segunda-feira, dezembro 07, 2009

Lobos


Uma das coisas mais interessantes do artigo sobre os lobos de Leomil e as eólicas são estes mapas que o acompanham.
Logo de início não se sabe o que estes mapas dizem.
O que pretendem dizer é que estamos numa situação de brutal retracção da distribuição do lobo.
Mas na verdade não sabemos se é isso que dizem, começando por não saber o que significa cada um destes pontinhos encarnados.
Os dados de 1930, 1960, 1980 e 2002 foram obtidos da mesma forma? Têm a mesma fiabilidade? Os pontos querem dizer ocorrência possível, provada ou confirmada? Ou querem dizer reprodução possível, provável ou confirmada? E querem dizer o mesmo de uns mapas para os outros?
Não sabemos. O que eu sei é que nunca consegui ler o trabalho científico de onde são tiradas grande parte das informações anteriores a 1990 (incluindo os três primeiros mapas), apesar de já ter pedido várias vezes para mo arranjarem ou dizerem onde posso consultá-lo.
E o que sei também é que no meio dos anos oitenta (1983) e depois mais para o fim dos anos 80 trabalhei em conservação em áreas de ocorrência de Lobo, e toda a informação que me foi passada (formal ou informalmente) ia sempre num sentido completamente diferente da que hoje caracteriza as populações de Lobo acima do Douro.
Nessa altura ver um lobo em algumas áreas do país era diz de festa, hoje organizam-se excursões turísticas para os ver.
Se alguém tiver dados mais concretos que me permitam perceber as razões pelas quais em 1980 se diz que existiam lobos em pleno Alentejo (como se infere do mapa) eu agradecia, porque tenho uma outra ideia, errada, com certeza.
A sensação que me fica, por exemplo, olhando para o facto da mesma população de lobos ser considerada muito pouco ameaçada em Espanha e em perigo em Portugal, é a de que nesta discussão há muita ideia feita (eu, por exemplo, tenho algumas e não consigo saber onde posso ter informação que me permita livrar-me delas).
Uma dia destes falei num post no complexo ovelha, cabra, coelho, como tendo sofrido uma violenta deplecção, que cria uma situação transitória até à recuperação dos ungulados silvestres onde os lobos devem passar bastante fominha.
Uma alma caridosa disse-me logo para eu não falar nos coelhos como presa do lobo que isso me tirava credibilidade.
Fiquei a pensar no assunto e fui rever umas coisas.
Encontrei, nomeadamente na biblioteca digital do ICNB (um trabalho solitário e insano da Paula Abreu, pouco reconhecido e, sobretudo, completamente esquecido e suspenso, sobrando o que já está on-line) os estudos onde estava o coelho como parte da alimentação do lobo (que é aliás um belo oportunista que come quase tudo o que lhe passar ao pé, de veados a cadáveres passando por frutos e cereais, evidentemente em proporções muito variadas em função do que existe).
Sim, o ceolho era uma parte marginal dessa alimentação (embora mais de 5% talvez não seja assim tão marginal).
Mas pergunto eu, há alguma razão para supor que quando os coelhos tinham densidades dez a vinte vezes maiores que as actuais (um facto que todos os que trabalham com predadores de topo na península ibérica deveriam ter escrito no espelho da casa de banho para todos os dias se lembrarem dele) o coelho não fosse uma pressa mais frequente do lobo?
Pois a mim parece-me que não.
Da mesma maneira que me parece que toda a gente tem a clara noção de que o lobo está a melhorar a olhos vistos (mesmo com os problemas do Sul do Douro) mas alimenta ou, pelo menos, não combate a ideia corrente, mas pouco rigorosa, de que o lobo em Portugal ainda está em regressão.
henrique pereira dos santos

14 comentários:

Miguel B. Araujo disse...

Henrique,

O facto de não teres uma referência sobre o origem dos dados não quer dizer que estes sejam inventados. É possível que parte destes dados tenham sido recolhidos com inquéritos informais às populações e dificilmente se publica um hoje um artigo sobre recolha de dados (mesmo que com inquéritos formais).

Por exemplo, resulta-me interessante constatar que os lobos sejam dados como presentes até 1980 na zona de barrancos pois no final desta década eu houvi vários pastores dizerem que constumavam ver e ouvir lobos naquela zona.

Por outro lado, creio que pedes demasiado (reprodução confirmada, etc) de dados históricos. Saber se a espécie ocorria numa dada quadrícula já é obra e mesmo que hajam erros e incertezas nestes dados o padrão é demasiadamente claro para que a tendência seja falsa. Além do mais é coincidente com a tendência verificada em Espanha pelo que é muito provavel que os mapas reflictam um padrão real e não inventado.

Miguel B. Araujo disse...

Uma última nota: Em Espanha é tudo menos consensual a retirada das populações de lobos da lista vermelha. Não sei o suficiente sobre o tema, mas vale a pena registar este facto quando se usa o caso Espanhol como exemplo para discutir o Português.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Eu tenho a referência dos dados e seguramente não foram inventados.
O que estou a dizer de maneira nenhuma quer dizer o que interpretas.
O que estou a dizer é que não consigo aceder facilmente a essa referência, apesar de não haver provavelmente nenhum artigo sobre lobos em Portugal que não lhe faça referência.
E portanto não sei se os dados de 2002 e de 1980 são assim tão directamente comparáveis (penso que existem métodos de recolhas de dados significativamente diferentes, mas só vendo as duas origens é que posso ter a certeza).
A discussão que referes em Espanha é perfeitamente normal, o que não é normal é a mesma população (porque é a mesma população) estar classificada de um lado da fronteira como não suscitando preocupações especiais (penso que está classificada, mas agora não tenho tempo de verificar, como quase ameaçado, que é a categoria de ameaça de que mais gosto por ser todo um programa ideológico) e em portugal estar na categoria de ameaça imediatamente a seguir à mais elevada.
Quem tem razão não sei (mas suspeito que a virtude até possa estar no meio, mas tinha de olhar para a fundamentação).
A minha convicção não é a de que a tendência seja falsa, mas sim a de que é uma tendência histórica que se inverteu.
E sabes bem como é difícil um conservacionista aceitar que espécies, sobretudo emblemáticas, recuperam simplesmente porque os sistemas recuperam.
É assim em todo o mundo.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Bom, suponho que a comparabilidade dependa do objectivo. Se objectivo for aferir se a distribuição da espécie se contraiu, ou não, desde o ínicio do século XX, parece-me que os dados servem. Se o objectivo for quantificar a área real ocupada pela espécie em períodos diferentes, é natural que a comparação não se possa fazer sem antes fazer alguns "tricks" :)

Henrique Pereira dos Santos disse...

O objectivo para mim é simples: deslindar se o lobo está em regressão, como foi a tendência de grande parte do século XX, ou se houve uma inversão de tendência, como me sugerem as dinâmicas de paisagem.
Daí o meu interesse em comparar (e, sobretudo, interpretar) os dois últimos mapas, dando os outros de barato.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Assumindo que o esforço de amostragem é maior em 2002 que em 1980 e tendo em conta que a distribuição de 1980 é mais ampla que 2002, creio que tens uma boa base para concluir que neste período a tendência foi de regressão. Outra coisa é se nos últimos anos a população aumentou e se expandiu para sul. Mas isso não se pode inferir destes mapas.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Isso seria assim se os dados de 1980 fossem provenientes de amostragens, do que tenho as maiores dúvidas.
Penso que resultam de inquéritos.
E que os inquéritos não foram usados em 2002.
Não sei se é assim e qual a importância que possa ter nos números finais.
Ainda por cima não sei se os pontos encarnados significam a mesma coisa.
É que nos inquéritos é muito frequente estar-se a falar de presença, ainda que esporádica.
E o outro pode ser um censo de alcateias, ou pelo menos, com maior rigor na definição de presença, sub-amostrando as presenças esporádicas em relação ao anterior.
É tudo isso que eu não sei (basicamente porque eu sou ignorante, não é porque não se saiba) e que os mapas nas realidade não permitem saber.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Em relação à existência de lobo em Barrancos, se a memória não me falha, vi uma fotografia de um lobo morto datada de 1982, no livro "Lobos em Portugal" do Paulo Caetano.

Há também que referir que existe uma pequena população de lobo na Serra Morena, que não fica muito longe de Barrancos, que poderia ser responsável pelos avistamentos que o Miguel refere.

Henrique Pereira dos Santos disse...

entretanto estou à espera de ver se consigo encontrar este artigo para o ler:
Abstract Using records from archives detailing bounties for wolves killed in northern Spain during the eighteenth and nineteenth centuries, we investigated demographic and spatial distribution parameters of the population to determine whether direct persecution or prey availability was responsible for the observed population decline. Captures of adult, subadult, and young individuals, including those of litters, showed a downward trend. Progressive decreases in age ratio and litter size, and the increase in the proportion of males, were compatible with a population under food stress, driven by the extinction of wild ungulates, the sharp reduction in livestock numbers, and the lack of alternative prey. The immigration and dispersal process does not seem to have functioned under such conditions. In the study area, where strychnine was not used until the end of the nineteenth century, the broadly accepted idea of human persecution having an exclusive or primary role in wolf decline does not necessarily apply.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Numa comunicação apresentada no XII Congresso da União Internacional dos Biologistas da Caça, reunido em 1975 em Lisboa, é apresentado por Carlos Paixão de Magalhães (Fac. de Ciências de Lisboa) "Aspectos do Lobo em Portugal".

Comparando os mapas apresentados nesse estudo com os mostrados neste post, notam-se várias discrepâncias. Em 1975 considerou-se a população residente de lobos apenas nos distritos de Vila Real, Bragança e Viseu. De forma esporádica poderiam ocorrer em parte dos Distritos de Viana do Castelo, Braga, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja.

Nos mapas deste post os autores acrescentaram Aveiro, Porto e Coimbra. Portanto de 1975 a 1980 a área de distribuição do lobo, mesmo na forma esporádica aumentou. De notar que de 1963 a 1973, segundo o estudo acima referido, não foi registada a morte de qualquer lobo nestes 3 Distritos.

Nos mapa deste post referente a 2002, comparativamente com os mapas apresentados em 1975, nota-se uma notável recuperação do lobo, pois a espécie aparece referenciada com vigor nos Distritos de Braga, Viana do Castelo e Guarda, quando anteriormente a espécie estava representada nestes Distritos como "provenientes quer da vizinha Espanha quer dos locais portugueses onde procriam".

Notável como os homens da ciência no séc. XXI são hábeis a elaborar mapas de lobos de décadas passadas, descobrindo lobos em locais onde os estudiosos desses tempos não sabiam da sua existência.

Anónimo disse...

A bondade das intenções dos cientistas é inquestionável, logo os métodos estão justificados. Omissões, distorções ou manipulações são muitas vezes a única forma que os homens da ciência têm ao dispor para convencer o povo, políticos ou distribuidores de subsídios para projectos, das suas incontestadas conclusões e brilhantes estratégias. Um pouco como contar uma história para a criança comer a sopa, há alguém que leve a mal à mãe por estar a endrominar o filho sem apetite?

No caso dos mapas sobre a ocorrência do lobo, em 1975 havia o claro objectivo por parte dos cientistas da fac.de ciências de Lisboa em retirar o lobo das espécies cinegétcas. Logo todos os dados omitidos ou distorcidos (como por ex. num dos mapas referir que, de 1933 a 1957, em todo o Distrito de Coimbra - serras da Lousã, Açor e parte da Estrela - não ocorreram morte de lobos, pelo que os lobos nesse Distrito provavelmente estariam extintos desde 1933) apenas tinham a nobre função de retirar o lobo da mira dos caçadores.

Da mesma forma, nos mapas deste Séc. referentes à distribuição do lobo, considera-se que em 1960 ainda ocorriam lobos nos Distritos de Faro, Setúbal, Santarém e Coimbra, algo que os mapas de 1975 não menciona, pelo que deduzo que estas contradições somente revelam um qualquer generoso objectivo dos cientistas, talvez o de provar o quanto a população de lobos decresceu ao longo dos últimos anos e de se ter de reforçar as medidas de pprotecção à espécie, uma das quais, a mais comum de todas, dinheirinho fresco dos papalvos pagadores de impostos para estudos e projectos que visem a protecção da espécie.

Anónimo disse...

O Prof.Francisco Petrucci pode ser muita coisa, mas não é desonesto.

Gostava realmente de saber qual é relação entre delírios paranóicos e a conservação do lobo em Portugal.

Parece ser forte, recorrente e estatisticamente significativa. Que o digam o/os anónimo(s) anteriores.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Anónimo,
Penso que a questão não é a honestidade das pessoas mas sim a fiabilidade dos dados e o que realmente se passa.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

O anónimo das 8:14 poderá explicar o(s) motivo(s) dos mapas da distribuição do lobo em Portugal, elaborados por cientistas, divergirem consoante os tempos?

Ou a melhor forma que encontra para esclarecer as contradições expostas é chamar nomes esquisitos a pessoas que desconhece?