quarta-feira, dezembro 02, 2009

Detalhes



"A alteração dos contratos entretanto realizada define que a remuneração das concessionárias, que até agora dependia do volume de tráfego através do pagamento de "portagens virtuais, passa a ser feito em sede de pagamentos por disponibilidade".
Este pequeno parágrafo é de uma das notícias de hoje do Público sobre as concessões de estradas.
E é um parágrafo que deveria motivar uma fortíssima reacção do movimento ambientalista.
Sob a capa de uma mera minudência contratual está a nudez crua da transferência do risco de baixo tráfego dos concessionários para o Estado.
A partir do momento em que esta alteração contratual entrar em vigor, o Estado passa a ter interesse directo em não diminuir o tráfego automóvel nas estradas concessionadas.
Quando entrei na lista de discussão Ambio, vai para mais de dez anos (acho eu) entrei discutindo com dirigentes ambientais de topo (Joanaz de Melo e Palmeirim) o fundamento da decisão de colocar a ponte Vasco da Gama onde está, em vez de ter sido adoptada a alternativa Chelas-Barreiro.
Se não distorço a discussão da altura, os dirigentes do movimento ambientalista, como é muito vulgar, justificavam a decisão com teorias da conspiração e interesses ocultos que teriam prevalecido e eu dizia que era melhor olhar para a necessidade de controlar o défice e para a forma como as parcerias publico-privadas permitiam fazer obra sem pesar no défice actual (a ponte actual fazia-se mais facilmente que a do Barreiro, que se pretendia que tivesse comboios que complicavam a arquitectura financeira em project finance).
Depois disso tive alguma formação (elementar) em parceiras publico privadas e fiquei ainda mais convencido do que então defendia.
Infelizmente o movimento ambientalista continua a preferir teorias de conspiração ao estudo sobre o fundamento das decisões em políticas públicas.
Penso que só isso justifica que não reaja a decisões que implicam que o Estado passe de uma posição de indiferença face ao volume de tráfego automóvel nas estradas concessionadas (se fosse baixo, esse era problema do concessionário) para directamente interessado no aumento desse tráfego (ao pagar por disponibilidade de serviço, ou seja, uma renda fixa independente do tráfego, mas recolher o valor das portagens, por enquanto fala-se apenasem portagens virtuais, mas veremos mais para a frente se não passam a reais, quanto maior fôr o tráfego mais ganha o Estado).
À medida que défice e o endividamento for apertando veremos como a vontade do Estado transferir trânsito fortemente emissor de poluentes (como é o do transporte individual automóvel) para trânsito mais sustentável (transporte públicos por ferrovia e por rio e mar) se vai esvaindo.
henrique pereira dos santos

3 comentários:

Gonçalo Elias disse...

Acima de tudo e olhando para as receitas potenciais (ou se preferirmos, para o "combate ao défice"), parece-me que ao Estado interessa que os cidadãos usem o automóvel e não os transportes públicos. Basta ver que se eu gastar 10 euros em combustível, o Estado recebe 7 euros (ISP + IVA à taxa normal) ao passo que se eu gastar 10 euros em transporte público, o Estado apenas recebe 50 cêntimos (IVA à taxa reduzida).

José M. Sousa disse...

Esta é uma perspectiva muito micro, mas que pode bem ser a prevalecente no Governo.
Na realidade, o problema do défice aqui vai muita para além das receitas dos combustíveis. Visto que a matéria prima desses combustíveis é importada isso significa que mais automóveis/mais consumo de combustível implicam mais importações; como as importações têm sinal negativo no cálculo do Produto/Rendimento e como os impostos são função do Produto/Rendimento, no cômputo geral, macro, o Estado e todos nós perdemos.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro José M. Sousa,
Se a opção for entre reduzir o PIB e aumentar a receita do EStado ou aumentar o PIB e reduzir a receita do Estado, não tenho a menor dúvida que este governo (e muitos outros) optarão pelo aumento da receita do Estado: essa é a que permite manter a rede clientelar que segura o poder.
henrique pereira dos santos