terça-feira, dezembro 08, 2009

O elogio da ignorância


Eu sou um ignorante profundo em matéria de alterações climáticas. Esforço-me por ouvir com atenção os vários argumentos mas de uma discussão como a que se desenrola aqui e aqui devo perceber mais ou menos 10%.
Mas esses 10% são-me ainda assim muito úteis para formar a minha opinião de cidadão.
O que me faz confusão nesta discussão sobre o climagate que tenho estado a acompanhar desde que começou não é o grau de ignorância da grande maioria dos intervenientes (que está ao meu nível) mas a contumaz persistência e orgulho nessa ignorância.
De um comentário a este post:
"Escusa de me indicar as publicações científicas....Eu apenas quero ouvir a voz dos cépticos e até dos negacionistas como vocês lhes chamam fundamentada com a mesma profundidade analitica cientifica daquela que me é apresentada como verdade oficial.A “fuga de informação” ou o “ataque informático” que desvendou milhares de emails e documentos e o silêncio de uma boa parte tanto das publicações como dos mídia em geral deixa (ou deveria deixar) quem de boa fé tenta olhar para estas coisas.Não vale portanto disponibilizar informação tratada pelos mesmos, possivelmente, controlada pelos mesmos sob risco de cair numa redundância."
Do blog com a cobertura mais idiota do assunto (tirando os militantes como Mitos Climáticos coisas que tal que não contam porque há muito que demonstram que a realidade é apenas um detalhe que não deve pertubar as nossas ideias), uma das dezenas de citações que fazem sobre o assunto:
"Em matéria de aquecimento global, confesso-me agnóstico. Sei que no passado o clima aqueceu e arrefeceu (aquecimento medieval; idade do gelo do século XVI). Nada impede a ocorrência de um novo ciclo quente. Uma hipótese complementar seria a de que o actual (e presumível) aquecimento se deveria à actividade económica humana. Mais uma vez, é possível, graças à industrialização. Mas tudo isto são hipóteses, não verdades. A histeria em torno do aquecimento global não é científica. Nem todas as hipóteses científicas se transformam em verdades e todas as verdades são potencialmente provisórias. Não é possível ser tão peremptório sobre o aquecimento como se vê por aí nos jornais e na televisão. Se exceptuarmos quem trabalha directamente no estudo do clima, ninguém possui os instrumentos indispensáveis para uma avaliação independente. Acreditar ou não no aquecimento global é uma questão de fé. O filtro da comunidade científica deveria servir para nos tornarmos mais cépticos e não mais excitados. São episódios como este que questionam a sua credibilidade e esse papel."
Como digo, não é esta ignorância que me preocupa e que é mais ou menos igual à minha.
O que me espanta é mesmo o elogio dessa ignorância que por aí anda. A quantidade de pessoas felizes por só lerem coisas de um dos lados da discussão, por evitarem procurar informação que lhes permita perceber melhor em que consiste a discussão, por perceberem de que incerteza se fala e que grau de confiança podemos ter nas teorias (sim, a evolução darwinista também é só uma teoria inverificável) por só citarem fontes secundárias e comentários em vez de ir às fontes primárias e por assim conseguirem manter, sem qualquer beliscão, a sua posição ideológica de partida faz-me confusão.
Felizmente penso que o resultado final disto tudo se assemelhará ao que está a acontecer comigo: ao ser "obrigado" a ler mais que o que leria em condições normais, acabo mais próximo de reconhecer que o que se sabe e as evidências que existem são bastante mais e mais sólidas do que eu suporia. Os cépticos ou agnósticos sérios provavelmente também se vão aperceber de como a discussão científica e o escrutínio dos resultados tem sido duro e intenso e que só resiste o que realmente tem uma base minimamente consistente como hipótese científica.
Mas nem por isso fico mais próximo dos alarmistas, como os que escreveram e publicaram o lamentável editorial do Público de ontem, que usam e abusam de leituras imprudentes do que se sabe sobre alterações climáticas, dando argumentos aos que, justamente, lhes fazem notar as imprudências para, injustamente, atacar a fiabilidade da base científica em que se suporta a discussão política.
Porque é da discussão política que se trata em Copenhaga, não é da discussão científica.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Nuno disse...

Um bom apelo ao bom-senso quando temos alarmismo de ficção científica de um lado e teorias de conspiração e obscurantismo do outro.

José M. Sousa disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos

Compreendo que alguma linguagem pouco precisa do editorial do jornal "Público" (editorial de iniciativa do jornal "Guardian" e publicado por 56 jornais de tudo o Mundo) lhe cause incómodo.É preciso ter em conta a diversidade da audiência; nestas circunstâncias é sempre díficil um equilibrio entre a necessidade do rigor e a necessidade de transmitir uma mensagem. Não digo que este editorial o faça da melhor maneira.

Mas quanto ao fundamental, não me parece que a mensagem seja alarmista.
O problema não reside apenas nas alterações climáticas já registadas ou naquelas que se projectam para o futuro. O problema reside sobretudo na interacção das consequências dessas alterações com a organização da Sociedade Global, por assim dizer..

José M. Sousa disse...

...(cont.) ainda assim, sugiro a leitura de "Seis Graus" do Jornalista Mark Lynas.
Aqui e aqui,prémio da Royal Society. Se combinarmos isto com os alertas de um relatório científico publicado recentemente:"The Copenhagen Diagnosis" onde se afirma na "Press Release": «The report also notes that global warming continues to track early IPCC projections based on greenhouse gas increases. Without significant mitigation, the report says global mean warming could reach as high as 7 degrees Celsius by 2100.», com o "Global Carbon Project", vemos que há motivos sérios para preocupação. Existe de facto urgência no problema, isto porque estamos a falar de sistemas com uma elevadíssima inércia (infra-estrutura energética), que levam anos a transformar-se. Acresce a tudo isto que a falta de colaboração efectiva entre as grandes potências, num contexto de crise energética emergente; ver também WEO 2009...(cont.)

José M. Sousa disse...

...(...) tem o potencial de agravar, ao invés de minorar o problema. Veja-se o maior recurso ao carvão e às areias betuminosas do Canadá. Ver aqui também.
Uns acreditam que as energias renováveis, a eficiência energética e a evolução tecnológica por si só resolverão o problema. A Sustainable DEvelopment Commission (RU) publicou um interessante relatório a este propósito intitulado "Prosperity without growth?"
Ler "The Myth of Decoupling", pág. 8 do referido relatório. Ver, por exemplo: How (not) to resolve the energy crisis
O que é preocupante é que as AC tenderão a agravar-se num mundo "a rebentar pelas costuras": com as actuais tendências demográficas, será um desafio tremendo garantir a paz e um mínimo de dignidade para todos. Veja-se o que aconteceu em 2008 com os motins em face do aumento dos preços dos alimentos. Afinal é o IPCC que afirma que:
«The recent Intergovernmental Panel on Climate Change
(IPCC) Fourth Assessment Report (Parry et al. 2007)
strongly supports the view that climate change is one
of the main threats to life on Earth»

José M. Sousa disse...

Apenas mais um exemplo do potencial desestabilizador das AC: o derretimento dos glaciares de montanha. Imagine-se as consequências dos dos Himalaias sobre agricultura de países como a Índia, China e Paquistão.

José M. Sousa disse...

Black soot and the survival of Tibetan glaciers

«Glacial melt provides up to
two-thirds of the summer flow in the Ganges and half or more
of the flow in other major rivers (3). One-quarter of the
population of China is in western regions where glacial melt
provides the main dry season water source (4).»
«Black soot in aerosol pollution can warm the troposphere,
perhaps contributing to surface melt (10–12). Absorption is
caused primarily by the black carbon (BC), whereas organic
carbon (OC) absorbs mainly in the UV and slightly in the visible
region (13–15). Black soot incorporated in snowflakes darkens
snow and ice surfaces, increasing surface melt»