Este post é bastante interessante porque corresponde a uma opinião bastante comum nos meios da conservação sobre a gestão do PNSAC (a fotografia é retirada também do mesmo blog).
Vale por isso a pena analisá-lo no que ele tem de essencialmente correcto e no que ele tem de essencialmente errado.
Vale por isso a pena analisá-lo no que ele tem de essencialmente correcto e no que ele tem de essencialmente errado.
No que diz respeito à forma como são tratados os visitantes, à sinalização, à falta de indicação (ou pior, à indicação errada) de horários o post está essencialmente correcto. É um diagnóstico de problemas antigo e consensual. O difícil está no que fazer a partir deste diagnóstico. Não é no entanto essa a matéria que vou tratar neste post, apenas referindo de passagem que existia uma estratégia claramente definida sobre este assunto, cujo estudo base está no site do ICNB, mas que, como de costume, é letra morta.
Já quanto à questão da integração da extracção de pedra na gestão da área protegida vale a pena perder algum tempo.
O post tem um retrato desencantado e comum: "o actual cenário é já dificilmente aceitável numa área com um estatuto de protecção mínimo. Se as coisas vão ainda mudar para pior (como permite o Ministério do Ambiente) ou para muito pior (como exigem os autarcas), então é melhor acabar com a farsa de que isto é um parque natural. Se só as pedreiras são importantes, se o esforço de preservação da natureza não traz qualquer proveito à região nem aos seus habitantes, então extinga-se o Parque Nacional das Serras de Aire e Candeeiros, e deixem de se atrair visitantes com o engodo de que esta é uma área protegida".
No entanto este retrato tem bastantes imprecisões e equívocos.
O primeiro (sem qualquer ordem de prioridade ou importância) equívoco é o de que as áreas protegidas existem para os visitantes e que se os visitantes não saem de lá satisfeitos, então mais vale extinguir a área protegida. Isto não é verdade. As áreas protegidas existem enquanto instrumento administrativo de conservação de valores. Este é o ponto a partir do qual faz sentido discutir a classificação ou não de uma área protegida. Dito isto, é verdade que a visitação é uma questão estruturante porque a política de conservação da natureza depende do apoio do público e isso pressupõe uma gestão cuidada da comunicação, o que implica o desenho de modelos de visitação que tenham como objectivo aumentar o apoio do público às políticas de conservação.
O segundo equívoco, bem mais sério, é o de confundir as áreas de extracção com a totalidade da área protegida. As áreas de extracção, que são importantes sob bastantes pontos de vista, representam uma percentagem pequena da área total do Parque, e é tendo em conta esse peso relativo que deve ser analisada a sua influência na gestão da área protegida.
O terceiro equívoco é o de que as áreas de extracção de pedra são desertos patrimoniais. Isso não é de todo verdade. Não só existe património geológico e espeleológico que é tido em conta na gestão das áreas, embora as pessoas possam não se aperceber facilmente desse aspecto, como há património mesmo nas áreas de extracção. Por exemplo, as escombreiras das pedreiras são provavelmente os sítios onde é mais fácil encontrar Inula montana (não sei se ainda tem este nome). Do mesmo modo, algumas áreas hoje recuperadas (e que não são percebidas pelas pessoas como áreas de antiga extracção) são excelentes laboratórios de evolução e mesmo de construção de novos habitats. Por exemplo, é fácil fazer pontos de água numa área com fortes limitações de água à superfície, e na verdade o enchimento de áreas com escombros consegue criar bolsas de solos mais fundos numa zona onde o substrato de rocha firme está geralmente a escassos centímetros das superfície.
Quarto equívoco é esquecer que existem interacções importantes entre pessoas e património natural que não são tidas em atenção no parágrafo que citei. Por exemplo, a gralha de bico vermelho é dependente de áreas de vegetação muito rasteira e, preferencialmente, com utilização pelo gado, o que implica perturbação permanente, com gado e com fogo. Ora se não houver pessoas para fazer isso é muito complicado parar a sucessão ecológica. Dir-se-á que isso em si não é um problema. Eu direi que sendo em parte verdade, também não deixa de ser verdade que as pessoas não estão disponíveis para a perda de património que isso implica. As pedreiras, ao criarem riqueza e emprego são geradoras de recursos importantes para a conservação (incluindo o trabalho agrícola em tempo parcial).
Quinto equívoco é considerar-se que do ponto de vista da gestão do território se estaria melhor desclassificando a área, o que está longe de ser verdade. Foi nestas áreas que foram impostas pela primeira vez cauções sistemáticas para a recuperação de pedreiras, o licenciamento destas pedreiras e a fiscalização associada, muito maior que no resto do país, influenciou decisivamente a gestão e o enquadramento legal do sector, muitas áreas foram retiradas da exploração, foi muitas vezes imposto um modelo de gestão que implica a recuperação simultânea de áreas já esgotadas das pedreiras e também aqui se desenvolveram muitas técnicas e modelos de gestão que culminaram em recuperações de extensas áreas de pedreiras pelos seus exploradores. Retirar as áreas de pedreira da área protegida não tinha tido qualquer benefício, e mantê-las dentro da área protegida permitiu uma gestão muito mais cuidada (o que não é o mesmo de dizer que é isenta de erros, muitos foram cometidos, e por alguns deles sou o responsável directo, dizendo com clareza que provavelmente há património natural que hoje não existe por minha responsabilidade).
Muitas vezes vi negadas propostas minhas para desenvolver programas de visitação orientados para as áreas de exploração de pedra exactamente porque se entendia (provavelmente com alguma razão) que canalizar visitação para essas áreas criava mais problemas à gestão da área protegida que os que ajudava a resolver.
Mas continuo convencido de que é preciso levar as pessoas a essas áreas, discutir o que lá se faz, discutir as razões de cada um e permitir aumentar o grau de compreensão do público face à gestão de situações limite como esta, onde o conflito de interesses públicos divergentes é muito agudo.
henrique pereira dos santos
3 comentários:
Não procuro ter razão a todo o custo, e tenho fraca vocação para polémicas. De facto, chamei a atenção do Henrique para o meu texto justamente por recear que ele contivesse «exageros e imprecisões», e seria bom ter do outro lado da balança uma opinião mais informada do que a minha. Agradeço-lhe que tenha tido disponibilidade para produzir um comentário tão detalhado.
Ainda assim, sinto-me obrigado a jogar um bocadinho à defesa. Não fiz certas ressalvas porque não esperava um escrutínio tão severo, de modo que pode parecer que defendo posições que de facto não são as minhas.
Não acho que um parque natural, ou qualquer lugar onde a natureza seja nominalmente protegida, exista ou deva existir prioritariamente para gratificar as expectativas e os desejos dos visitantes. Afirmei que me parecia mais honesta a desclassificação por ter achado que as pedreiras destroem aquilo que o parque natural existe para proteger. Falei do «engodo» aos visitantes, não por eles serem obrigados a ver aquilo de que não gostam, mas porque o estatuto de parque natural seria quase fictício: um título que não corresponderia a uma prática mas que significaria, pelo seu carácter prestigioso, um poder de atracção que de outro modo a região não teria.
Contudo, eu próprio tive consciência de exagerar ao alvitrar a extinção do PNSAC. Mais apropriado teria sido sugerir apenas que a zona em causa (limite sul do planalto de Santo António, já dentro do concelho de Santarém) tem uma tal concentração de grandes pedreiras que não parece crível ou mesmo honesto mantê-la dentro do PNSAC.
O Henrique diz que as pedreiras não trazem só prejuízos, e que alguns dos habitats do PNSAC só existem graças a elas. Acredito que sim, e aliás já visitei lugares do PNSAC que são pedreiras desactivadas. E sei muito bem como as pessoas da região dependem das pedreiras para a sua sobrevivência económica.
Mas, no lugar preciso do PNSAC que mencionei (não sei se há outros onde as pedreiras tenham impactos tão fortes), parece-me que o impacto das pedreiras é excessivo. Os prejuízos parecem grandes de mais para acreditar que o quer que venha a substituir o que actualmente existe (num futuro longínquo, quando as pedreiras forem finalmente desactivadas) seja compensação à altura. Falei de um azinhal, de que até mostro uma foto. Se o azinhal desaparecer - e, francamente, julgo que a possibilidade não é de descartar, havendo uma pedreira que já começou a roer a encosta - estaremos perante um prejuízo irreversível.
Que há um conflito entre pedreiras e conservação, é óbvio. Fico contente em saber que esse conflito pode ser gerido ou mitigado. No entanto, também parece claro que esse equilíbrio frágil atingiu um ponto de ruptura no local a que o meu texto se refere. Ruptura essa de que as declarações populistas dos autarcas são o sintoma mais óbvio.
Excelente post do HPS e muito interessante resposta do Paulo. É de salutar a troca racional de ideias por volta da gestão das áreas protegidas. Penso que as pedreiras neste caso são um exemplo de muitas outras formas de utilização de áreas classificadas que estão em aparente conflito com os valores que levaram à classificação das áreas. Desde agricultura e silvicultura intensiva, turismo, caça e pesca, há de facto um pouco de tudo a decorrer nas áreas classificadas, em aparente contradição com o seu estatuto. Com base em experiências próprias, concordo em pleno com o HPS quando afirma que essas atividades, sendo inevitáveis, são tendencialmente melhor geridas/desenvolvidades quando no interior de uma AC que no seu exterior. Isto não quer dizer que deixaram de ter um impacte nos valores que levaram à classificação, mas os mesmos valores serão mais ameaçadas se se tirava por ventura a classificação a essas áreas.
Henk Feith
Caro Paulo,
Peço desculpa se lhe pareceu o meu escrutínio severo, eu acho o texto interessante e um bom ponto de partida para a discussão da gestão de uma área onde a conflitualidade de interesses públicos é muito aguda.
Acho normal que alguém que chegue ao vale da Relvinha, por exemplo, se questione por que razão está numa área protegida.
O que procurei foi exactamente explicitar um ponto de vista mais gestionário e menos emocional sobre abordagens alternativas que se podem ter perante a realidade complicada que temos na zona.
Quando referi o emprego, por exemplo, não estou apenas a referir-me ao facto das pessoas terem emprego por trabalharem em pedreiras, estou a referir-me ao facto desse emprego as fixar na zona e isso constituir um potencial de gestão para a conservação de alguns valores que beneficiam da existência de perturbações frequentes, entre outras coisas porque muitas dessas pessoas têm uma actividade agrícola complementar ou suportam um agregado familiar em que outro membro mantém uma actividade de gestão de habitats (como a pastorícia).
E procurei também dizer que há um problema de gestão da comunicação ao não investir na discussão destes dilemas de gestão com que somos confrontados em situações destas.
Volto a dizer, não queria ser severo, bem pelo contrário.
henrique pereira dos santos
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