúdo é tão próximo do que me parece ser o discurso do Ministro da Agricultura que podemos olhar para ele como se o fosse (ressalvando que sabemos que não é).
E é especialmente interessante em dois aspectos relevantes para as matérias que é costume tratar-se na AMBIO.
1) A lógica de que o referencial que deve medir a boa política agrícola é o montante de fundos comunitários captados, independentemente de se saber para que os queremos (Cavaco usou este tipo de argumentação para o conjunto dos fundos comunitários, não apenas para a agricultura, com os resultados de sobre infraestruturação e desperdício que conhecemos);
2) Uma frase notável que é essencial na concepção do papel da agricultura em Portugal, não apenas deste Ministro e deste Governo, mas desde sempre no Ministério e nos principais teóricos do desenvolvimento da agricultura em Portugal desde há muitos anos: "as explorações aumentaram (quer em dimensão, quer em produção); temos hoje uma agricultura mais competitiva, com maior coesão territorial, mais amiga do ambiente".
O que esta frase não explica é que qualquer abandono de uma pequena exploração familiar implica um aumento estatístico da dimensão e produção da agricultura comercial. Em si isto não é bom nem mau, é um dado da questão, que aliás se verifica desde a nossa adesão à União Europeia (e já antes, pelo processo normal do desenvolvimento, urbanização e abertura da economia). Mas para os decisores em matéria de política agrícola (não apenas os actuais, mas todos os anteriores também), isto não só é bom em si como deve ser um objectivo a atingir.
Mas não há almoços grátis.
O reverso da medalha é o abandono das áreas como menos capacidade produtiva, quer por factores naturais (e há muitos) quer por factores sociais (e há bastantes).
É aí que entra a segunda parte da frase, a da maior coesão territorial e da maior amizade pelo ambiente.
Não sei exactamente o que querem dizer estas frases nem em que dados se baseiam para as tomar como verdadeiras.
Tenho sim a certeza de que a coesão territorial tem vindo a desfazer-se com a inviabilidade da ocupação de grande área do território, com consequências nos fogos e no abandono do controlo social do território (e consequências muitas vezes positivas, outras negativas, do ponto de vista da biodiversidade) e não vejo como a substituição de uma agricultura familiar de baixa incorporação energética por uma agricultura comercial clássica se traduza em maior amizade pelo ambiente.
Mas provavelmente sou eu que não consigo perceber bem como os mesmos decisores que bloqueiam todas (ou quase todas) as verbas para a superação das falhas de mercado que existem e que inviabilizam as explorações mais diversas e de menor intensidade energética concluem que o resultado dessa opção é mais amiga do ambiente.
Mistérios.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Gonçalo Rosa disse...

Henrique,
No primeiro ponto que enumera, salienta ainda a ideia de que como o fundo é comunitário é usar e abusar, independentemente do interesse do projecto em causa, dado a massa ser "dos outros" (argumento, aliás, recorrentemente usado, como, por exemplo, na discussão do TGV). Acima de tudo, demonstra a falta de europeísmo e de ética dos que o usam, particularmente perturbadora quando os que o usam são os que nos governam.
Gonçalo Rosa