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Ontem, na revista do Público, vinha um extenso artigo sobre o regresso dos grandes mamíferos. Algures pelo meio falava-se na hipótese do regresso do urso pardo.
Aí por 1983/ 84, não sei bem, no meu relatório de estágio de fim de curso tenho ideia de que já dizia qualquer coisa sobre a hipótese (que devo ter considerada teórica na altura) de reintrodução do urso, porque ao contrário do que eu penso que era uma ideia comum na altura (a extinção do urso em Portugal no séc. XVI) eu dizia, baseado na leitura da integral do que escreveu o Abade de Baçal, que provavelmente no Nordeste só se teria extinto no século XVIII (ou melhor, no século XVIII ainda por lá andava).
Sei que durante o estágio discuti esta questão mas não posso verificar exactamente o que disse nesse relatório de estágio porque está perdido.
Vale a pena olhar um bocadinho para este "está perdido" (não é que o relatório valha grande esforço, é verdade, mas a questão não é este relatório mas o conjunto de coisas produzidas no ICNB em circunstâncias semelhantes).
Na altura em que fiz o relatório (ainda sem computadores), entreguei pelo menos um exemplar no PN de Montezinho, penso que dois para a biblioteca da Universidade de Évora, penso que três ou quatro para os membros do Júri (não tenho a certeza, mas seriam Ribeiro Telles, Fernando Pessoa e Alexandre Cancella de Abreu), provavelmente um para o meu orientador (Robert de Moura) e fiquei com um.
Por qualquer razão emprestei o meu exemplar a alguém que não mo devolveu. Fui um dia à biblioteca de Évora, para arranjar uma cópia para mim, os exemplares tinham sido requisitados e não devolvidos, não se sabia por quem, procurei em Montezinho, havia uma técnica que o tinha levado porque tinha estado a trabalhar no Plano de Ordenamento e fui encontrá-lo um dia em Esposende, porque a técnica entretanto tinha assumido a direccção da área protegida e levado para lá "os seus papéis", ou coisa do género, mas quando o procurei outra vez, tinha desaparecido de novo.
Quando Paula Abreu, no ICNB, estava a fazer o notável e solitário trabalho que culminou na biblioteca digital, também não encontrou o dito relatório. (Verifiquei agora, ao procurar o link, que o logotipo da biblioteca digital desapareceu dos destaques no lado direito da Homepage do ICNB).
O que aqui descrevo aconteceu a dezenas de relatórios sobre isto e aquilo, cada um deles não valendo nada de especial, mas que representariam um acervo de informação insubstituível no seu conjunto. Felizmente Paula Abreu resgatou muitos destes relatórios às catacumbas onde estavam espalhados pelo país, digitilizou-os e foram disponibilizados no site do ICNB.
Infelizmente Paula Abreu pediu uma licença extraordinária, o chefe que tinha na altura e que combateu o perfeccionismo da Paula para só publicar tudo quando estivesse pronto e perfeito, em vez de ir publicando o que já existia da forma como existia, que venceu as resistências da informática à disponibilização de documentos frequentemente pesados, que se esteve nas tintas paras as discussões bizantinas sobre os direitos dos autores sobre a informação (embora a Paula tivesse desencadeado muitas iniciativas diplomáticas autónomas para evitar os conflitos emergentes desta postura e apenas uma pessoa tenha recusado a publicação do seu trabalho, isto foi feito contra a opinião da chefia que entendia que quem pagou os dados foram os contribuintes e portanto eram dados públicos e não era precisa autorização de ninguém para os disponibilizar on-line) também pediu uma licença extraordinária e, tanto quanto sei, este trabalho de resgate de informação parou completamente e duvido que seja retomado sem que entretanto se percam mais e mais documentos.
É trágico que os responsáveis do ICNB pela informação e divulgação, ou comunicação e outras coisas do género, se tenham, com poucas excepções, preocupado mais em fazer publicações com mais ou menos interesse e sem qualquer objectivo estratégico que em conservar e salvaguardar a memória colectiva contida em milhares de documentos, incluindo a herança fantástica do arquivo da circunscrição florestal do Gerês, com mais de cem anos.
"Let's sing another song, boys, this one has grown old and bitter"
Retomemos então a questão do urso.
Lembro-me da anterior presidência do ICNB querer fazer da reintrodução do urso um projecto estratégico, tendo toda a estrutura técnica do ICNB (eu incluído) a dizer, por outras palavras, que o Presidente precisava de descanso para retomar a integralidade das suas faculdades.
Na realidade uma coisa é discutir a chegada do urso, eventualmente a adopção a prazo de medidas que explicitamente têm esse objectivo, outra coisa é assumir-se a bandeira política de reintroduzir o urso em Portugal, que continuo a achar que seria um suicídio político.
Mas o mais relevante nisto tudo é que verdadeiramente o quadro geral de alteração da situação, com fortes ganhos para os grandes mamíferos selvagens, deve menos a políticas de conservação da natureza que à alteração do contexto económico e social.
Quase se poderia dizer que, com excepção de medidas de emergência em situações críticas, é bem possível que a situação actual não estivesse longe do que é hoje, mesmo que não existissem políticas de conservação.
Eu sei que não é bem assim, eu sei que existem efeitos complexos, quer de percepção pública, quer de gestão de questões críticas, mas tenho cada vez mais dúvidas que se justifique todo o aparato regulamentar e administrativo necessário, por exemplo, para remover ninhos de cegonha ou ninhos de andorinha.
Por isso as críticas de Bjorn Lomborg à eficiência no uso dos recursos de muitas opções ambientais não devem ser descartadas a correr só porque Bjorn Lomborg comete erros, voluntários ou involuntários, importantes. Aliás, se isto fosse critério, o que não faltam são erros de todos os lados.
Tenho poucas dúvidas que a análise da eficiência das medidas a adoptar será um campo de debate crescente na área da conservação.
Por exemplo, tenho a ideia que para o urso o melhor é deixar correr o marfim. E para o lobo a opção com melhor "value for money" é recriar a conectividade entre o Norte e o Sul do Douro.
Bem entendido, são só exemplos intuitivos para explicar o tipo de discussão que provavelmente vamos ser obrigados a fazer à medida que os recursos disponiveis para a conservação, quer públicos, quer privados, se tornem, como é provável, mais escassos.
henrique pereira dos santos
5 comentários:
1. O Prof.Luigi Boitani da Universidade de Roma pensa da mesma forma. Acha que a recuperação dos grandes mamíferos na europa (carnívoros e ungulados) se deve mais ao abandono agrícola e à (ligeira) diminuição da perseguição directa, do que a políticas concretas (pensando a nível europeu).
2. Pelo menos em Portugal não sei como se há-de promover a conectividade entre Norte e Sul do Douro para o lobo. O rio é muito largo e não me parece que alguém queira fazer uma ponte para o lobo utilizar. Do lado espanhol já é mais fácil. Promover a ligação das sub-populações portuguesas e espanholas de lobo a sul do Douro já tem sido sugerida por vários trabalhos portugueses e espanhóis.
3- Quanto ao urso, dependendo do sucesso do programa de recuperação espanhol, diria que o "problema" poderá vir bater-nos à porta num futuro não muito longínquo, como refere.
Independentemente de não me parecer totalmente absurdo (incluindo numa análise de custo benefício) um ecoduto por cima do Douro, a questão da conectividade não se joga no plano de água mas sim na intensa humanização das duas margens.
O que significa que recriar a conectividade é sobretudo um problema de vontade de comprar e gerir terrenos com esse objectivo.
henrique pereira dos santos
Relativamente a Biblioteca digital do ICNB, é uma pena até porque era um trabalho essencial para todos (alguns amigos meus estrangeiros tinham comentado o bom trabalho de publicação desse tipo de informação), seria interessante saber de todas as visitas à página do ICNB, saber qual a percentagem que foi à biblioteca digital:
Relativamente ao lobo lembro-me ter lido algures em algum sítio que se tinham verificado má-formações (físicas) que aparentemente teriam origem genética provocada pela consanguinidade. Caso estas evidências sejam uma realidade (será que alguém confirma isso?) enquanto se pensa e discute como, onde e quando se vai trabalha na conectividade entre o Norte e Sul do Douro, não seria sensato combater a curto prazo essa consanguinidade com a introdução de novos genes.
Seria boa ideia, mas complicada de implementar. Desde à anos que as populações rurais acusam os "ambientalistas" de andarem a "largar lobos no monte". Mas enfim, nada se consegue fazer neste país sem que haja drama e histeria, por isso...
Já que o HPS fala no assunto, acho que se deve um rápido esclarecimento. Fui contactado durante as comemorações dos 30 anos do ICN por uma técnica da Consejeria del Medio Ambiente de la Junta de Castilla y León (em Zamora), que participou numa das conferências que se realizaram, para saber do interesse de Portugal (através do Parque de Montesinho)em se envolver com eles num projecto sobre a recuperação do urso-pardo (penso que eventualmente a candidatar ao life) e como tal achei que devia colocar esta proposta à tecno-estrutura do instituto. Particularmente, mostrei a alguns dos meus colaboradores que achava a proposta interessante, e ainda hoje acho. Quanto ao "...assumir-se a bandeira política de reintroduzir o urso em Portugal..." é outra música... (talvez até dê um post na ambio).
João Menezes
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