quarta-feira, janeiro 20, 2010

Rolhas

Chegou ao meu email esta carta de um produtor florestal ainda sobre a história das rolhas e tampas de rosca no vinho.
Achei que valia a pena retomar o assunto enquanto espero uma resposta de Miguel Champalimaud à carta que lhe escrevi.
henrique pereira dos santos

"Pela Felipa Arantes Pedroso que é uma amiga comum recebi um texto redigido pelo Miguel Champalimaud sobre Screw Top / Rolhas de Cortiça / Quinta do Cottô, que defende algumas posições técnicas assumidas pela casa vinícola Montez Champalimaud a nível da adopção de vedantes para os seus vinhos. Pareceu-me contudo a mim, essencialmente pelo tipo de argumentação empregue, que o texto acima de tudo demonstra muito mais uma curiosa forma de pensar e estar na vida da pessoa física em questão.
Pede o Miguel Champalimaud debate, respostas e comentários para animar o País mas, será que o que o subscritor do documento pretende não é tão-somente polémica e propaganda grátis que o ajudem a escoar o seu produto que, pelo que se diz, tem vindo a ter uma significativa queda nas suas vendas tanto no mercado Nacional como no Internacional?
Como entretanto ninguém lhe respondeu apesar dos seus apelos, o que eventualmente seria o mais sensato a fazer-se, achei por bem ser eu a dizer algumas coisas para que as pessoas, de uma maneira geral, não ficassem com uma única visão da questão, que ainda por cima na versão Miguel Champalimaud, no meu ponto de vista, se apresenta incompleta, distorcida, tendenciosa e desactualizada.
Mesmo para quem possa defender que “à excepção da honra, tudo se vende” não será possível negar que, sem verdade, a honra sai sempre menorizada; e a discussão sobre a cortiça precisa de mais verdade.
Assim, vamos lá:
Em primeiro lugar gostaria de dizer, para aqueles que não me conhecem, que sou Português, tenho mais de 50 anos, sou Produtor Florestal (cortiça inclusive), pertenço a uma família que há 6 gerações está neste negócio e que me considero razoavelmente informado sobre a questão que o MC levanta. Nunca organizei, apoiei ou participei em qualquer boicote organizado á compra de vinhos com tampas de rosca de alumínio mas entendo perfeitamente todos aqueles que o façam. Faço-o particularmente e pelo que sei, muitos outros (e cada vez mais), sem estarem engajados em nenhum movimento organizado, também o fazem.
A razão porque o faço? Simples. Por que carga de água iria privilegiar um produto sem fronteira, poluidor, que não traz nenhuma riqueza a Portugal e aos Portugueses e que ainda por cima corta os dedos ao ser utilizado quando, em Portugal, existe um produto que faz melhor a sua função, é natural, reciclável, amigo do ambiente e que gera uma riqueza enorme para o meu País. Só se fosse doido.
Em segundo lugar é importante que seja também dito que na sua missiva e em alguns pontos (poucos) o MC tem razão. Dentro destes destaco a sua menção á passividade e mesmo irresponsabilidade dos produtores de cortiça que pelo seu individualismo nunca quiseram assumir a sua cota parte na defesa do sector em que estão inseridos. Mas mesmo com essa atitude Portugal graças ao Grupo Amorim (e é bom que se diga isso) é líder mundial neste sector e se eventualmente as repartições dos proveitos e das responsabilidades desta situação podem ser questionáveis não é menos verdade que por exactamente existir essa situação os próximos anos estão garantidos para toda a fileira da cortiça. É essa a situação também nos vinhos da casa vinícola Montez Champalimaud? Espero que sim sinceramente pois não desejo gratuitamente mal a ninguém e muito menos a um Produtor de vinhos Português.
O MC para justificar as suas decisões aponta as suas baterias ao “bando” com especial ênfase no problema do TCA/sabor a rolha.
Começava então exactamente por ai.
A- Facto número 1: Tem a ver com o crítico de vinhos número 1: Robert Parker.
MC, que diz ser “a favor da modernidade”, poderia ter lido as últimas declarações de R Parker no seu blog, uma forma moderna de obter informação actualizada. Assim, em vez de cometer o erro de repetir afirmações feitas em 2004, poderia ter acesso às declarações do mês passado em que Robert Parker diz que “the tiny percentage of corked bottles (TCA) confirms what I have been seeing for the last 3-4 years...that industry has awakened following the decline in cork quality…less then 1% of corked bottles”. As palavras de Robert Parker, na primeira pessoa, estão disponíveis para o mundo moderno em:
http://dat.erobertparker.com/bboard/showthread.php?t=209945.
Caso as opiniões de Robert Parker deixem, a partir de agora, de ser uma referência útil para o Miguel Champalimaud, afirmações semelhantes também têm sido proferidas por pessoas tão relevantes para o vinho como Stephen Spurrier, Dr Christian Butzke, Dr Jamie Goode, David Denton e, pasme-se, o próprio Australian Wine Research Institute. Tenho a certeza que o MC por mais que procure não os encontrará numa lista de “gente da indústria corticeira” ou numa lista de”gente da Pátria”; mas, para o MC, parece que a verdade não se deve intrometer no meio de um mau argumento. É pena.
B- Facto número 2 tem a ver com a opinião de MC que elementos do processo produtivo de vedantes para vinho serão quimicamente instáveis ou inapropriados para o seu contacto com produtos alimentares. Podemos preferir ignorar o parecer favorável da Food and Drug Administration dos Estados Unidos sobre estes produtos usados pela cortiça. Mas isso não implicaria apenas escamotear o parecer de uma autoridade como a FDA; seria invalidar toda a indústria farmacêutica que o próprio MC, na sua carta, parece reter como paradigma. Mas talvez não se trate aqui de um caso de incoerência. De facto, tendo em conta as inúmeras questões médicas recentemente levantadas sobre componentes plásticos, também usados nos vedantes de rosca dos vinhos Quinta do Cottô, talvez valha a pena consultar o que tem sido escrito por meios de informação como Beverage Daily que em:
http://www.beveragedaily.com/Publications/Food-Beverage-Nutrition/FoodProductionDaily.com/Quality-Safety/BPA-causes-reproductive-health-defects-at-levels-currently-considered-safe-study/?c=YtUctU%2B%2Fv6ErwLhvSIOGzQ%3D%3D&utm_source=newsletter_daily&utm_medium=email&utm_campaign=Newsletter%2BDaily
dá conta do trabalho da North Carolina State University sobre o possível impacto na saúde pública de ingredientes utilizados em material para contacto com produtos alimentares. Além disso e bem ao estilo da argumentação que o MC utiliza podemos sempre dizer que não precisamos ir tão longe e basta atentar para as manchetes dos jornais e das Tv´s Portuguesas de ontem que noticiaram com grande alarde a interrupção do fornecimento de água a Évora por a mesma conter resíduos exagerados de Alumínio (não é o mesmo material das tampas de rosca do MC?) e que é muitíssimo perigoso para a saúde pública.
C- O terceiro facto prende-se com a “ideia” do MC que screwcaps significam modernidade, que a sociedade e as caves empobrecem por causa da cortiça e que as rolhas de cortiça são mais caras que os screwcaps (“esquecendo-se” é claro que ambas os famílias de produtos tem especificações diferentes e dentro desses parâmetros, preços diferentes).
Não haverá, aqui, necessidade de recorrer aos peritos estrangeiros que o MC parece favorecer quando discute a cortiça. Assim, deixemos de lado as opiniões do Forest Stewardship Council, do WWF, da RainForest Alliance e de milhares de cientistas internacionais sobre o significado de um futuro sem sustentabilidade ambiental e social. Imagino ser difícil para o MC que viu todo o sucesso alcançado pelo seu Tio António nos anos 50, 60 e 70 do século passado com enormes e poluentes fábricas siderúrgicas (e não só), começar agora a considerar que não pode haver futuro sem sustentabilidade e equilíbrio ambiental. É bom que o MC reconheça que todo o sucesso alcançado pelo seu Tio não foi pelo tipo de fábricas e produtos que teve e sim por ter sido um homem extremamente inteligente, um visionário e um enorme empreendedor e é bom não confundir o tipo de polémica que ele criou com este tipo de polémica.
Talvez não seja necessário relembrar que a fabricação de alumínio, como aquele usado nos vedantes artificiais dos vinhos do MC, constitui o processo industrial que mais energia consome em todo o mundo e que, por exemplo, o Governo da Noruega boicota as acções da maior empresa produtora de screwcaps por esta violar os princípios éticos de investimento do maior fundo soberano da Europa. Mas podemos preferir ler o artigo da Bloomberg News sobre o impacto de outra empresa de alumínio na floresta tropical da Amazónia e perguntar que tipo de modernidade seria criada se todos seguíssemos as “ideias” de MC. Exercício assustador mas fácil se consultarmos:
http://www.bloomberg.com/news/marketsmag/mm_0909_story3.html
D- Quanto à “ideia” de M Champalimaud que a cortiça pode contribuir para o empobrecimento da sociedade e da indústria do vinho, por tão manifestamente inane, valerá a pena analisar alguns factos que, por tão óbvios, imploram a questão: Têm noção o MC do peso do sector da cortiça no PIB Nacional? Tem noção o MC do valor das exportações anuais Portuguesas do sector da cortiça? Tem noção o MC do valor que o Estado Português arrecada em Impostos com as actividades ligadas á cortiça? Tem noção o MC da quantidade de empregos directos e indirectos que estão ligados a este sector? Sabe o MC que um dos trabalhos agrícolas mais bem pagos do mundo, pela sua especialização, existe em Portugal, exactamente na extracção da cortiça do Sobreiro? Sabe o MC que, à medição de riqueza monetária convêm também somar a riqueza derivada de uma biodiversidade única no mundo? Sabe o MC que sem sobreiros o problema da desertificação não deixaria o país mais rico? Sabe porventura o MC que os preços médios de vinho são mais altos nas garrafas vedadas com cortiça natural? E sabe também o MC que os preços absolutos mais altos do mundo são alcançados por garrafas que têm rolha de cortiça?
Mas afinal o que é que sabe o MC? Será que a sugestão dele é que toda esta riqueza criada em Portugal seja abandonada e entregue nas mãos de uma multinacional do Alumínio que hoje está aqui e amanha noutro qualquer lugar do mundo em troca de subsídios e de mão-de-obra barata?
E- Exemplo óbvio é a série de 21 questões colocadas na carta de M Champalimaud e, das quais, gostaria de destacar algumas.
- “a água mineral (…) há muito deixou de usar cortiça”. Por acaso, a água mineral mais cara do mundo até usa cortiça. Inovadora, moderna, bom gosto? Não sei, mas decidam vendo o produto e o preço (ah, essa questão 2.15…) em http://www.blingh2o.com/
- “ a cerveja há muito que deixou de usar cortiça (…).” Não só se vendem milhões de rolhas todos os anos para cerveja, como este mês uma marca portuguesa de cerveja lançou um produto com rolha de cortiça. E, a propósito, a cerveja mais cara do mundo também usa rolha de cortiça. Denominada Vintage Nº2, custa 250 euros a garrafa e é produzida pela Carlsberg. Empobrecedora, a cortiça? Só se comprar toda a produção desta cerveja ao preço de retalho….
- “(…) 75% das mulheres (…) têm dificuldade em abrir uma garrafa de vinho usando um saca-rolhas”. Com este tipo de afirmações sexistas e misóginas, não admira que MC se refira à “gente da retaliação e do boicote”. E a grande maioria dessa “gente” devem ser as mulheres da “Pátria” que acham que este tipo de atitudes não é “a favor da modernidade”.
Pergunto eu: E que tal incluir o numero crescente de queixas apresentadas por cortes nas mãos provenientes exactamente das folhas de alumínio afiadas de que é feito a tampa de rosca?
- “Porque é que na indústria da construção não se usa (sic) em Portugal e no mundo, a cortiça como isolante?” Eu uso e sei de outros que usam (ex: cadeia mundial de lojas Ghant) e se os meios de informação nacionais dão eco do reconhecimento do Museu Guggenheim em relação à utilização da cortiça como material de construção, assume-se que o MC é daqueles que herdou uma televisão e esta permanece (ah, essa questão 2.19…) dentro de um móvel que está sempre fechado?
Se Portugal, todos os anos, fabrica e exporta milhões e milhões de euros de material para construção em cortiça e um líder do tecido empresarial nacional nunca ouviu falar desse facto, sugiro vivamente que marque uma reunião com o Instituto Nacional de Estatística?
- “Quando vai comprar uma garrafa de vinho fá-lo na expectativa de comer a rolha?” Aplicando o mesmo raciocínio ao facto de o vinho também vir dentro de uma garrafa de vidro, poderemos deduzir que o próximo Grande Escolha irá adoptar uma lata de alumínio tipo Coca-Cola, com “easy-open” e tudo. Boa, vai com certeza ser um sucesso de vendas.
Pergunta-se ainda ao MC se quando se compra o vinho tem-se a expectativa que ele esteja deficientemente selado? Ou esteja oxidado? Ou mesmo se têm a expectativa de cortar os dedos no processo da abertura da garrafa? E o produtor de vinho terá a expectativa de que as suas garrafas vão verter, que o vinho vai ficar oxidado e que vai cortar os dedos dos seus clientes?
É que já muitas vezes aconteceu e foi amplamente divulgado (como ao “PORCO” do Francis Ford Coppola; http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=email_en&sid=aMtOOCYDuqeU) mas acredito que este tipo de argumentos não interessa ao MC trazer para aqui.
- “um produtor paga mais dinheiro por uma rolha de qualidade do que recebe pela venda (…). Alguns dos produtores de vinho com mais êxito no mundo usam rolhas de nova geração com custos semelhantes ao de um screwcap. Nobilo, marca da maior empresa de vinhos do mundo, é o vinho branco neozelandês mais vendido nos EUA; há alguns meses mudou de screwcap para cortiça, como reportado pela britânica Decanter. Como não se chega a número 1 de nada tomando decisões operacionalmente ineficazes e financeiramente ineficientes, a Constellation não o teria feito se isso significasse perda de competitividade ou não fosse um factor de diferenciação positivo.
Preocupa-me de sobremaneira este ponto da dissertação do MC pois os seus argumentos parecem indicar que acredita piamente que mais de 90% dos produtores de vinho engarrafados (e entre eles, sem duvida, os produtores dos considerados melhores vinhos do mundo) não fazem a menor ideia de como é que se deve vedar as suas garrafas de vinho. Sugere o MC que ninguém sabe o que é que está a fazer e que só ele é que sabe? Preocupante.
Finalmente, sendo eu também daqueles que acreditam que “recusar o progresso científico de nada serve” gostaria de terminar chamando a atenção de M Champalimaud para o que a ciência, hoje em dia, tem a dizer sobre vinhos e vedantes. Tal seria claro se tivesse lido os estudos publicados em 2006, 2007 e 2008 em revistas científicas como o Journal of Agriculture and Food Chemistry dos EUA, que prova que a rolha não é “apenas uma matéria subsidiária” do vinho. A rolha é parte integrante de um processo de ingresso de oxigénio considerado fundamental. Artigos do Dr. Jamie Goode publicados em revistas norte-americanas e britânicas (por exemplo, Harpers; Dezembro 2006, Reino Unido) traduzem a ciência para os amantes do vinho. Mas se 2006 ainda é demasiado perto no tempo, uma leitura sobre as opiniões de Pasteur em 1863 sobre o impacto positivo do oxigénio no vinho terão já, porventura, uma difusão significativa entre o grande público.
Termino lembrando que, para produtores florestais e industriais, pouco relevância tem que algumas caves decidam promover o seu vinho com artifícios publicitários focados não no produto, mas sim na “novidade” do tipo de obturador adoptado. Pensei que o MC tinha dito e acreditava que o vedante era “apenas uma matéria subsidiária”.
Parece-me que o MC apesar de ser um amante da modernidade até aqui está desactualizado pois inúmeras caves australianas já o fazem há anos e, pelas notícias dos últimos dois anos, já ninguém aponta esse mercado vinícola como modelo de negócio a seguir ou exemplo de futuro. As implicações e consequências técnicas dessa decisão são, realmente, discutidas não na praça pública mas em fóruns técnicos especializados. Quanto às implicações junto do consumidor, essa soberana “gente do produto 100% natural”, continua a preferir a cortiça em todos e cada um dos mercados onde se vende vinho. E está disposta a, cada vez mais, valorizar o natural, o orgânico e o genuíno. Nos EUA, mercado fundamental para a nossa economia, o consumo deste tipo de produtos duplicou de 2003 a 2008 e já representa mais de 16 mil milhões de dólares.
Pareceria, pois, não apenas prudente mas também “moderno” tomar decisões baseado no que se sabe hoje e não no que parecia certo há anos atrás.
Respeito intrinsecamente todas as decisões do Miguel Champalimaud nas suas opções empresariais e desejo-lhe até sucesso, sinceramente é-me indiferente. O que não posso de maneira nenhuma aceitar é que alguém, seja quem for, só porque de alguma maneira se sente na necessidade de justificar ou promover o que quer que seja venha dar conhecimento público de notícias falsas, tendenciosas e desactualizadas, tentando condicionar comportamentos, sobre um produto e um assunto que merece respeito de todos nós porque a todos nós pertence e toca.
Com a esperança de humildemente ter contribuído para o esclarecimento do assunto.
António Posser de Andrade
Produtor Florestal"

11 comentários:

IsabelPS disse...

Boa!

Além da história (parva) das mulheres - devo dizer que me faz alguma confusão que um produtor de vinho supostamente de qualidade não faça a mais pequena ideia que vedantes usam muitas cervejas de qualidade (uma grande parte das cervejas artesanais belgas, por exemplo). Etc.

Nuno disse...

Tendo sem dúvida ficado mais esclarecido quanto a vedantes de vinho fica-me apenas esta questão a colocar:

O sentido de um eventual boicote vai de encontro á questão das rolhas de cortiça serem um bom vedante para o vinho (ou seja, uma questão cultural e gastronómica) ou por ser agora um produto fundamental para a manutenção do montado nacional?

É que se o argumento do boicote for o ambiental existem aplicações comerciais potenciais de grande dimensão para a cortiça que tornam irrelevante a sua aplicação como vedante e que são aplicáveis a curto-médio prazo.

É que pensar na cortiça como um excelente e versátil vedante, que é, e pensar em aplicá-la apenas em garrafas de vinho é no mínimo testemunho da pouca aposta em tecnologia e investigação por parte das corticeiras.


Nuno Oliveira

Henrique Pereira dos Santos disse...

Nuno,
Tanto quanto sei o produto de maior valor acrescentado feito a partir da cortiça são as rolhas de champanhe (e já agora, faça as contas aos milhões de garrafas de vinho que existem no mundo para perceber como o volume deste mercado tem fortes probabilidades de ser muito mais relevante que o das outras aplicações alternativas durante muitos anos).
É no mercado das rolhas que se joga a sustentabilidade económica do montado.
Pelo menos neste momento, no futuro logo se verá.
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Compreendo, e tal como disse anteriormente, as rolhas de cortiça são "agora um produto fundamental para a manutenção do montado nacional".

Mas com ou sem um boicote com sucesso a outros vedantes é uma realidade que muitos produtores já se mudaram ou se irão mudar para o plástico.

Portanto como o objectivo do boicote é a preservação do montado através da sua exploração comercial viável seria lógico, pelo menos, activamente apostar na aplicação do volume de cortiça "perdido" para o plástico noutros produtos em vez de continuar a estratégia dos "ovos todos no mesmo cesto".

Como é certo que o mercado dos vedantes de bebidas está já ameaçado estou convencido que não existe grande margem para os corticeiros para continuar a adiar a reconversão da indústria, que no caso da produção de vedantes para construção (sobretudo acústicos) seria absolutamente simples. Esta transição/ expansão rápida tem motivos simples:

- a cortiça tem um bom comportamento enquanto material isolante e com uma menor energia incorporada do que outros materiais, num momento em que legislação e preocupações ambientais no domínio da construção se generalizam por todo o mundo

- é um material que é cada vez mais utilizado como revestimento de edifícios, como compósito de outros materiais de construção, como vedante de maquinaria, com um grande potencial a explorar, este crescimento seria estimulado com uma promoção mais agressiva do material noutros países.

-A exploração sustentável da floresta exclusivamente para a indústria da construção representa 3% do PIB françês, tal como a cortiça representa 3% do PIB português actualmente, noutros países este peso é muito maior, tornando evidente que existe um enorme mercado potencial. Fora a fibra de coco e a lã existem muito poucas alternativas comparáveis á cortiça em termos ambientais.

Acredito que com um esforço de promoção e inovação correspondentes ao peso que este material tem na nossa economia é completamente possível a transição para outros mercados alvo mais importantes ainda (não significa um abandono das rolhas) numa questão de muito poucos anos.

Não discordando necessariamente dos motivos de base para este boicote penso que deveria ser apenas complementar á aposta noutras aplicações.

Nuno Oliveira

Anónimo disse...

Eu não bebo vinho, e sobre o assunto pouco mais sei de que os existem tintos, brancos e parece que também já ouvi falar em verdes e generosos... Tenho no entanto imensa pena de não ser apreciador, porque acho efectivamente fascinante o cruzamento único de cultura, geografia e natureza que este produto encerra. Acho ignóbil portanto a uniformização de gosto imposta por uma meia dúzia de críticos (como o Parker) que parece favorecer apenas os grandes produtores.
Mas para mim este debate nada tem a ver com a cortiça e os montados. Não acho justo que seja imputada aos produtores de vinho a responsabilidade de zelar pela viabilidade financeira da fileira da cortiça. O problema é sempre o mesmo: ou se acredita no mercado ou não se acredita. Os produtores de vinho, se não forem burros vão usar os vedantes que sejam economicamente mais viáveis, e os clientes vão comprar o vinho onde encontrarem uma melhor relação qualidade/preço.
Ou será que devíamos defender que os produtores de vinho também só devia usar garrafas sopradas artesanalmente para defender os trabalhadores da Marinha Grande? E que só devemos comprar moveis de pinho nacional fabricados em Passos de Ferreira em vez de irmos à loja do senhor Sueco? E não vestir camisolas de Polartec porque prejudica os produtres de lã?
Os montados de sobro são uma riqueza excepcional que tem se ser preservada, mas se as características da cortiça não forem suficientes para a tornarem o vedante de eleição, então temos de procurar outras maneiras de garantir que esse habitat não vai desaparecer...

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Alexandre Vaz,
Acredito tanto no mercado que acho que faz sentido os consumidores questionarem as decisões das empresas entrando em linha de conta com a sua noção de responsabilidade social no memomento de fazer compras.
Também evitaria comprar coisas feitas com trabalho escravo (ou quase escravo) ainda que fosse legal no sítio onde as coisas fossem feitas e fosse, para a empresa, a melhor opção custo benefício.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, e o que é que diria de uma empresa produtora de vinho que por cada garrafa com tampa de plástico vendida doasse o equivalente ao valor de uma rolha de cortiça para a conservação dos montados?

Isto faz-me lembrar um bocado aquela história de que se não houvesse touradas, o gado bravo acabaria por se extinguir...

Para mim é contraproducente confundir a discussão sobre qual o vedante que melhor conserva as características do vinho com a estratégia para conservar os montados. Se por hipótese o plástico fosse realmente melhor, faria sentido continuar a usar a cortiça? E então, não deveria o Henrique substituir lá em casa os tupperwares de plástico por recipientes feitos de cortiça? Ou as palmilhas de borracha (produzida à custa de destruição de florestas tropicais) por palmilhas de cortiça?

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

E não é que eu acho mesmo que se não houver touradas se perde biodiversidade (ou pelo menos se aumenta muito o custo da sua manutenção)?
Doar o dinheiro para conservação é uma solução muito menos eficiente que usar a rolha, portanto eu preferiria, de longe, que se usasse a rolha em vez de doar a diferença de custo para conservação.
Não tenho a menor dúvida de que onde a economia poder suportar a biodiversidade devem evitar-se outros instrumentos (como a filantropia, a responsabilidade social e a retgulamentação).
Ninguém está a discutir qual é o melhor vedante para o vinho (essa é uma discussão que decorre e aparentemente o tempo tem vindo a dar razão à cortiça) mas sim se perante a opção de usar vendantes sintécticos ou vedantes mais sustentáveis esse aspecto concreto deve ou não entrar nas decisões das empresas.
As empresas façam o que quiserem, por mim tentarei explicar a cada um dos consumidores que é um erro comprar vinho com outros vedantes se não houver razões objectivas para o fazer (e aparentemente, do pontode vista do consumidor, não há).
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Não me parece que a questão seja a legitimidade de boicotes ao consumo de certos produtos por motivos ambientais ou outros, são certamente os instrumentos mais acessíveis e eficientes para mudança do mercado.

Julgo que a haver algum desacordo nesta questão é a real eficiência de um boicote ás rolhas de plástico como um meio de estimular a preservação do montado via exploração económica.

Como o agente a boicotar- alguns produtores de vinho- não são responsáveis directos pela exploração da cortiça (ou, inversamente, responsáveis pela sua destruição, como exploração madeireira sem reposição) penso que a intenção falha o "alvo".

Batendo sempre na mesma tecla: porque não "boicotar" os isolamentos em poliestireno em detrimento dos de cortiça? Num painel de aglomerado com uns meros 0,5 m2 (uma fracção do isolamento de uma laje de uma pequena moradia)e 5 cm de espessura cabem rolhas suficientes para uns anos largos.

A aposta no material a preservar (que existe hoje) era neste caso directa, não desfazada.

De qualquer modo compreendo uma opção individual de boicotar certo produto mas discordaria se fizesse parte de uma campanha de uma ONGA a que pertencesse, por exemplo.

Cumprimentos

Nuno Oliveira

Nuno disse...

"Making High-Tech Aircraft Parts with... Cork"

http://www.treehugger.com/files/2010/02/dynaero-portugal-cork-aircraft-plane-parts.php

Não que a saúde da industria aeronáutica esteja muito boa, mas ilustra que as propriedades como vedante podem servir para mais do que uma garrafa de Porto.

Anónimo disse...

joao