6 da manhã. O saco de pano enfiado providencialmente no dia anterior no puxador da porta, estava cheio de carcaças que o homem do pão vinha trazer. Na rua, uma simpática senhora vendia leite do dia que a frescura da manhã conservava, trazido em grandes leiteiras de metal transportadas numa pequena moto com atrelado. Pela manhã, era comum ouvir a gaita de beiço do amolador, com chamar tão inconfundível como inimitável, na sua velha pasteleira percorrendo a rua protegida do sol por majestosos choupos, chamando por facas e tesouras velhas precisadas de afiadela ou de pequeno reparo. No final do verão, havia ainda a velhota vestida a preceito com roupas rurais tradicionais dos Algarves e duas pequenas cestas de verga forradas de folhagem que protegiam precisos figos pingo de mel de algum calor que teimava em retardar a invernia. Mais tarde, a mesma senhora, agora ora um xaile, ora um velho casaco que disfarçava o frio que começava a cair, assava deliciosas castanhas que sabiam sempre melhor que as que se faziam lá por casa. E no parque, bem no centro de Algés, nos arrabaldes da grande capital, pastavam duas solitárias ovelhas cujo dono nunca conheci. Coisa estranha para ali estar.
Tudo isto me veio à memória há uns dias atrás, quando a Sra. Ermelinda passou aqui na rua com o seu pequeno rebanho de ovelhas, noutros arrabaldes da grande capital, ainda assim supostamente urbanos. Como muitas gentes que nos idos anos 60 e 70 protagonizaram o êxodo rural no sul do país, vindo viver para a margem sul, também Ermelinda acompanhou seu marido, que arranjara emprego na siderurgia nacional, vinda do seu querido Alentejo. E, como muitos outros trouxeram laranjeiras e tomateiros fundando o conceito a que carinhosamente gosto de chamar "jardins de couves", Ermelinda trouxe algumas das suas ovelhas. E fez bem.
2 comentários:
Excelente texto.
Caso a LPN seja envolvida num projecto que lhes pague um milhão de euros, os cucos poderiam ser ensinados a fazer o próprio ninho. Se não houver financiamento, claro que a LPN será contra. Que ideia ridícula!
Belíssimo texto.
À la recherche du temps perdu...
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