terça-feira, janeiro 19, 2010

Uma área protegida para jornalistas incompetentes


O jornal i publicou na contracapa da edição de 15 de janeiro um artigo sobre uma área dedicada à proteção do habitat do urso polar, no Alaska. Seria a maior área protegida do mundo, nada mais nada menos que 50 mil campos de futebol. Os jornalistas são uma classe profissional curiosa. Para além de tratar os seus leitores regularmente como ignorantes (alguém começou a traduzir hectares em campos de futebol, medida tão curiosa como inortodoxa), e são particularmente fracotes em matemática. Sabendo que muitas das áreas protegidas Portuguesas são mais do que 50 mil hectares, estranhei a notícia e já comecei a sentir tal comichão quando vejo jornalistas e números em conjunto. Uma rápida pesquisa na internet revelou que a dita área é de 520 mil quilómetros quadrados. Ah, pronto, já está. São uns meros 52 milhões de hectares (ou campos de futebol, se quiserem, mas não vejo grande utilidade em tantos campos de futebol para os ursos). O jornalista enganou-se num factor de mil.

Será que isto é grave? Sim e não. É óbvio o que interessa é que foi criada uma área de proteção para os ursos jogarem à bola à vontade. Mas ao mesmo tempo, o valor de serviços noticiários depende de uma certa relação de confiança entre a mídia e o (neste caso) leitor. Quando se verifica com preocupante frequência que a mídia não merece esta confiança, o leitor fica com a dúvida sobre as restantes informações que recebe e que não consegue verificar numa rápida pesquisa na internet. E isto afeta a base da sociedade de informação.

Por fim, sinto-me lesado como cliente que sou do jornal. Paguei logo tenho direito a um serviço de qualidade. E quando um jornalista nem sequer se dá ao trabalho de pegar numa máquina calculadora e apurar o número de campos de futebol que tanto gosta, paguei demais para um mau serviço.

Henk Feith

14 comentários:

Marco Fachada disse...

Há um cartoon, da revista Parques e Vida Selvagem, editada pelo Parque Biológico de Gaia (nº 25, Set-Dez 2008), que traduz bem esse sentimento.

Pena é não poder anexar aqui.

Anónimo disse...

Caro Henk.

Para mim uma generalização baseada numa classe profissional é tão razoável como outras baseadas no género, raça, etnia, orientação sexual ou outra. O seu texto reflecte para mim portanto uma orientação discriminatória, fascizante e ofensiva.
Mais uma vez vejo-me obrigado a sugerir que aplique a justiça do mercado. Se o jornal em causa não lhe agrada, não o compre.

Alexandre Vaz

Anónimo disse...

"O seu texto reflecte (...) uma orientação (...) fascizante".

Credo!! Nada exagerado. Como pode alguém acusar outro de fazer generalizações para depois oferecer, em troca, esta porcaria de comentário?

Gonçalo Rosa disse...

Henk,

Para além das contas mal feitas, esta comparação, entre a dimensão da área protegida e a área de não sei quantos campos de futebol, lembra-me uma feita há uns tempos (entre tantas outras) sobre o valor da transferência do Cristino Ronaldo para o Real Madrid e quantos portugueses poderiam beber uma bica por dia até aos fins dos seus dias com aquela massa toda. É apenas uma forma supostamente mais precisa de dizer… “são bicas a perder de vista”!

Na verdade, se eu te disser que são 150 milhões de bicas ou, no teu exemplo, 52 milhões de campos de futebol, o resultado é que ficas muito impressionado com um número, achas que é uma área descumunal, sem fazeres a mínima ideia do que representa. Seria muito mais interessante e “informativo”, comparar a dimensão da área protegida à de um país ou região qualquer. Assim, era muito mais fácil ficarmos com uma ideia do que estamos a falar. É certo que não ficaríamos tão impressionados…

Gonçalo Rosa

Gonçalo Rosa disse...

Alexandre,

Também eu discordo que se façam estas generalizações. Há jornalistas bastante cuidadosos no que publicam e não é justo para com eles que, por vezes, remam literalmente contra a maré, enfiá-los no mesmo saco. E a maré é, na grande maioria dos jornais nacionais, com todas as diferenças, “apimentar” um pouco títulos e textos para melhor vender.

Mas, caramba… discriminatória ?!?! fascizante ?!?! Não te parece que estás a exagerar um bom bocado? Sabes que mais, há algum tempo em comentário a outro post alguém recomendou que “antes de se sentarem ao computador vão correr 10km, e vão ver que quando voltarem a vossa atitude será muito mais benevolente e conciliadora”. E se calhar, vale mesmo a pena tentar.

Um abraço,

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Olá Gonçalo!

E não é que ontem não fui mesmo correr! Se calhar isso explica o meu tom inflamado... Já vi que a palavra "fascizante" deixou muita gente chocada, e não era minha intensão chamar ao autor do texto "fascista". Mas os princípios discriminatórios são uma coisa que suscita em mim uma reacção visceral. Conversas do género "os políticos são todos aldrabões", "os taxistas são todos chico-espertos" (ou os jornalistas são todos burros ou desonestos) são para mim iguais a "os pretos são burros" ou "os maricas são anormais". Ou seja são inaceitáveis.
Acresce a isso que eu próprio sou detentor há quase uma década da carteira profissional de jornalista.
Ainda assim, se as minhas palavras ofenderam alguém, peço desculpa.

abç

alexandre vaz

Gonçalo Rosa disse...

Alexandre,

Antes de mais, dizer que não pretendo dar lições de moral a ninguém. Também eu tenho os meus excessos. Somos humanos, que diabo.

Concordo com o conteúdo mas, como já referi, discordei da forma. É importante manter o debate de ideias e evitando cair neste tipo de excessos, que têem uma tremenda capacidade de criar mal estar e de matar a discussão. É perfeitamente possível (e acredito que bem mais eficaz) dizer o mesmo de forma mais equilibrada.

1 abraço,

Gonçalo

Nuno disse...

Pessoalmente também partilho da opinião que o "i" recorre em demasia a uma escrita mais "pimba" e ocupa demasiado espaço com notícias de "infotainment", o que prejudica a seriedade que podia ter com a colunas de opinião. Este aspecto é uma questão de gosto.

Universalmente imperdoável é a a falta de rigor, que neste caso era hoje é corrigível com uma pesquisa de 0,25 segundos (segundo o google).

Nuno Oliveira

beijokense disse...

Em matéria de números, salvam-se os jornalistas da área da economia. De resto, podemos mesmo generalizar, são raros os jornalistas com que sabem lidar com números.
Deixo dois exemplos:
1. temperaturas
2. taxa de mortalidade infantil

beijokense disse...

Há um "com" a mais no meu comentário :)

EcoTretas disse...

Henk,
Os meus maiores parabéns por este artigo. É isto que tenho vindo a fazer há mais de dois anos. O mau jornalismo ambiental em Portugal, e de resto no mundo inteiro (ver exemplo recente dos Himalaias), só prejudica a causa ambiental... Tomei a liberdade de citar o post no meu blog...
Ecotretas

Henk Feith disse...

Caro Alexandre,

Antes de tudo, devo dizer que o seu comentário está correto, sobretudo politicamente correto. É óbvio que tratei uma classe profissional num todo e terei sido injusto com muitos deles.

Mas deixa-me contrapor com alguns argumentos.
1 Ao contrário da raça, género ou orientação sexual, uma profissão é uma escolha livre e pessoal. Isto torna uma generalização sobre este grupo de pessoas muito menos ofensiva quando comparado com características de ordem física, embora possa constituir uma ofensa para quem não se reconhece na generalização.

2 Ambio tem posts de todos os estilos e feitios. É uma das forças dele. Certos posts são deliberadamente provocatórios, como há outros que são sérios, técnicos, românticos ou furiosos. A provocação é uma forma de despertar a atenção para uma questão, e é normalmente caracterizada por um certo "pisar da linha". Se assim não fosse ficaríamos todos com discursos estilo Miss World em que desejamos felicidade a todas as pessoas do mundo e saúde para as criancinhas.
Embora pouco comum em Portugal (ai, será outra opinião fasciante?), os "stand-up comedians" são mestres nesta arte de provocar. Se eu meu post o ofendeu, recomendo vivamente de não visualizar performances de stand-up comedians, porque entrava em estado de choque. No entanto, esses artistas são geralmente (ai, arriscado) reconhecidos como grandes críticas de convenções sociais e têm um papel importantíssimo na sociedade.

3 O artigo em concreto não veio assinado. Em ausência do nome do autor ou autora (está bem assim?), tive de recorrer à classe profissional a que pertence.

4 Penso que a minha ofensa se limita a chamar "curiosa" à classe profissonal e de classificar os jornalistas como "particularmente fracotes em matemática". Deixo aqui então um pedido de desculpa formal a todos os jornalistas que não são fracotes em matemática. Agora, vou continuar a achar curiosa a classe profissonal de jornalistas e assumo este delito de opinião. Haja paciência.

Henk Feith

Anónimo disse...

Boas e santas,

Apesar de concordar consigo na ideia global, aproveito apenas para fazer uma pequena correcção.

Um campo de futebol tem, 45m a 50m de largo, por 90m a 120m de comprido, pelo que terá, 4.050m2 a 6.000m2 de área, fazendo as contas verificará que na realidade 520.000 Km2, são qualquer coisa como 86.666 a 128.395 campos de futebol, mais campo, menos campo. Isto, se um hectare ainda forem 10.000m2.

Já que estamos a criticar os outros pelo números convém usarmos nós os números correctos.

Abraço,

Anónimo disse...

Ao anónimo de 15/11/10:

não se esqueça 1km2 equivale a 1000000m2 e não a 1000m2.
Se um campo de futebol tiver 6000m2 cabem 86666666 campos desses em 520000km2 ou seja mil vezes mais do que você pensa.

Boas festas