quinta-feira, outubro 08, 2009

Rede Nacional de Áreas Protegidas


Alguns comentários no post anterior (e alguns comentários privados) fazem-me voltar ao assunto das áreas protegidas privadas.
É certo que alguns dos problemas do Estado excessivamente intrusivo nesta matéria já estão, pelo menos embrionariamente, no novo regime jurídico da conservação (DL 142/ 2008).
Como trabalhei nas versões iniciais desse diploma (e fiz sobre as versões finais comentários, normalmente ignorados, nomeadamente na questão fundamental de financiamento do Estado na área da conservação através das medidas compensatórias dos projectos com efeitos negativos na boidiversidade), fui ver algumas versões antigas do diploma no que diz respeito às áreas privadas.
O que estava nessas versões antigas era uma regulamentação muito indefinida que no essencial remetia para um acordo de gestão com o Estado com uma duração mínima de vinte anos.
A ideia era, se bem me lembro, garantir alguma estabilidade na classificação e a existência de um acordo com o Estado que implicasse compromissos de parte a parte.
Como se vê a coisa foi evoluindo sempre no sentido da intromissão do Estado sem contrapartidas, isto é, quer no DL 142/ 2008, quer na portaria, o Estado foi sempre impondo mais e mais ónus aos privados, fugindo das suas responsabilidades enquanto parte do processo.
E sempre que existia a possibilidade de duas interpretações nas normas legais de enquadramento, a portaria opta por aumentar o ónus do privado e isentar o Estado das suas responsabilidades.
Como diz o Henk, que proprietário quererá fazer áreas protegidas privadas nestas circunstâncias?
Conheço dois: os promotores turísticos do litoral alentejano que estão a comprar licença (isto é, o seu interesse não tem nada com a vontade de ter áreas protegidas privadas mas sim com o que se passa fora dessas áreas protegidas, com a vergonhosa conivência da QUERCUS e do GEOTA que comentarei mais tarde); a ATN (declaração de interesses: com a qual colaboro mas cujas decisões são tomadas pelos seus órgãos legítimos de gestão e não por mim que sou um mero consultor com a obrigação de encontrar soluções para a sustentabilidade económica de longo prazo do projecto, sendo que o aqui digo não tem nada com a ATN, é só a minha opinião) que aceita correr o risco de intervenção do Estado em troca do reconhecimento do seu trabalho e da notoriedade associada.
A percepção que tenho é a de que coexistem duas visões substancialmente diferentes sobre o papel do Estado em matéria de Áreas Protegidas:
1) Os poucos, como eu, que consideram que a rede nacional de áreas protegidas é o conjunto de áreas devotadas à conservação, seja por quem for, devendo o Estado ter o papel de estimular terceiros a ter iniciativa na matéria e um papel de verificação dos pressupostos de classificação, não considerando que a Rede Nacional tenha de ter o prévio aval do ICNB para ser considerada nacional;
2) Os muitos, que influenciaram decisivamente as versões finais do novo regime júrídico da conservação, que têm da Rede Nacional a visão que predomina há trinta anos e que apenas reconhece ao ICNB a idoneidade para reconhecer interesse nacional nas iniciativas na área da conservação da natureza, desconsiderando o papel que áreas sem interesse nacional, quando vistas cada uma por si, têm para a comunidade quando vistas no conjunto da rede.
A visão que defendo entende que há Estado central a mais, que há ICNB a mais na conservação e que isso é um problema sério na gestão da política de conservação.
Ao mesmo tempo há uma excessiva postura regulamentadora e iluminista que olha para a política de conservação sobretudo pelo lado da imposição do bem comum aos particulares (e eu não desvalorizo essa componente) em vez de olhar para a gestão da biodiversidade como uma responsabilidade do Estado (para mim ao mesmo nível que a defesa, a política externa, a segurança, por exemplo) que se materializa mais eficazmente através de acordos com os efectivos gestores do território (não confundir este tipo de acordos com os acordos associados à venda de licença que têm vindo a ser apresentados como soluções inovadoras no sector e que não passam de caneladas fortes na ideia de um Estado transparente e com regras comuns para todos).
Temo que a actual Presidência do ICNB esteja a reforçar esta visão em detrimento de uma outra mais liberal da Presidência anterior.
E pressionada por um défice excessivo do Estado, se esteja a demitir da sua função de financiamento da política de conservação, correndo atrás dos cantos de sereia do dinheiro associado aos projectos de investimento com efeitos negativos na conservação (beneficiando aliás da complacência das principais ONGs para quem o mais importante é que existam recursos para a conservação, desvalorizando a forma como são obtidos).
Pelo menos foi essa a sensação com que fiquei quando li o texto que deu origem a este post, já de Janeiro deste ano.
Infelizmente o tempo parece que tem vindo a confirmar os meus receios de então.
henrique pereira dos santos

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