Foi hoje publicada a portaria 1181/ 2009 de 7 de Outubro, assinada na sexta feira antes das últimas eleições legislativas.
É uma portaria relevante porque regulamenta a criação de áreas protegidas privadas.
E fico satisfeito pela real possibilidade de criar áreas protegidas privadas que se abre (embora não perceba então para que serve o despacho que comentei no post anterior na parte que diz respeito à necessidade do ICNB ver as possibilidades de criar a dita área protegida).
De facto, quando foi feito o novo regime jurídico da conservação, esta matéria ficou por definir. Lembro-me de ter tido alguma dificuldade em convencer algumas pessoas da bondade de manter a figura de área protegida privada e por isso foi ficando a figura mas não foi detalhado o seu regime: não fazia sentido que o regime não contemplasse o reconhecimento do Estado aos particulares que decidissem livremente colocar as suas propriedades na rede nacional de áreas protegidas e essa seria uma matéria sempre difícil porque seria absurdo não contemplar, pelo menos, algum tratamento fiscal mais favorável para esta situação.
Quando o Governo decidiu avançar, há poucos meses, para a regulamentação da criação de áreas protegidas privadas não tive qualquer ilusão de que o diploma contemplaria qualquer medida de justiça para com estes proprietários.
Mas confesso que a longa tradição controladora do Estado é muito maior do que alguma vez pensei. E que a desconfiança do Estado português em relação às iniciativas independentes dos cidadãos está muito para lá do que se pode já considerar do foro patológico.
Repare-se:
Um cidadão, ou um grupo de cidadãos, resolve criar na sua propriedade uma área protegida.
O Estado, em vez de ficar satisfeito com isso e tratar bem a iniciativa, impõe que exista um plano de gestão aprovado pelo ICNB. E mais, inicialmente o apenas é preciso apresentar a proposta de plano de gestão, mas se no prazo de dois meses não houver acordo, mesmo que por responsabildiade do ICNB, a classificação caduca. Pergunto-me para que é tanta complicação. Não seria suficiente confiar nas pessoas e ter um sistema de verificação posterior que avaliasse se se justificaria manter a classificação da área?
E o Estado central também acha pode ser preciso consultar outras entidades antes de aprovar a classificação da área, por exemplo, as autarquias. Para quê se é em terrenos privados?
E só no caso do proprietário ter uma previsão de medidas activas de conservação é que a classificação pode ser aprovada (o que quer dizer que se eu tiver um carvalhal maduro cuja melhor opção de gestão seja não intervir, não posso fazer com ele uma área protegida).
Mas no meio desta complicação o Estado resolve simplificar onde não deve: a decisão de classificar a área é feita por despacho do Presidente do ICNB (um órgão unipessoal, com claras deficiências de escrutínio público), em vez de ser uma decisão assumida por um órgão do Estado com legitimidade democrática e politicamente escrutinável nas suas decisões.
E nesse despacho o Presidente do ICNB, sem que o proprietário seja obrigatoriamente ouvido, pode interditar ou condicionar a parecer do ICNB quaisquer acções, actos e actividades de iniciativa particular e susceptíveis de afectar a biodiversidade. Ou seja, mesmo sendo o proprietário a livremente propor a criação da área protegida, o Estado não acredita que esteja de boa fé e em vez de ter um sistema de desclassificação quando foram efectivamente tomadas decisões que afectam os valores que justificam a criação da área protegida, reserva-se o direito de unilateralmente impôr ao proprietário ónus adicionais. O mais curioso é que exceptua deste preceito as acções de interesse público definidas como tal pelo próprio Estado. Ou seja, nem para se defender da prepotência de alguns sectores do Estado o proprietário privado tem vantagem em classificar a sua área como protegida.
E não satisfeito, o Estado obriga o proprietário privado a fazer o que o Estado, apesar de obrigado legalmente, não faz nas áreas protegidas sob sua tutela: uma relatório anual de actividades a enviar ao ICNB.
Em troca, o que dá o Estado ao proprietário de voluntariamente se propõe dispor da sua propriedade para nela ser criada uma área protegida?
Nada. Zero. Nem a mais leve referência, mesmo aquelas piedosas generalidades que estavam nos diplomas anteriores.
Mas não nos resta outra possibilidade se não aproveitar o passo dado e fazer mesmo áreas protegidas privadas, com as poucas pessoas ou organizações que o querem fazer com este enquadramento (que não traz qualquer vantagem ao proprietário e cria ónus absurdos e excessivos, incluindo o de aturar as idiossincrasias de quem estiver no momento na Presidência do ICNB).
If it be your will, pois que seja.
Estou convencido que todo o conteúdo desta portaria não decorre verdadeiramente de uma opção política mas sim do facto dos decisores políticos, porque queriam garantir o compromisso que tinham assumido, e bem, terem optado por não questionar uma proposta nitidamente feita por pequeninos funcionários presos aos seus pequeninos poderes e sem grandeza para perceber que a independência das pessoas face ao Estado é um bem a preservar e não um desvio social de perigosos delinquentes.henrique pereira dos santos
5 comentários:
Obrigado por expor algo que, de outro modo não conheceria nem encontrei divulgado noutro lugar.
A título de curiosidade qual seriam, no seu entender, medidas de apoio ou encorajamento importantes (para além da boa-fé do proprietário) para incentivar a criação de áreas protegidas privadas?
Fica de alguma maneira inviabilizado com este diploma algum tipo de apoio específico por parte das autarquias, já que foram "chamadas ao barulho"?
Entendo que autoridades locais sejam mais sensíveis á criação de pequenas áreas protegidas a nível local(se não é ingenuidade), por vários motivos.
Cumprimentos
"Mas não nos resta outra possibilidade se não aproveitar o passo dado e fazer mesmo áreas protegidas privadas(...)"
Pois Henrique, nada disto me surpreende. Foi se alimentando a ideia que gerir é ter planos de gestão e nos últimos décadas o País foi e está a ser inundado com Planos de gestão de todos os tipos e feitios, mas invariavelmente acabam como documentos mortos sem relação com a realidade.
Mas a minha citação acima prende-se com a incompreensão da mesma frase: não havendo uma única vantagem em criar uma área protegida prvada, por que raio de razão um privado havida de fazê-lo, sujeitando-se à intromissão absurda do Estado na sua propriedade privada? Se um proprietário está preocupado com os valores naturais e se quer protegê-los pode fazê-lo na mesma sem aquela burocracia toda. Certo?
Henk Feith
Eu penso que é uma portaria importante porque abre uma porta. A porta é estreita, cheia de problemas, mas é aberta! Pela primeira vez em Portugal, salvo o erro.
Divulgue-se a portaria, e ONGAs e privados, por carulice ou dedicação, avancem!
Uma vez criada uma rede nacional de áreas protegidas privadas o seu potencial é enorme. E, com tempo, a legislação poderá ser alterada, já na discussão pública em vez de nos escritórios de alguns.
Já agora, publiquei os links para o Decreto Lei de 2008 e a Portaria de agora no blog que podem seguir carregando no meu nome.
Cumprimentos a todos.
Talvez valha a pena frizar que a não gestão é uma forma de gestão, pelo que os proprietários privados poderão argumentar por esta forma de gestão se tiverem argumentos para isso. Também faço notar que a não gestão, regra geral, se faz em área muito grandes pelo que é possível que seja uma opção rara entre as áreas privadas a criar. Veremos...
Vi esta noticia no New Scientist que talvez seja relevante para o tema:
Um estudo da Universidade de Illinois constata que um grande número de áreas florestais de todo o mundo são mais bem geridas por proprietários privados locais do que pelo respectivos governos.
http://www.newscientist.com/article/dn17937-give-forests-back-to-local-people-to-save-them.html?DCMP=OTC-rss&nsref=environment
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