domingo, fevereiro 21, 2010

O que é a natureza em nós?


O texto que vou aqui transcrever, e que me chegou via email depois da última controvérsia sobre caça e conservação, não é um texto que eu subscreva.
Mas é um texto que acho interessante.
Tento explicar.
As teses biocêntricas e de igualdade entre as espécies, que fundamentam a oposição à caça, ao consumo de animais e etc., têm origens remotas, com certeza, mas têm uma origem próxima num filósofo utilitarista que as adopta como a consequência de um processo de construção intelectual. São por isso inequivocamente filhas da civilização, no sentido em que apenas a civilização, uma especificidade da nossa espécie (passe o inseguro pleonasmo e a segura aliteração), nos permite repudiar a tendência natural para a defesa do grupo e adoptar a irmandade global.
O que este texto de um caçador permite , com ideias que estão nos antípodas destas, é ver como a comunhão com a natureza e a irmandade com a natureza podem ser vistas exactamente no extremo oposto da ideia de igualdade das espécies.
O acto de caçar é aqui retratado como uma reintegração na natureza, como o cumprimento de um desígnio natural.
Espero que sirva para os que estão de um lado e do outro da barricada se questionarem sobre se não será tempo de voltarmos a ler "Humano, demasiado humano" que Nietzsche pretendia que fosse um livro para espíritos livres, isto é, aqueles que pensam de forma diferente do que se espera deles (li este livro há muitos anos, lembro-me vagamente do que li, e servi-me agora da wikipedia para me certificar de que era realmente sobre sermos humanos, demasiado humanos, que tratava o livro).
henrique pereira dos santos

"Afinal porque caçamos?
É sabido ser a caça a mais antiga actividade do homem e que esteve na génese de tantas outras, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da humanidade!
Então, porque é que parece ser tão difícil, para alguns, entender que somos herdeiros de algo ancestral, que nos acompanha desde os primeiros tempos?
De aceitar que nos assiste o direito a existirmos e a praticar essa nossa actividade, a herança mais antiga da humanidade, para a qual possuímos natural tendência?
Afinal porque caçamos? E é ou não legítimo fazê-lo?
Na actualidade, nalguns sectores da sociedade (os mais modernos e recentes, de raiz urbana) considera-se que caçar é um comportamento reprovável … em nome de uma falsa e hipócrita defesa de um ambiente que sofre infinitamente mais com as outras múltiplas actividades humanas, derivadas do desenvolvimento e da modernidade, do que com a prática da caça – esta aliás, quem mais contribui para a preservação e entendimento desse mesmo ambiente. Que é vicioso, em nome de discutíveis e exacerbados valores sobre a condição animal, fruto do afastamento da realidade da Natureza e do campo. Consideram-no um desvio, fruto do seu alheamento da vida e da morte, naturais, que não entendem e temem! Que é uma expressão da violência e do mal, segundo princípios anti-armas do pacifismo artificial urbano que todavia desenvolveu a violência psicológica, sofisticada.
Mesmo alguns caçadores têm dúvidas em se assumirem, e até vergonha… tentam que não reparem neles, fazem-no ás escondidas e defendem-se com pouca convicção, sem saber exactamente porque são levados a caçar, como se só por si a vontade e o prazer não chegassem para o justificar e antes fossem algo de pecaminoso!
Eu, caçador contemporâneo, aos 54 anos, sempre que chego a um local ao ar livre, qualquer que seja o espaço... um quintal, um jardim, um campo, praia... olho em volta à procura dos sinais, dos animais e dos lugares onde eles possam estar, as suas possíveis querenças. É instintivo, inconsciente!
Imediatamente avalio vegetação e terreno, procuro pedras ou onde o mar levante. Dou comigo a identificar o posto onde me iria colocar, como entraria no terreno ou aonde iria à procura de presas!
Não olho para um rio ou pedaço de mar, um bosque, montanha ou planície... que não pense imediatamente que animais ali se encontrarão!
Vejo qualquer espaço aberto e me dá vontade de pôr a arma ao ombro, assobiar ao cão e marchar rumo ao horizonte...
Chegando a uma praia, olho imediatamente para o mar a avaliar o seu potencial, o estado de força, a limpidez, altura da maré, manchas de pedra e outros sinais...
Mal avisto um pedaço de oceano, logo me apetece enfiar máscara e barbatanas e ir por ali fora, de arma na mão!
È mais forte do que qualquer outra coisa, e sempre assim foi desde que me lembro!
Ora o que é isto? Só tenho uma explicação:
- SOU CAÇADOR! Em todas as fibras do meu ser... até ao mais ínfimo protão!
Porquê? Pois porque há em mim um qualquer código que me faz ser assim. Como sei que existe noutros, e, sei que existem outros cujo primeiro olhar é para os biquínis, ou para a luz e côr do enquadramento que daria uma tela ou uma fotografia; os que ouvem música no vento e nas ondas, ou os que desenham na mente a casa que ali construiriam... cada qual nasce com a sua sensibilidade e tendências...
Os meus antepassados foram formidáveis caçadores! Se não o tivessem sido não estaríamos aqui a discorrer sobre estas questões! Porque o homem é fraco, corre pouco, não possui asas, tem pele fina e nua, unhas curtas e dentes pequenos… Teria sido comido pelos carnívoros, ou, sobrevivendo de raízes, frutos e plantas, não teria chegado ao nível actual dos nossos detractores nem aos locais onde eles se exprimem. Seria um tímido herbívoro não evoluído, um saguim grande e triste, nu, com frio e miserável, em permanente busca de comida e estado de vigilância. Se “eles”, os modernos e os que se julgam anti-caça, se acham no topo da evolução humana, foi por terem sido criados a carne, e porque os seus antepassados caçaram e comeram carne!
Este antepassado caçador tinha prazer na caça! Tinha que ter… a necessidade de caçar, teve de proporcionar esse prazer, como tudo o que é instintivo e fundamental à sobrevivência das espécies: - O prazer do sexo, da comida, de mitigar a sede, de sentir o calor quando se tem frio ou o fresco quando se tem calor...são indispensáveis à própria vida! Por isso os animais brincam e têm prazer nos jogos onde treinam para a sua sobrevivência: as lutas e emboscadas dos leões, o correr e saltar das gazelas... as acrobacias dos macacos e das aves, as brincadeiras das focas, lontras ou golfinhos.
Fala-se da morte e associa-se esta à caça… tentam que seja um argumento de peso contra ela… mas, a verdade é que há caçadores e presas em todos os estratos da vida! A morte ocorre em todos os seres e faz por isso parte da vida, e de uma relação profunda e natural, que permite a transmissão da matéria e da energia.
Existe uma teia intrincadíssima entre TODOS os seres vivos, que os condiciona. Nós não somos excepção! Basicamente o homem é um animal e igual a eles: nasce, cresce, reproduz-se e morre! Mas, quanto mais sentimentos desenvolveu e mais elevados, mais se distanciou do básico e portanto do animal. Tanto o animal como o homem partilham sensações físicas elementares como a sede, fome, calor, frio e cansaço. Possuem ainda outros sentimentos mais elaborados como o medo, a disposição para o combate, a luxúria e até o amor maternal. Porém, o homem desenvolveu outros sentimentos ainda mais sofisticados, ao nível da psique, que só ele possui, o tornam diferente e elevam a níveis inacessíveis ao animal!
Nós matamos porque somos caçadores! Sem raiva… porque na Natureza, a morte de uns é a vida de outros. Matamos as presas, naturalmente e em paz! Não porque as odiamos, como o leão não odeia zebras nem a aranha odeia moscas! Mas precisam delas para viver e as capturam, naturalmente. Quando damos a morte é por uma razão: A morte de uns dá a vida aos outros, é assim a ordem de toda a Natureza, das plantas aos animais! A grande árvore que morre, apodrece e dá de comer ás novas… e a tantos insectos e estes aos pássaros e até ao urso… Se tiramos uma vida, podemos todavia dar-lhe continuidade porque ao comer o ser que morreu, o incorporamos, e ele continua assim a viver em nós, até por nossa vez morrermos e sermos incorporados na terra e nos vermes e daí passarmos às outras formas de vida, as plantas e os outros animais. Por isso a vida se mantém, é passada de uns seres para os outros. Nós somos meros transportadores de energia, através da vida.
Dar a morte é algo de natural, porque morrer é consequência de estar vivo e o fim dessa mesma vida. Nós damos a vida ao fazer filhos e também damos a morte… é o mesmo e faz parte da nossa condição! O caçador o pratica, com respeito pelos animais a quem dá a morte pois não o faz com o mesmo sentimento do assassino ou a raiva de quem se vinga ou quer suplantar o adversário, e o faz com frieza e eficiência! O objectivo é matar e não fazer sofrer! Mata porque tem de ser, tal como o leopardo mata a gazela, a águia o coelho e o tubarão a foca. Fazemos parte de um todo onde se mata e se morre, como a morte faz parte da vida. E é por isso que sendo caçadores, amamos os animais que matamos e não os odiamos! O pastor, esse odeia o lobo que lhe come o rebanho, o agricultor odeia o javali que lhe come a seara! Podem odiar, e se compreende, mas raramente os matam, e, quando matam alguma coisa é aos seus animais, para os comer, e também não os matam com ódio, matam-nos com indiferença e porque é preciso! Matar com ódio, mata o assassino, por maldade… coisa que nem a cobra ou o crocodilo fazem, porque o criminoso é mau, é baixo! Está no mais baixo nível da existência!
O homem se foi libertando desta teia e saiu dela, por força da sua evolução e do desenvolvimento, arranjando formas dela menos depender. Mas continua a depender da morte, porque come seres que estiveram vivos… animais mortos, e, ao comer as plantas também as mata! A morte estará sempre associada à transferência da energia natural!
O gosto natural pela caça, o “gene do caçador”, existe e está no nosso código genético! Em todas as classes de seres vivos, em todos os estratos e em todas as comunidades, há predadores e presas, que a Natureza na sua complicada rede de interacções e relacionamento criou, de modo a que se regulasse e mantivesse numa dinâmica de evolução e vida. Esse gosto manteve-se ao longo das gerações, como o gosto em procriar ou comer. O homem ao evoluir ganhou outras sensações que são seu apanágio: os gostos e os prazeres sofisticados, apreciar uma paisagem, um vinho, ouvir música, jogar um jogo complexo! Porque só o homem tem o espírito, ou a "alma", que lhe permitiu desenvolver tais sentimentos superiores, como o amor ou a piedade! Isso o que distingue o homem dos animais... que não os sentem. Por exemplo, e desde logo, a piedade, que nenhum animal possui, por força da sua condição como pela sua total inutilidade ou mesmo vantagem de não a manifestar! Pode imaginar-se que o lobo tenha piedade pelo veado? Seria anti-natural! Ou o amor, o amor puro dos amantes ou pelas outras pessoas que conduz a praticar o bem, e, a generosidade! São sentimentos exclusivos do homem, como apreciar as coisas belas e boas, a gastronomia, a música e o canto, a dança ou um simples pôr-do-Sol! Tudo coisas que o homem desenvolveu, inatingíveis para os animais e que os separam. Coisas que diferenciam os próprios homens e os colocam em diferentes níveis da evolução: - Da cupidez do ladrão, do ódio do assassino, da luxúria do tarado - exacerbações extremas de paixões - , ao homem que se eleva pela sua arte, ou pelos sentimentos generosos da partilha ou da ajuda, e finalmente ao Santo, cujo desprendimento é total!
Esse gene do caçador, pode existir ou não, como pode estar activo ou adormecido. Neste caso pode revelar-se tardiamente ou nunca se revelar! Porém em nós, ele está activo e nos impele a caçar, como nos podia ter impelido a ser músicos, militares, cozinheiros! Por isso, para mim, caçar é sentir a satisfação e a liberdade imensa de seguir essa tendência que vive no meu ser! O desapego, o afastar de tudo, onde nada mais conta nem importa senão o ir, o procurar... não importa o quê!
Reprimi-lo seria a atrofia de uma tendência natural, a infelicidade e a frustração.
E, preciso sim de capturar uma presa, de me apossar dela, de a sentir como sendo minha! De experimentar essa sensação da posse, a satisfação atávica, animalesca e ancestral de "apresar". Não se confunda com matar! Nada tem a ver, porque logo depois a minha parte humana, a alma, se enche de pena e se pudesse daria vida àquele animal e o perseguiria outra vez, pois ao caçá-lo criei uma ligação com ele, me identifiquei com ele e passei a depender dele, como num namoro!
Será assim tão difícil de perceber? E de aceitar? Isto faz de mim um ser vicioso e mau? Um sádico criminoso, como pretendem os que não o entendem… talvez porque nunca lhes explicaram as coisas deste modo, presumindo eles de acordo com a sua percepção?
Depois, comê-la-ei... é outra parte dessa condição de ser caçador: sou impelido a comer a minha captura! Os antigos caçadores, os mais primitivos e os filósofos, explicam bem esta parte, pois ao comer o animal, o incorporamos em nós próprios e ele continua a viver, em nós... é algo de profundo que explica a forte ligação da caça à gastronomia, para lá do pragmatismo puro da alimentação e sobrevivência.
A seguir, partilho com os outros esse momento da posse: o lance vivido! Exibo-me e recebo o reconhecimento dos meus iguais, a admiração. É a vaidade humana entendida sob a forma da recompensa, que nos leva a procurar a eficiência para o bem comum: É-se enaltecido mas se contribuiu para o grupo! O que em tempos idos teve a maior importância e por isso se manteve e nos marcou! E não funciona só na caça!
No acto de historiar, há ainda um componente fundamental: A partilha da experiência e do saber adquirido. O ensinar e o imitar, que melhoram a técnica e portanto os resultados do grupo! Ou julgam que é por acaso que somos uma confraria de "mentirosos"? De contadores de histórias e de potenciais vaidosos?
Percebe-se que a prática da caça mantém a nossa ligação à Natureza, e, que nos reintegramos nela ao regressarmos à condição do caçador. O homem, que se afastou da Natureza, regressa assim ao seu estado mais natural ou primitivo, renova energias, limpa as frustrações da vida moderna, reaproximando-se da Natureza e de si mesmo, como os adultos tendem a voltar à infância ou aonde foram felizes! Mais do que isso, imergem na Natureza, onde têm lugar, são aceites porque o caçador faz parte dela e está previsto! A sua actividade é sustentável, como não é a do homem construtor de mega urbes e do desenvolvimento industrial!
Claro que usufruir da Natureza, também outros o fazem! O caminheiro, o fotógrafo e o observador de pássaros, o mergulhador, o ciclista de btt e o alpinista... experimentam esse contacto, mas apenas o contacto e porque não possuindo o gene do caçador, isso lhes basta. Não têm de satisfazer a necessidade de caçar, de se apoderarem de mais do que sensações ou imagens. A necessidade do caçador é ainda mais física! Além do esforço e do jogo da caça, de iludir o animal, importa a sua posse: a captura! A captura é o grande objectivo! Assuma-se e entenda-se, porque sem a captura do animal, o caçador primitivo não sobrevivia… ele não se alimentava de sensações nem de imagens, e sim de carne!
A caça evoluiu, mas não pode ser separada dessa posse, que redunda na morte... a pesca sem morte é a excelência... quando houver a caça sem morte, talvez surja um novo caçador… porém ficará sempre o vazio da posse física, de incorporar o animal, que hoje ainda não dissocio da caça. No futuro… não sei, pois já não será nesta minha vida. Sei sim que a caça evoluiu também, acompanhou o homem... a que se pratica hoje pouco tem a ver com a do início do século passado, menos ainda com a da idade média e nada com a da pré-história… salvo pelo que se manteve, o impulso de caçar e finalidade de apresar! Mas em contrapartida e pela lei das compensações, assumiu uma maior importância quer na ligação à terra e à Natureza quer na sua preservação, pois que graças à caça e pela caça, sobrevivem hoje espécies e se mantém o ambiente e a biodiversidade! Não tenho dúvida de que o caçador em mim passará a outro, como me foi passado e se manifestou em mim, e assim acontece desde o início dos tempos, porque ele é útil! E passará, não só pelas leis da genética mas também por via das ideias que se divulgam e cultivam, outra admirável e exclusiva capacidade humana!
È verdade que o caçador procura um regresso à Natureza? Sim, o operário da cintura industrial das grandes cidades, o urbano dos bairros citadinos, o que vive nas metrópoles, os saudosos do campo e da vida ali, que mantêm vestígios da cultura campesina, e são ainda muitos, hoje talvez até a maioria! Porém e o caçador rural, o aldeão que vive na, com, e da Natureza? Como pensar que vá à caça para se sentir próximo da Natureza? Também isso não basta…
Então afinal porque caçamos?
Bom, eu, caçador actual e ser pensante, cheguei à conclusão que, quando pego na arma e saio para o campo ou para o mar, afinal aquilo que faço é perpetuar o gesto do meu longínquo ancestral, no momento em que empunhou pela primeira vez uma arma e alijando a sua condição de presa, se ergueu em glória de predador!
È isso que eu revivo e celebro desde essa altura!
È o que me foi passado no código genético e que eu passarei a outros, por muito que nos “eduquem”, reprimam ou reprovem.
È isso que nos diferencia do alpinista, do passeante, do observador!
È isso que nos leva a ser o que somos…
Afinal é por isso que caçamos!
Foram os caçadores que deram aos artistas e aos filósofos a oportunidade de o serem... que proporcionaram à humanidade chegar até hoje. Foi a caça que lhes permitiu estarem aqui hoje, os biólogos e políticos, os “bem pensantes” dos direitos animais e do ambiente, os “modernos”, todos os que agora tentam acabar connosco!
Deviam estar-nos gratos, perceber o nosso direito a existirmos pelo simples facto de o sermos e gostarmos de caçar, e não, acabar connosco porque já não lhes fazemos falta, porque perderam a capacidade de nos entender e ignoram este facto ancestral.
Não teremos então já, o direito a existir?
Não pretendo fazer de ninguém caçador, tão pouco impor que seja obrigatório caçar… como o fariam os meus detractores! Procuro apenas divulgar porque sou caçador, e que me respeitem por isso.
Não luto para impor as minhas ideias e sim pela defesa de ter direito a elas!
António Luiz Pacheco

11 comentários:

joserui disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos, por alguma razão, o Ambio pretende ser o porta estandarte dos caçadores. Está na hora de começar a procurar mais verdes paragens. E agora entra a filosofia de má qualidade.
Não há aqui novidade nenhuma. Nem uma. Gostava até que elaborasse sobre o grande interesse deste manifesto. Já se sabe que em Portugal os maiores amigos dos animais são os caçadores; a caça é a actividade mais natural que existe; a mais antiga também; quem é contra a caça é um refinado hipócrita; há coisas infinitamente piores; etc, etc.
É a chamada evolução selectiva. Para ter os pézinhos quentes, a escalfeta; para a comunhão com a natureza, a caça. Este impressionante conjunto de protões devia dar-se por satisfeito por nem todos serem assim. É dessa forma que ainda tem alguma coisinha para caçar.
Toda esta conversa já foi respondida há muitos anos pelo Chefe Seattle:
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos. Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo o que acontece à terra acontece aos filhos da terra. O homem não teceu a rede da vida, ele é só um dos seus fios.
Aquilo que ele fizer à rede da vida ele o faz a si próprio.

Publique a carta completa como resposta. Ainda estamos em 1854. -- JRF

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro José Rui,
Essa carta, se existiu, não foi seguramente escrita pelo chefe seattle, que nem sabia escrever. O chefe terá feito um discurso na sua lingua nativa, alguém terá traduzido para outra língua nativa meio inglesado, e alguém terá tomado notas em inglês.
Depois disso fiseram-se várias versões mais ou menos poéticas e folclóricas. É portanto um documento apócrifo que na melhor das hipóteses terá na sua origem meia dúzia de conceitos do chefe seatle.
Em qualquer caso não sei o que tenha com este post visto que o chefe erao representante de uma cultura de caça.
Gostaria de notar que digo que não subscrevo o texto e que o meu comentário vai no sentido de dizer que não faz sentido pretender que cumprimos a nossa natureza porque a nossa natureza é sermos humanos, demasiado humanos.
Se considera um crime pôr todos os pontos de vista sobre um assunto no mesmo pé para que cada um possa fazer o seu juízo, tenho pena, mas eu continuarei a fazê-lo.
henrique pereira dos santos

joserui disse...

Eu sei disso! O que interessa é a data e a evolução. Se foi o Seattle ou o John Muir interessa menos.
Eu não sou contra a caça per si, julgava que isso já se tinha tornado evidente por esta altura. Sou contra é a mentalidade de matar por desporto. Da morte para o pagode. Para o convívio e não sei que mais. Portanto, isso sim, sou é contra os caçadores de hoje. Ou a maior parte deles. Como este. Que decretou que "os espaços abertos" lhe pertencem.

A do Nietzsche tem piada. Misturar um filósofo com uma conversa de chacha sobre antepassados que caçavam para comer carne (e sim, entendi que não diz isto, mas não entendo o sentido de humanos). Eu também li esse livro. E o Assim Falava Zaratustra, Para Além do Bem e do Mal, o Anticristo e A Genealogia da Moral. Como qualquer bom filósofo, bem aproveitadinho, dá para tudo e o seu contrário. Sempre entendi Nietzsche em luta com a humanidade, não com a animalidade. Nesse sentido, também não me acredito na igualdade entre espécies. Como poderia? Eu não me acredito na igualdade entre os Homens. Acredito-me no respeito por tudo. No bem (e consequentemente no mal). E que não se nasce com instintos para o bem, conquista-se e aprende-se. E dá trabalho. Se todos cedessemos aos instintos primários como este senhor, não havia selva que chegasse.

Quanto ao crime: o que eu acho é que não é aqui que posso procurar o equilíbro entre a voz corrente e alguns valores ambientais. No fundo aprender alguma coisa. Não quando se publica textos mais adequados a fóruns de caçadores. Com a agravante de ser uma repetição dos chavões habituais, designadamente, tentar colar a hipocrisia como uma lapa a quem é contra a caça (na verdade contra os caçadores). Porque só os caçadores é que sabem que a morte de uns é a vida de outros. Esse elaborado conceito, só está ao alcance de quem anda de arma na mão, a matar por desporto. Com a sua roupa "técnica", reluzente espingarda, 4x4, as estradas, thermos com café quente, os aviários e outras benesses da civilização. Devolvo em duplicado a acusação de hipocrisia.

Numa palavra: é curiosa e ameaça ser desinteressante a sua linha editorial (que ao contrário do que diz, tende para um ponto de vista, não todos). Mas não é crime. Lá saberá os leitores que lhe interessam. -- JRF

Anónimo disse...

"Se considera um crime pôr todos os pontos de vista sobre um assunto no mesmo pé para que cada um possa fazer o seu juízo, tenho pena, mas eu continuarei a fazê-lo."

Não é um crime, mas é uma impossibilidade matemática e um exercício sem sentido.
De que é que serve um blogue (um jornal, uma revista ou um livro) sem uma postura editorial assumida e coerente? Para mergulhar num sítio onde vamos consultar informação não digerida, temos a Wikipedia...
Se a carta que o JRF cita foi escrita ou não pela mão do chefe Seattle é absolutamente irrelevante e não acrescenta nem retira pertinência ao comentário. Confundir a postura dos povos nativos da América do Norte perante a caça com os argumentos do António Luiz Pacheco só pode ser sintoma de desonestidade intelectual ou ignorância.

Alexandre Vaz

Jaime Pinto disse...

Excelente texto do António Luís Pacheco, escrito para caçadores de boa vontade. Em boa hora HPS publica-o na Ambio, porventura para fazer chegar aos seus leitores informação suplementar sobre o assunto, ou seja, porque existem pessoas que gostam de caçar no Séc. XXI..

ALPacheco não se voltou para os benefícios inegáveis que a caça ordenada traz aos ecossistemas, economia, emprego, negócios, interior empobrecido, o que seria demasiado fácil, antes justifica a caça civilizada (actualmente plena de regras e com uma moldura penal muito dura) como um direito natural do homem, predador de topo da Natureza.

Claro que indivíduos que consideram os animais com direitos semelhantes às pessoas discordam do discurso de ALPacheco. Também pessoas pouco informadas poderão discordar, nomeadamente os que pensam que a caça actual equivale a um massacre das espécies selvagens. A estes últimos, quando efectivamente souberem a realidade, será fácil ficarem apenas críticos moderados, tal como eu.

Parabéns ao ALPacheco por me elucidar de forma tão clara porque gosto de caçar, tal como gosto (gostei...) de namorar, apreciar uma paisagem, observar um bando de marrequinhas em voo, beber um bom vinho, ir de férias com a família, saber da felicidade dos filhos. Para os menos informados, caça não é desporto, tal como o não é nenhum dos prazeres atrás referidos.
Jaime Pinto

Anónimo disse...

Dei-me ao trabalho de ler o texto e fiquei muito desiludido, pois não vislumbro nele qualquer estrutura, limitando-se o autor a repetir interminavelmente uma só ideia por palavras diferentes. Além disso e apesar de ter sido caçador, não me revejo em muito do que é dito e acho alguns "argumentos" bastante absurdos. No entanto, aceito que a sua publicação neste espaço possa ser útil para abrir os horizontes a quem não conhece as motivações dos caçadores.

Uma parte subscrevo, que é aquela em que é dito que um caçador não sente prazer na morte em si, da mesma forma que as pessoas normais não sentem prazer em matar galinhas, quando a tal são obrigadas para as poderem comer. Pessoalmente, sempre me causou sofrimento ter de rematar os animais feridos, especialmente as rolas e pombos, cujos olhares de pânico me deixavam de rastos.

Luís Venâncio

PS - Agora fiquei intrigado com o que terá acontecido ao meu gene caçador... Terá sido educado por um ingrato bem pensante dos direitos dos animais?

Jaime Pinto disse...

Caro Luís Venâncio, infelizmente há muito que ando na sua esteira. Não o conheço para saber das motivações que o levou a deixar de caçar. Tirando aqueles que arrumaram o "ferro" por discordarem do actual regime, ou não souberam/conseguiram encaixar-se nele, a generalidade dos outros, nos quais provavelmente o Luís está incluído, fizeram-no precisamente devido aos "olhares de pânico" que vos "deixavam de rastos". É uma evolução normal na vida de muitos caçadores. Todas as coisas boas da caça já não conseguem suplantar a dor de alma que um caçador tem de enfrentar quando retira a vida a uma presa. Então essas mal feridas que deitam olhos...

Nada tem a ver com os animalistas, pois o Luís, tenho a certeza disso, não trocaria a vida de uma criança pela vida de mil cachorrinhos.

Henk Feith disse...

Onde é que o António Luiz Pacheco foi buscar a ideia do Homem ser um caçador nato é um mistério para mim. Que dizer, basta olhar para o nosso frágil constituição física e comparar com caçadores a sério para entender que somos o que sempre fomos: omnívoros oportunistas, cuja dieta somente em pequena parte era constituída por carne.

Atribuir à alimentação à base de carne, logo à atividade de caça, o desenvolvimento da espécie humana é uma ignorância histórica do tamanho do mundo. É mais do que sabido que a explosão demográfica se deveu ao domínio da agricultura.

Que o homem gosta de caçar é óbvio, agora não precisava de justificar este gosto com uma argumentação baseada em pressupostos evidentemente falsos. Gosta ponto final, como há outros que gostam de corridas de Fórmula 1, de fotografar borboletas ou de coleccionar selos. Porquê justificar se gostos não se discutem?

Henk Feith

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henk,
Eu não seria tão taxativo em relação ao consumo de carne. A questão não é tanto a explosão demográfica mas o desenvilvimento do cérebro enorme que temos.
Há muito boa gente que diz que esse passo da evolução foi possível porque consumimos carne.
Eu seria mais prudente nesta discussão que é uma discussão longe de estar fechada.
henrique pereira dos santos

Henk Feith disse...

Então nada como trocar umas ideias sobre essa matéria, objetivo máximo do Ambio.

Se o nosso desenvolvimento cerebral de deve ao consumo de carne, como é que isto somente aconteceu apenas ao Homem e não aos restantes carnívoros? Não terá sido antes ao contrário, que a nossa capacidade de desenvolver e manusear ferramentas, condição sine qua non para poder caçar, se deveu ao nosso aumento da capacidade cerebral?

Pelo que tenho lido sobre a matéria, a separação dos antecessores do Homo sapiens dos restantes símios próximos se deveu à adaptação ao habitat estepária Africana, enquanto os símios ficaram em habitats dominados por estratos arbóreos. O segundo passo terá sido a capacidade de andar reto, condição de sobrevivência nas estepas com a presença de predadores estepárias. Estas mudanças são consequência da capacidade intelectual de se adaptar a novas condições e oportunidades. Terá sido nas estepas que o homem desenvolveu, com base na sua maior intelligência, a capacidade de caçar perante a megafauna existente neste habitat, utilizando ferramentas primitivas e técnicas de caça em grupo.

O mistério do nosso aumento cerebral é demasiado grande para ser atribuída ao consumo de carne. Penso que se alguém foi taxativo foi o António ao afirmá-lo.

A minha imprudência terá como consequência máxima ter lançado uma discussão na qual corro o risco de ter de admitir que me enganei. Ora, isto não me incomode porque seria sinal de ter aprendido algo, o que me deixaria satisfeito.

Henk Feith

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henk,
Espero que o Miguel Araújo, por exemplo, tenha tempo para esta discussão, porque comigo ela não vai muito longe: eu não sei o suficiente para ter uma discussão pormenorizada sobre isto.
Mas parece-me que o teu comentário é demasiado esquemático, a evolução não se faz por saltos, mas por lentas adaptações. Uma coisa é dizer que no processo de evolução dos grandes primatas o consumo de carne permite a diferenciação que leva ao nosso cérebro (penso que seja sobretudo devido à possibilidade de proteína mais abundante), outra coisa é dizer que o consumo de carne conduz ao crescimento do cérebro (coisa que penso que ninguém diz).
É sempre muito difícil partir de pontos gerais como as adaptações à savana para explicar a evolução, porque o processo vai sendo cumulativo: terá havido primatas que foram sendo capazes de sobreviver na savana e de geração em geração os que sobreviveram foram os que tinham melhores condições para isso. Uma das condições pode ser a sua inteligência (incluindo na manipulação de instrumentos) que lhes permitia ser competitivo na caça, mesmo em competição com outros exímios caçadores, cada um deles usando estratégias diferentes: uns pela velocidade, outros pela dissimulação, outros pela interacção social e por aí fora.
Nesse processo confuso, com milhares de fracassos por cada êxito, é sempre difícil dizer se a caça nos obrigou a desenvolver competências que não tínhamos, ou se desenvolvendo competências fomos sendo capazes de caçar ou se tudo junto, incluindo o facto da ingestão de proteína (material de contrução, mais que outra coisa, na nossa fisiologia) em quantidades razoável permitir gastar tantos recursos na criação de cérebros maiores e mais complexos (obrigando ao crescimento das nossas cabeças que faz com que haja quem entenda que as nossas crias são fetos externos que nascem cedo de mais porque doutra forma o aparelho reprodutor feminino impediria a marcha).
O Miguel aconselhou-me a leitura da rainha de copas sobre estes assuntos. Não tenho a verdadeira devoção que o Miguel tem a esse livro mas acho-o fascinante e muito fácil de ler (sendo muito convincente em alguns aspectos).
De qualquer maneira eu não subscrevo esta carta, acho-a muito interessante como demonstração da forma como uma parte dos caçadores se vê a si próprio na relação com a morte dos animais.
henrique pereira dos santos