quarta-feira, outubro 21, 2009

Mudanças

Clicando na fotografia pode ver-se melhor o relativamente velho Alentejo da esquerda a transformar-se no relativamente novo Alentejo da direita, na área de influência de Alqueva.
Fotografias semelhantes se poderiam fazer tendo no lado esquerdo campos de trigo, ou searas de melão, dependendo da zona. Do lado direito teríamos quase sempre a mesma imagem de olivais intensivos a perder de vista.
Não tenho opinião sobre este processo de mudança, tenho apenas perguntas.
O que significa isto do ponto de vista de biodiversidade? O que significa isto do ponto de vista de emprego? O que significa isto do ponto de vista de dinamismo económico? O que significa isto do ponto de vista de sustentabilidade? O que significa isto do ponto de vista de aplicação dos recursos públicos?
O que sei sobre estas perguntas é relativamente pouco: que o preço da água é um preço político, isto é, abaixo do custo, que esse custo depende em grande medida do preço da energia, que o investimento público no projecto de Alqueva é pelo menos 11% do PRODER, mas não sei se aqui já estão contabilizados as ajudas públicas à instalação dos olivais (penso que não), não sei qual é o balanço de perdas e ganhos do ponto de vista do emprego (parece-me favorável ao olival, que além da produção directa da azeitona tem uma razoável componente de valorização local do azeite, mas desconheço se assim é), tenho dúvidas do que significa esta opção para a conservação do solo (vi largas áreas de solo nu, vi faixas entrelinhas com cobertura de prado, vi valas profundas de drenagem sem grande preocupação de retenção de solo, vi manchas contínuas sem interrupções por sebes ripícolas), etc..
O que me passou pela cabeça foram as febres anteriores com os fruticultores todos de repente a mudar para maçãs golden, com a hortofruticultura a desembocar no Roussel, com a floresta a correr desesperadamente para o petróleo verde, com as campanhas do trigo, entre outras.
Lembrei-me como todas estas febres tiveram efeitos positivos e negativos, mas a maioria dos positivos foram efémeros e os negativos foram de longo prazo, deixando o mundo rural mais fragilizado que antes.
E mais que tudo lembrei-me de como estas febres foram todas induzidas pelo Estado e pelas políticas agrícolas dos amanhãs que cantam e das soluções únicas redentoras.
Confesso que fiquei ainda mais um bocadinho liberal, rezando para que o mercado introduza equilíbrio e diversidade na criação de valor, onde o Estado só vê sectores estratégicos cegos à especificidade produtiva que cria a oportunidade de diferenciação remunerável pelo mercado.
henrique pereira dos santos

4 comentários:

Nuno disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos,

Pensei que, a não ser que já conheça, isto lhe pudesse interessar:

"Projecto transfronteiriço quer prevenir fogos com pastos para as raças autóctones"

http://ecosfera.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1406148


Cumprimentos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Nuno,
Obrigado pela referência, que desconhecia. A ideia sempre vai fazendo o seu caminho (ela é antiga, aliás) e é com certeza bom que apareçam projectos destes. Só não percebi para que é preciso tanto dinheiro porque em princípio as actividades referidas são actividades produtivas cujos produtos são transacionáveis no mercado, desde que a sua diferenciação seja perceptível para os consumidores que estão disponiveis para pagar mais por este tipo de produtos.
Mas como desconheço os detalhes, é bem possível que tudo se encaixe.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique,
Concordo perfeitamente com a relevância de questionar o que todas estas mudanças significam para nós, e que, como as que enumerou, provavelmente produzirão poucos benefícios a curto prazo e efeitos negativos a longo prazo.
Mas não me parece que o problema esteja no Estado em si, e que isso justifique por si uma tomada de posição mais liberal.
O problema da cultura política facilitista que permeia o nosso Estado e instituições públicas e que leva à procura de soluções fáceis, na maioria inadequadamente imitadas de modelos obsoletos de gestão e decisão, e que nos leva tentar apanhar com atraso qualquer modinha passageira que depois acaba por se revelar desadequada à nossa realidade, está também presente em todos os sectores da nossa sociedade, incluindo grande parte do privado, desde a construção civil aos padrões de consumo individual.
O problema é termos uma tradição de um Estado pouco lúcido que é dado a febres pouco pensadas (e que não são confrontadas com uma deliberação pública mais alargarda que fosse efectivamente levada em conta), não sendo tanto uma questão do seu poder regulatório e interventivo, (embora concorde consigo que o seu peso é por vezes excessivo em casos pontuais, como por exemplo em relação à criação das áreas protegidas privadas).
Dito isto, o que é que impede que o mercado introduza equilíbrio e diversidade na criação de valor no caso do Alentejo? É o Estado, ou um sector privado pouco visionário e empreendedor, que não explora as oportunidades que estão efectivamente presentes?

Cumprimentos,
David Silva

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro David Silva,
Independentemente de haver gestão privada de má qualidade, a questão de fundo é que o mercado mata esse tipo de gestão.
Mas se o Estado intervém, distorcendo a capacidade do mercado eliminar a gestão pouco eficiente, naturalmente exerce um efeito negativo sobre a qualidade da gestão privada.
Nas nossas condições, que são difíceis para os produtores primários, há muito tempo que os maus gestores agrícolas teriam desaparecido se não lhe tivessem caído do Céu recursos inesperados: os bens da Igreja por tuta e meia (e a devida influência no aparelho de Estado); as campanhas do trigo (e subsequente preço dos cereais artificialmente altos); o dinheiro para a floresta; e actualmente os muitos programas que transformam muitos gestores ineficientes em rentistas.
Essa é a questão de fundo.
henrique pereira dos santos