Abordemos então a primeira. Hoje, como referi, todos os Governos aceitam publicamente que o Homem tem um papel determinante nas alterações climáticas e concordam com a urgência de parar o aumento de emissões de CO2. Existe igualmente um consenso básico no modo de lidar com o problema, que vai desde o corte equitativo de emissões, ao estabelecimento de um mercado internacional de comércio de carbono, até à implementação de um sistema de transferências financeiras do mundo “rico” para as nações em vias de desenvolvimento, com o objectivo de as ajudar a suportar o custo da mudança para uma economia sem carbono.
Ainda não é certo qual o alcance das decisões que virão a ser tomadas em Copenhaga, que poderão fazer a diferença ou ficarem-se por um acordo político e o postponement da acção para um futuro incerto (o que não deixará de representar um sério revés na credibilidade das Nações Unidas). A questão prende-se, aliás como sempre, com o envelope financeiro que estará em cima da mesa para que as negociações possam triunfar. Os países em desenvolvimento argumentam que o volume financeiro disponibilizado pelos países industrializados é curto para cobrir as transferências tecnológicas necessárias e assegurar nesses países que as intenções em alterar o paradigma energético se verifiquem de facto. Os países industrializados tentam reduzir ao máximo a sua comparticipação e em alguns casos (US) atrasar o mais possível os efeitos nas suas economias.
Contudo, segundo o Yale Environment 360, a Gallup e outros barómetros sociais especializados, o apoio da opinião pública à redução de emissões de CO2, em princípio fundamental para que a pressão se mantenha sobre os decisores políticos, depois de se ter mostrado estável nas últimas duas décadas tem vindo a decrescer nos últimos anos, ao contrário do que se passa com a opinião publicada e a opinião das consideradas “elites”. Ou seja, o esforço desenvolvido pela comunidade científica e fortemente ampliado pela comunicação social parece não ter tido grande significado. Estou em crer que, como já abordei aqui, as ameaças apocalípticas têm efeito nulo, se é que não são prejudiciais ao que se pretende defender.
Neste contexto, as Alterações Climáticas não só são algo de distante e de difícil visualização para o comum das pessoas, como a aceitação dos pressupostos que lhes estão subjacentes implica uma visão negativa da actual ordem social e do futuro, obrigando a aceitar que o nosso estilo de vida presente tem alguma coisa de imoral e que serão necessárias grandes mudanças para que algo de verdadeiramente impactante, no problema detectado, tenha algum efeito positivo. Ora, como a psicologia social pode demonstrar, estando em presença de uma ameaça longínqua e difusa que obriga a uma resposta eventualmente dolorosa, é mais fácil destruir o mensageiro (neste caso a opinião científica e a sua divulgação), dando menor credibilidade às opiniões publicadas de especialistas, do que aceitar as propostas de alteração ao “status quo”.
É aliás, neste sentido que têm sido construídas as campanhas dos chamados cépticos, que pretendem desacreditar a base de suporte de credibilidade dos defensores do “actuar já”. A revelação de mails de cientistas que põe em causa os dados sobre o aquecimento global do planeta, de facto uma machadada forte na credibilidade da comunidade científica do clima, faz parte da campanha que referi. Não lhes dou grande relevo, não só porque a investigação científica não depende das conclusões de um grupo de investigadores mas sim do acumular de evidências e consensos ao longo do tempo e em diversos cenários sobre determinado fenómeno, mas fundamentalmente porque acho que são irrelevantes para a decisão a tomar em Copenhaga (como tentarei explicar adiante).
Então, porque é que com uma opinião pública menos apoiante e com uma oposição mais forte os Governos da Europa (e até ver os dos US e da China) continuam a apostar numa posição activa de redução de emissões? O gráfico abaixo pode explicar muito desta posição.
(Surripiado daqui, (a terça-feira, 24 de Novembro de 2009) que por sua vez também veio daqui)
É aceite que o actual paradigma tecnológico está esgotado para o Ocidente (em particular para Europa) o que lhe traz a inevitável decadência económica. Se associarmos a este facto a evidência de que o actual modelo é excessivamente dependente de recursos, energéticos e não só, que hoje deixaram de ser baratos e facilmente controláveis pelos países que no anterior século exerciam esse domínio, estamos em presença da chave para a resposta à questão colocada.
Para a Europa é fundamental um novo modelo, baseado na inovação e no conhecimento e que não seja dependente do carbono, senão o mais que pode aspirar é a ser o museu do planeta e ir adiando o seu fim com cada vez mais proteccionismo (que obviamente será sempre necessário em doses variadas num estádio de transição…). A actual liderança dos US, embora a outro ritmo, também considera que no xadrez geopolítico, e não apenas económico, este novo cenário poderá ser-lhe favorável. A China não se oporá se os US lhe continuarem a garantir o acesso à tecnologia que precisa para se modernizar (coisa que Obama teve o cuidado de assegurar antes de Copenhaga começar…). A Índia e o Brasil são as grandes incógnitas, embora para o segundo seja mais importante o tamanho do “cheque” a receber do que outra coisa. Mas dinheiro não será problema, embora dependa obviamente da dimensão a que se chegar, porque é com esse capital que o mundo irá adquirir ao Ocidente as tecnologias que ele irá desenvolver.
Mas para que esta nova revolução capitalista possa ter êxito e empolgar as pessoas é fundamental um “berço” ideológico que agregue e sirva de fundamento nesta nova aventura. O que sobejou no cemitério das utopias do século XX, e ainda com um potencial apreciável, é a Utopia Ambiental.
Pelo que referi, “a chave do negócio” é apoiar a nova Administração dos US garantindo o seu envolvimento e se isso se concretizar o sucesso de Copenhaga está garantido sejam quais forem as metas a serem alcançadas.
8 comentários:
http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/550438
Excelente post.
A leitura da atitude actual do cidadão comum e da elite política face ao aquecimento global é convincente. Mas, questiono-me, ainda assim, se desta vez a elite política não estará a ir um pouco mais longe da "real politics" dos ajustes de poder à escala global.
Como o João Menezes refere, o cidadão comum tem a percepção de que a descarbonização da economia, e o necessário câmbio de paradigma energético, terá elevados custos sociais, i.e. será pago com muito desconforto. Na opinião de muitos esta percepção é correcta porque é verdadeira, e forte, a relação causal entre o consumo de energia fóssil e o PIB, e, mais preocupante ainda, entre o incremento (aceleração) do consumo deste tipo de energia e a taxa de desemprego. A classe política sabe-o muito bem. Bush sabia-o. O cidadão comum compreendeu esta relação com a crise actual.
Estamos, portanto, perante algo de inédito: a classe política em vez de fingir que o problema do aquecimento global não existe, integra-o na agenda política internacional ao mais alto nível. Ainda por cima quando seria fácil argumentar que as dúvidas sobre a realidade do aquecimento global são muitas, afinal. Sem grande esforço se convencia o cidadão eleitor que os modelos climáticos convertem, abusivamente, variáveis em constantes, ou que o efeito das nuvens é determinante na irradiação de calor para o espaço exterior e não está ainda satisfatoriamente modelado. Não estamos todos ansiosos para duvidar? Invulgar, muito invulgar!
Na minha credulidade, admito que o aquecimento global está a ser instrumentalizado para antecipar políticas de mitigação da escassez energética global, porque os dois problemas partilham as mesmas soluções (partindo do princípio que elas existem). O político em vez de atacar de frente a escassez dos combustíveis fósseis, para evitar o pânico dos mercados, o desânimo dos eleitores, e a luta individualista (das nações) por um recurso escasso, e assim por diante, opta por discutir o nosso futuro comum num cenário de alterações climáticas, apelando a um bonito e saudável sentimento de solidariedade global. Se assim for estamos perante mais um enorme erro político. O que não seria de estranhar.
Caro João,
Parabéns pelo post. Tenho, porém, uma dúvida: a afirmação que o apoio popular às medidas de mitigação das alterações climáticas tem vindo a diminuir esá baseada em que dados? É esta afirmação apoiada por algum inquérito de opinião ou baseia-se simplesmente numa percepção empírica e pessoal dos factos?
Delgado Domingos dá um abanão.
Quem comenta?
http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/550438
http://aeiou.expresso.pt/delgado-domingos-climategate-e-um-dos-maiores-escandalos-cientificos-da-historia=f550490
O feriado não facilita os comentários em tempo, de qualquer maneira aqui vão mais algumas dicas.
Quanto aos dados sobre o avanço das posições dos cépticos nos últimos anos que o Miguel solicita, já no meu post coloquei uma hiperligação sobre a palavra avanço (…com o avanço das teses daqueles a que se costuma chamar “cépticos”…) onde se faz seguimento para um artigo do Guardian que identifica algumas das fontes, mas se fizeres uma busca no Guardian, no Telegraph ou no New York Times encontras variada informação sobre este tema. Aliás, este assunto veio à baila na imprensa internacional devido à divulgação pelo Yale environment 360 de dados sobre este assunto.
O Carlos faz um comentário com o qual estou de acordo. Contudo para mim, a questão é perceber em primeiro lugar o fenómeno de apropriação de uma causa ambiental para a defesa de uma transformação económica que vai requerer uma verdadeira revolução social, em segundo lugar se esta realidade é vantajosa para o Movimento Ambiental ou se no fim virá a ser-lhe prejudicial e por último se este fenómeno é ou não replicável para outras causas (ex. perda de biodiversidade). O que posso dizer é o assunto, pelo menos para mim, não é ainda claro.
Quanto ao nosso anónimo, tentarei comentar o que me sugere noutro comentário para não sobrecarregar este.
JM
No link lê-se: "Nevertheless, an increasing numbers of voters, particularly in the US and the UK, have drifted into the sceptic camp in recent months and years."
A verdade é que um número cada vez maior de votantes está a abandonar o campo dos que não sabem e não respondem para ter uma opinião sobre o assunto, o que não quer dizer necessariamente que existe um aumento de cepticismo.
Em todo caso, mesmo que seja o caso eno UK e US, a minha dúvida é quão representativas serão estas estimativas do Guardian (que não apresenta referências). Os Portugueses são cépticos e atreitos a teorias conspirativas (não é de estranhar num País com falta de auto-estima) mas, por exemplo, em Espanha não tenho sentido um ambiente de cepticismo climático significativo. E nos países de latitudes elevadas (do extremo norte e sul), onde as alterações climáticas se sentem de forma mais preponderante, o cépticismo climático é praticamente residual.
Enfim, isto não retira mérito à tua análise que me parece muito interessante. É apenas uma "note of caution"...
Caro anónimo,
Sem pretender dissecar a opinião do Prof. Delgado Domingos, que aliás, foi meu professor, gostava de lhe deixar algumas notas.
1) De facto, muitos dos acontecimentos que a opinião pública refere como relativas ao aquecimento global – alterações climáticas são fenómenos que têm outra explicação e embora dêem muito jeito para a comunicação social nada tem que ver com ciência e investigação. Nisto estou de acordo com Delgado Domingos;
2) Os acontecimentos referidos como “Climategate” são um profundo revés para a credibilidade da Ciência em geral e a referente ao clima em particular. Não vale a pena interpretar, tornear ou qualquer outra coisa…, por muitas explicações que possam ser dadas (e terão de o ser…) a percepção que a opinião pública reteve já não é reversível, quanto muito poderá ser minimizada. A confiança pública na Ciência foi abalada e nada ficará como dantes;
3) Contudo, o que esta situação vem mostrar é que o modo de fazer ciência e a forma como esta é divulgada não poderão continuar a serem feitas como até aqui. Não estamos mais em ambientes fechados de amigos e de colegas que se conhecem há anos e onde a informação circula em ambientes fechados, embora isto não seja desculpa para ter agendas preconcebidas ideologicamente e divulgadas conclusões sem existir suporte científico suficiente para tal (o que leva muito mais tempo, do que o que os políticos têm…). Em particular, as questões do clima têm hoje um impacto económico e político, e não só por vontade dos políticos, que implica outra estrutura para a investigação que aquela que foi criada pelas UN;
4) Contudo, e aqui é que divirjo de Delgado Domingues, pela omissão e não pelo que escreve, o que esta divulgação vem alterar no problema? Nada de fundamental, quanto muito o que está em causa é a forma como políticos apropriaram e cientistas deixaram apropriar trabalhos de investigação para agendas com conteúdo e tempos não compatíveis com investigação credível (como sempre pensei, as UN não são o fórum ideal para fazer ciência quanto muito poderão fazer política). Por outro lado, existem mais investigadores e fontes do que as que estão em causa e que têm de se pronunciar, mais não seja para recuperar a credibilidade do seu trabalho.
JM
As declarações do Prof. Delgado Domingos ao Expresso são de uma enorme irreponsabilidade!
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