terça-feira, outubro 13, 2009

Ambiente e desenvolvimento


Neste post do blog quarta república, Pinho Cardão dá voz ao seu cepticismo ambiental.
Para sustentar as suas teses, um comentador escolhe Alqueva como exemplo de desenvolvimento prejudicado pelo radicalismo ambiental.
Dou de barato o exagero de se pretender parar o enchimento da albufeira por causa de umas cegonhas pretas (mas a decisão não é dos ambientalistas, mas dos gestores do processo, convém ter a noção).
Mas vale a pena discutir o exemplo com mais detalhe.
O prejuízo terá sido o de não se encher a albufeira tão depressa. Não vou discutir o exagero de se dizer que poderia logo ter ficado cheia no primeiro e segundo anos (com um se mete-se o Rossio na Betesga) mas a verdade é que não percebo de que prejuízo se fala: a rede de rega, para usar a água, só vai estar construída daqui a alguns anos. E depois de construída logo se verá se estará disponível, porque pelo menos no passado houve problemas de construção que impediram, por largo tempo, o uso de parte do que tinha sido construído.
Mas esta é apenas uma questão marginal.
A questão de fundo é o uso de recursos em Alqueva.
Repare-se que em todo o quadro comunitário de apoio para o mundo rural, de 2007 a 2013 (portanto já depois da construção da barragem) 11% são para enterrar em Alqueva. Ou seja, 11% do dinheiro disponível é para ser usado em 110 000 hectares (estou a ser generoso e a supôr que se conseguem regar de facto os 110 000 hectares projectados), e os restantes 89% ficam para os restantes 6 000 000 (seis milhões de hectares). Ou seja, mais de dez por cento dos recursos gastos em menos de 2% do território.
Dir-se-á que o efeito multiplicador (na idade média chamava-se pedra filosofal, ou santo Graal a este factor misterioso que hoje prolifera nos projectos económicos) destes 11% vão derramar os seus benefícios por todo o território nacional.
Pois sim, com certeza. Mas exige pelo menos uma condição: os utilizadores da água beneficiam de um custo político por metro cúbico de água, porque o custo real seria inaceitável por ruinoso.
Investimos no projecto e depois pagamos a sua manutenção, para um retorno marginal e são os ambientalistas e o mito ecológico que prejudicam o desenvolvimento de Portugal?
Bom, estarei a esquecer-me da mais valia turística gerada pelo projecto. Por entre as brumas pode um dia ser verdade que venha a haver um destino turístico em redor de Alqueva. Pode ser. Eu não acredito, mas pode ser. Mas talvez valha a pena lembrar que os recursos ali gastos não foram aplicados noutros lados. E os promotores que um dia venham a beneficiar do investimento turístico beneficiaram de uma forma particular de financiamento que depende pouco do seu esforço: a mais valia urbanística. Isto é, a faculdade de multiplicar o preço de um terreno através de uma decisão administrativa que lhe confere capacidade construtiva.
Parece ser uma situação de win win. Lá parecer, parece, mas não é.
É que o dinheiro da economia desviado para financiar essa mais valia que depende em exclusivo da decisão do Estado, vai deixar de ser aplicado em coisas mais racionais, eficientes e competitivas.
Enquanto se procuram responsabilizar as cegonhas negras pelos problemas de desenvolvimento do país, as verdadeiras ovelhas negras vão andando no campo que se estende com verdura bela e no qual têm o seu pasto.
O mais curioso é mesmo ver como havendo várias alternativas de desenvolvimento na região, a que prevaleceu, com os custos que se vão tornando mais óbvios ao longo do tempo, fundou-se aparentemente no mais racional dos argumentos: "construam-me, porra".
henrique pereira dos santos

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