Esta manhã, fotografei à socapa uma pele de um leopardo à venda num pequeno mercado perto da casa. Fui fortemente coagido a não o fazer por um dos comerciantes, que me tomou por um dos europeus que aqui vive, certamente habitando numa bela casa, com ar condicionado e demais mordomias, bem distinta das sua barraca de lata e cartão, e sempre disposto a condenar moralmente o abate e venda daquela bicharada que a natureza oferece e que lhe põe o arroz no prato . Era uma das 14 peles de leopardo que vi e que se podem adquirir por cerca de 50 euros. Havia ainda peles de pitões e de crocodilos, ora transformadas em malas, carteiras e sapatos, ora em bruto. E marfim de elefante trabalhado. E presas de hipopótamos e de alguns outros bichos da floresta e da savana. Havia ainda um par de enormes mãos de um gorila, secas, que virão a servir de cinzeiros na casa de um tipo qualquer que tenha 20 euros para gastar e especialmente uma insensibilidade do tamanho deste mundo e do outro, porque vos garanto que é impossível ficar indiferente quando se tem nas mãos aquelas mãos, metade bicho metade homem. Há excepção deste último item – já observei, em vários países, um considerável pudor que muitos africanos têm em matar grandes primatas – tudo isto está exposto para venda, sem qualquer receio de supostas autoridades.
Este pequeno mercado situa-se no centro da capital do Djibuti, um pequeno país no Corno de África entalado entre países em guerra e conflitos internos. A norte, a Eritreia e a Etiópia em guerra, a sul, a Somália com enormes conflitos étnicos. A “independência” deste país, com pouco mais que 30 anos de existência, depende completamente das ajudas financeiras e de apoios militares internacionais. Boa parte, dos fundos que angaria resultam ainda de fretes e taxas que cobra à Etiópia que, após a independência da Eritreia, perdeu a sua costa e apenas consegue aceder a bens que chegam via marítima pelo porto do Djibuti. Recentemente a Eritreia invadiu o norte do Djibouti. A segurança é garantida por tropas francesas e americanas. Não há trabalho nem recursos naturais que pareçam permitar mais do que a miséria e a fome à enorme maioria dos 800.000 habitantes locais.
Mas este mercado podia ser num outro país africano qualquer, com elevados níveis de fome, de pobreza e de miséria, de desigualdades sociais, de corrupção, de conflitos, como boa parte dos países africanos. A maioria daquelas espécies não existem no Djibuti, mas as suas peles, presas e partes diversas circulam com toda a facilidade um pouco por toda a África e é esta a realidade da Convenção de Washington (CITES) no terceiro mundo, onde vivem grande parte das espécies que esta convenção procura proteger. Muitos africanos ricos e bastantes europeus e americanos compram estas animais, transformados em objectos de adorno. Para os locais, o controlo é nulo, para os outros, é possível que vejam os seus bens confiscados à entrada da Europa ou dos Estados Unidos. O facto de ser tão comum ver produtos deste tipo à venda demonstra que, neste cenário de pobreza extrema e de impunidade total, há mercado para tudo isto e que leis feitas por países ricos para países pobres, sem considerar a realidade local, estão condenadas ao fracasso.
Mesmo numa África em paz, dificilmente me convenço que a conservação da natureza não passará forçosamente pela valorização económica das suas paisagens, flora e fauna, por exemplo, através do turismo de natureza nas suas múltiplas vertentes e de actividades cinegéticas devidamente ordenadas. Mais a sul, na África do Sul, Quénia e Tanzânia há bons exemplos disso mesmo.
Gonçalo Rosa
3 comentários:
Gonçalo
Para produzir uma jogo didáctico necessito uma fotografia da savana africana. Gostaria de saber se me podes ceder alguma. Podes contactar-me directamnete pelo mail jcclaro@sapo.pt
triste história...
Caro anónimo,
Muito mais que isso... triste realidade...
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