quinta-feira, dezembro 03, 2009

Criacionismo e "cepticismo" climático

Poderíamos mudar o texto do carro e ler:

Climate change?
Tree rings say no!
Climate change is a fairy tale for grown-ups!
Good bless America!

Conheço bem o risco que o raciocínio por analogia comporta mas esta tarde quando ouvia a cativante palestra de Janet Browne, a biógrafa mais autorizada de Charles Darwin, professora na Universidade de Harvard, não pude deixar de estabelecer algumas analogias entre o fenómeno criacionista e do cepticismo climático, ambos com forte implantação nos Estados Unidos da América.

Numa passagem da sua conferência, Janet Browne referiu o facto de, apesar de ser agnóstico, Darwin foi enterrado na Westminster Abbey de Londres, a igreja onde se enterram os heróis nacionais no Reino Unido. Por ocasião do seu enterro elogiaram-se as qualidades pessoais e profissionais de Darwin, tendo sido este apresentado como o exemplo de um bom homem e um grande cientista. Não muito tempo depois, Darwin e a sua obra foram vilipendiadas por activistas de várias Igrejas cristãs tendo este processo culminado com o aparecimento do movimento criacionista nos EUA. Este é o movimento que nega a evolução assim como toda a evidência que a suporta, proclamando, entre outras bizarrias, que os dinossauros se extinguiram na idade média.

Uma pergunta que se coloca é porque razão terá o movimento criacionista tanta pujança nos EUA quando na Europa, Darwin está longe de ser considerado um inimigo do cristianismo. Esta pergunta é importante e a sua resposta ajudará a entender um pouco o mecanismo social que conduz ao aparecimento do cepticismo climático. A forte contestação ao pensamento de Darwin surge, na realidade, porque muitos cristãos americanos vêm na teoria da evolução uma ameaça os dogmas da religião, logo às suas crenças e "modus vivendi" mais profundos. Arriscava-me a afirmar que a maioria (talvez todos) os movimentos sociais anti-ciência tiveram, ao longo da História, um principio semelhante: factos e descobertas da ciência percepcionadas socialmente como uma ameaça ao conforto e ao estabelecido tornando-se, desta forma, um alvo a abater.

As alterações climáticas e as respostas necessárias para a mitigar são um exemplo, óbvio, de um facto científico que, a comprovar-se, ameaçaria o "status quo" e o conforto de muitos de nós. Logo, não é de estranhar que, da mesma forma como o Darwinismo gerou um movimento social de larga escala contra a teoria da evolução, as alterações climáticas, vistas como uma teoria e não um facto, têm potencialidade para gerar um movimento com a potencialidade de atingir proporções semelhantes. Note-se, aliás, que são os países que mais têm a perder com a adopção das medidas de mitigação, designadamente os EUA e os países árabes produtores de petróleo, que mais se têm oposto à concepção de que o clima tem vindo a mudar devido ao impacte das actividades humanas.

No final da conferência, Jant Browne perguntou se a educação seria a solução para o problema do criacionismo nos EUA, tendo imediatamente respondido que duvidava que assim fosse. Na realidade e esta é a conclusão que chegámos numa conversa, no final da conferência, a solução passa por convencer os criacionistas que a teoria da evolução "não morde" e que os cristão de várias congregações podem continuar a ser felizes sabendo que descendemos de um ancestro comum sem que isso retire humanidade ao ser humano nem, para quem quiser pensar assim, que possa ter sido necessária intervenção divina para que aparecesse no planeta terra a matéria prima necessária para que a evolução se iniciasse. Nesta linha vai o pensamento de E.O Wilson que, aproximando-se do final da sua vida, conclui que a única forma de combater o criacionismo é estabelecendo pontes entre os biólogos evolutivos e representantes de várias igrejas. Por analogia, também é esta a visão de Judie Currie (ver também editorial da revista "The Economist") que defende a necessidade de se reforçarem plataformas de diálogo entre os estudiosos do clima e os que se têm mostrado pouco disponíveis para acreditar na bondade da sua investigação.

15 comentários:

José M. Sousa disse...

Absolutamente! O discurso científico puro não chega.
A propósito das nações "confortáveis", ler este texto de Monbiot: The Urgent Threat to World Peace is … Canada

Jorge Oliveira disse...

«As alterações climáticas e as respostas necessárias para a mitigar são um exemplo, óbvio, de um facto científico que, a comprovar-se, ameaçaria o "status quo" e o conforto de muitos de nós.»

Tem toda a razão. É precisamente o “status quo” e o conforto de muitos de "vós". Basta ler os e-mails trocados pelos cientistas (?) apanhados no ClimateGate, e observar as referências aos contactos entre aqueles dissimulados aldrabões e as petrolíferas.

O que é curioso é que em Portugal a contestação ao Climategate, e aos cépticos em geral, está a revelar os tiques e os métodos de discussão utilizados por Sócrates e os carroceiros que o apoiam, em que o recurso à mentira descarada constitui, cada vez mais, o principal argumento.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Jorge Oliveira,
Não seria mais útil dizer em concreto de que mentiras está a falar e de que referências em que emails está a falar para se poder discutir seriamente?
henrique pereira dos santos

Jorge Oliveira disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos

Eu nem sempre leio o que publica no Ambio, mas tenho-o como um interlocutor sério, honestamente empenhado nas questões ambientais, pelo que a minha alusão a mentiras não pretende envolvê-lo.

Já o mesmo não digo do seu companheiro de blog, cujo texto me revoltou, ao identificar os criacionistas com os críticos da teoria do aquecimento global.

Para mim, trata-se de uma comparação infame, servida por mentiras descaradas, ao nível do pior que Sócrates e os seus apaniguados trouxeram para o debate em Portugal

Sou um entusiasta do método científico desde muito novo e rapidamente descartei explicações da Natureza baseadas em crenças religiosos.

Não admito a ninguém que me identifique com criacionismos e outras patranhas do género, só porque manifesto dúvidas em relação à teoria oficial do IPCC acerca do aquecimento global. Uma teoria que, como veio agora a saber-se, repousava numa teia infernal de fraudes, difícil de antecipar até pelos críticos mais ásperos.

Está tudo documentado na internet. Basta ler os órgãos de comunicação estrangeiros, porque os nacionais continuam enfeudados ao politicamente correcto, certamente com medo da reacção do ignorante primeiro ministro que nos calhou em sorte.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Jorge Oliveira,
Portanto quanto a facto, nada.
É uma opção.
Espero que perceba que é uma opção que não ajuda à adesão racional aos seus pontos de vista.
henrique pereira dos santos
PS Devia ler melhor o texto que criticou e devia ter mais contenção nas acusações que faz ao Miguel, sobretudo quando resolve fundamentá-las não no que o Miguel diz mas no quis ler sem lá estar.

Jorge Oliveira disse...

Meu caro HPS

No que respeita ao tema em apreço, não é difícil concluir que as nossas opiniões estão nas antípodas. Nem você me convence, nem eu a si. E muito menos ao seu colega de blog, que por sinal não acusei de nada (eu nem sei quem é ele, nem o que faz na vida, ou se tem algum curso tipo Sócrates) tendo apenas manifestado a minha indignação pelo desplante desse senhor em comparar os cépticos do global warming aos criacionistas.

Mas se quer que lhe diga, já nem sequer estou indignado, uma vez que estou a dirigir-me a pessoas que já “morreram”, só que ainda não sabem.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Jorge Oliveira,
Portanto, quanto a factos, nada de novo.
O Miguel começa o seu post a dizer que conheço os riscos de argumentar por analogia.
O Jorge Oliveira só tem de explicar onde é que essa analogia não se verifica.
E sim, acusou o Miguel de desonestidade, leia bem como começa o seu comentário.
Como por aqui não se usam, tanto quanto se consegue fugir às armadilhas involuntárias do cérebro, argumentos de autoridade, não vale a pena explicar-lhe quem é o Miguel, coisa que se tiver interesse facilmente saberá procurando quer no google normal, quer no google schollar.
Não sei de onde conclui que está nos antípodas da minha posição sobre esta matéria, porque duvido que saiba qual é: esta é uma matéria de que sei pouco, tenho por isso opiniões muito reduzidas e muito pouco assertivas. E o que contestei não foram as suas opiniões, foi a falta de fundamentação delas.
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Caro Jorge Oliveira,

A analogia é perfeitamente ajustada á situação.

O Jorge Oliveira aceita o consenso científico quanto á Teoria da Evolução, apesar de não ser biólogo nem ser capaz de a demonstrar. Fá-lo porque está fundamentada e aceite por instituições científicas com capacidade para a avaliar como a Teoria mais provável (nunca há certezas). O Jorge Oliveira confia em consensos científicos que estão fora da sua área profissional ou competências, assim como eu.

O Jorge Oliveira não aceita a teoria do Aquecimento Global Antropogénico apesar de um consenso científico semelhante. O Jorge Oliveira não é Climatólogo. O Jorge Oliveira não confia nas mesmas instituições científicas que confia noutros assuntos, apesar de esta ser uma questão científica, não política ou religiosa como é a sua percepção.

A coerência dos criacionistas é que não confiam nas instituições científicas para nada. São coerentes com aquilo que afirmam. O Jorge Oliveira confia nas instituições quando vão de encontro a uma qualquer percepção política sua. O Jorge Oliveira não está a ser coerente.

Este não é nem quer ser um assunto político.
Existem contornos políticos quanto á reacção á teoria do AGA, podemos discuti-los á margem das questões científicas, que nenhum de nós domina. Não se confundam as duas coisas.

Vivemos numa sociedade em que as conspirações (do código da vinci, até á gripe A e ao CERN) têm mais tempo de antena e credibilidade pública do que as instituições científicas...

cumprimentos

Jorge Oliveira disse...

Caro Nuno

A Ciência tem métodos próprios, que me dispenso de enunciar (pode encontrar na internet) e o escândalo do Climategate já começou a desvendar a forma como eram alcançados os famosos consensos atribuídos à teoria do global warming.

Miguel B. Araujo disse...

Caro Nuno,

Obrigado pelas explicações. Estava a ficar com a sensação que me não conseguia explicar. A analogia apenas serve para sugerir que em ambos os casos existe uma desconfiança perante a ciência, os seus profissionais e as suas instituições e em ambos os casos o motivo dessa desconfiança extravasa a ciência. O que não faltam na ciência são debates, incertezas e polarizações de opinião, mas a popularização destes debates ocorre quando estes são vistos como relevantes para a vida das pessoas, ou melhor dizer, quando afectam o "status quo".

Caro Jorge Oliveira,

Sobre as alegadas mentiras sugiro que leia algum do material que foi divulgado neste blogue. Criei uma etquiqueta "climategate" para facilitar a leitura completa deste material que, como verá, inclui alguns artigos de alguma da imprensa mais respeitável a nível internacional. Se o facto de estarem em Inglês representa um obstáculo, não se preocupe que em breve farei uma síntese das questões essenciais.

Cumprimentos,

Miguel Araújo

Nuno disse...

Caro Jorge Oliveira,

Agradeço a resposta.
Tem razão quando diz que existem métodos próprios para a Ciência desafiar consensos e teorias. Por isso aguardo pela revisão que o IPCC, com coerência científica, irá fazer do trabalho dos cientistas directamente implicados por esta questão e que, como leigo, irei naturalmente acatar e levar a sério. Algumas publicações com acesso a pareceres da especialidade já se manifestaram, como pode ler nas transcrições do Miguel Araújo.

O Jorge Oliveira e eu não temos capacidade para julgar o material implicado pelos emails. A blogosfera de pessoas que nada têm a ver com a Climatologia não é a minha fonte de informação e as conclusões parecem prematuras dada a complexidade do material que se vai avaliar e da natureza puramente informal dos emails. Não sei se é claro que os resultados não vêm de contas 1+1 mas de avaliações complexas.

Caso leve a sério a sua contestação á verosimilhança da teoria do AGA sugiria que não ponha o carro á frente dos bois ou que assuma de que já sabe tudo sobre um assunto que não domina (trechos de textos e linkes copiados de blogues e da wikipedia não contam como "especialidade"). Tenho a certeza que o Jorge Oliveira é um profissional de uma dada área e que também não aprecia quando pessoas com competências inteiramente diferentes (académicas ou não) lhe aparecem com a presunção de que dominam aquilo em que o Jorge Oliveira trabalhou para conhecer com experiência directa.

Cumprimentos

ps. Um aparte: durante a realização da minha tese, em parte fruto da frustação com os meus coordenadores e da morosidade de alguma recolha de informação disse várias vezes a colegas, meio a brincar, "quem me dera inventar esta merda toda". Isto não se reflectiu no resultado final nem na minha dedicação e seriedade ao trabalho. É algo que toda a gente diz no meio de processos de trabalho complicados e que partilha com amigos. É por isso que acho hipócritas estes paninhos quentes quanto a emails privados roubados (é o termo) que são usados para pôr em causa o trabalho de alguém. Poupem-me estes santinhos que aparecem a contestar estes disparates.

Jorge Oliveira disse...

“O Jorge Oliveira aceita o consenso científico quanto á Teoria da Evolução, apesar de não ser biólogo.”

“O Jorge Oliveira não é climatólogo.”

“O Jorge Oliveira não confia nas mesmas instituições científicas que confia noutros assuntos.”

“O Jorge Oliveira confia nas instituições quando vão de encontro a uma qualquer percepção política sua.”

“O Jorge Oliveira e eu não temos capacidade para julgar o material implicado pelos emails.”

“Se o facto de estarem em Inglês representa um obstáculo, não se preocupe...”

Estou divertidíssimo : não sou biólogo, não sou climatólogo, confio nas instituições, não confio nas instituições, não tenho capacidade para julgar os e-mails dos aldrabões climáticos, talvez não me entenda com o inglês...

Mas isto aqui é um blog ambientalista, ou um consultório de quiromancia !?

Nuno disse...

Caro Jorge Oliveira,

Não percebi o seu contra-argumento. Julgo que não estava a confirmar se era ou não Climatólogo ou se desconfiava de todos os consensos cientificos em áreas que não são da sua especialidade ou só daqueles que associa a uma conspiração que tenha lido na internet.

Como a sua última frase não me diz absolutamente nada vou assumir que não discorda do facto de não estar a ser coerente e de desconfiar das instituições científicas que têm a capacidade de se pronunciar sobre assuntos da sua competência em detrimento das opiniões da vastidão recentemente criada de climatólogos amadores que hoje pululam a blogosfera.

Cumprimentos

ps. Não tenho o direito de me pronunciar quanto ao conteúdo do blogue, que nunca tomei por pseudo ciência relacionada com o Ambiente. Existem alguns desse tipo em português mas misteriosamente não permitem comentários e/ou são escritos por pessoas que não se identificam.

Nuno C. M. disse...

É só para dizer que estou absolutamente e acordo com os comentários do Jorge Oliveira.
Acho lamentável o tipo de argumentação e insinuações sobre as quais se constroi o texto que compara uma manifestação do mais elementar cepticismo cientifico, consistindo em não acreditar religiosamente numa teoria nunca provada e agora definitivamente desacreditada, como é a do aquecimento global antropogénico, ao creacionismo.
Felizmente que se começa a descobrir a verdade que se escondia por trás dos falsos consensos.
Contudo, e lamentavelmente, como diz o J.O. "em Portugal a contestação ao Climategate, e aos cépticos em geral, está a revelar os tiques e os métodos de discussão utilizados por Sócrates e os carroceiros que o apoiam, em que o recurso à mentira descarada constitui, cada vez mais, o principal argumento."
Mas já todos percebemos que as coisas estão a mudar, certo?

Nuno disse...

Caro Nuno CM,

Qual é exactamente a diferença entre o consenso científico em torno da teoria do AGA e da Evolução? É que em ambas só encontro criticas oriundas de fontes que não são as academias de ciências nacionais, que não são das maiores organizações de profissionais de cada área, que não são de publicações da especialidade formalmente revistas por outros profissionais.

Como sou leigo, são as mencionadas as minhas fontes CIENTIFICAS, não a blogosfera política. E não entendo a sua concepção de cepticismo: então é o AGA é uma teoria hipotética mas o contrário é um facto? Socorra-se de um dicionário.
Sabia que nos relatórios do IPCC estão patentes as dúvidas relativas a recolha de informação, ao contrário do que dizem os milhares de climatólogos amadores das caixas de comentários que só fornecem certezas? Caro Nuno CM, se o IPCC, enquanto entidade credível, mudasse a sua posição eu aceitaria.

Não percebi o argumento final- o Sócrates é o autor da Mega Conspiração Científica? Tem linha directa telepática para o IPCC como o Al Gore? Eu estou noutra esfera política oposta ao Sócrates, ando desviado da norma?

Não posso deixar de me espantar com o facto de que, antes dos emails privados retirados com recurso a uma prática criminosa serem confirmados como reais pelos implicados (não percebo o que isso diz da sua suposta desonestidade) a blogosfera "céptica" já não duvidava da sua veracidade, apesar de ser fácil forjar ficheiros txt. Mas milhares de documentos científicos de centenas de cientistas de todo o mundo eram já obviamente uma conspiração!

Dá que pensar quem será verdadeiramente permeável a desinformação bastante conveniente a quem tem capacidade para a espalhar.

Cumprimentos

Nuno Oliveira